“Ao dar o último passo do homem nesta superfície, de volta para casa por algum tempo — mas acreditamos que não muito no futuro — gostaria apenas de dizer o que eu acredito que a história registrará. Esse desafio da América de hoje forjou o destino do homem de amanhã. E, ao deixarmos a Lua em Taurus-Littrow, partiremos como viemos e, se Deus quiser, como retornaremos, com paz e esperança para toda a humanidade. Boa sorte à tripulação da Apollo 17.”
Essas foram as últimas palavras proferidas por um ser humano na superfície da Lua, em 14 de dezembro de 1972, em tradução livre.
Quem as disse foi o último terráqueo a deixar uma pegada no solo lunar, Eugene Cernan, o comandante da Apollo 17.
Taurus-Littrow a que ele se refere é um vale, localizado na borda sudoeste do Mar da Serenidade.
Ambos foram formados há cerca de 3,8 bilhões de anos, quando um asteroide do tamanho de uma montanha colidiu com a Lua, escavando uma bacia de 700 km de diâmetro.
Ao redor de sua borda, formou-se um anel de montanhas e vales radiais, dos quais um deles é o Taurus-Littrow, local do pouso da Apollo 17.
Na verdade, Cernan não foi o último ser humano a descer na Lua, tendo sido o 11° a alcançar o feito.
O 12° e último foi seu companheiro de tripulação, Harrison Schmitt, conhecido como Jack. Mas Cernan foi o último a deixar o solo lunar.
Explica-se: como comandante da missão, ele foi o primeiro a descer. E também por isso ele foi o último a embarcar no módulo para voltar a Terra. O que significa que as últimas pegadas humanas em solo lunar são dele.
As palavras de Cernan podem não ser tão famosas como a imortal frase dita pelo primeiro humano a botar os pés na Lua, Neil Armstrong, em 20 de julho de 1969: “Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a humanidade.”
Deixando de lado o pioneirismo da Apollo 11 e de seu comandante, Armstrong, no entanto, a Apollo 17 e Cernan não ficam a dever ao primeiro pouso na Lua. Em muitos aspectos até os superam.
A missão, que tocou o solo lunar em 11 dezembro de 1972, não ficou na história apenas por ser a última. Ela se destacou também por vários recordes e feitos únicos.
Entre eles, o fato de ter sido o voo para a Lua mais longo, com 301 horas e 51 minutos de duração, maior tempo de permanência no satélite (75 horas) e com atividades fora do módulo lunar também mais longas, chegando a 22 horas e 6 minutos, o que incluiu 35 km percorridos com o jipe lunar.
Cernan e Schmitt completaram três excursões de grande sucesso às crateras próximas e às montanhas de Taurus-Littrow, fazendo da Lua seu lar por mais de três dias.
A Apollo 17 também foi a missão que trouxe a maior carga de rocha lunar (112,9 kg) e cujo módulo de comando, pilotado pelo terceiro astronauta da missão, Ron Evans, foi o que permaneceu o maior tempo em órbita lunar, 147 horas e 48 minutos, ou mais de seis dias.
O aspecto científico da missão
“A Apollo 17 se baseou cientificamente em todas as outras missões”, disse Cernan, em 2008, segundo a Nasa, relembrando a missão quando a agência comemorou seu 50º aniversário.
“Tínhamos um veículo lunar, conseguimos cobrir mais terreno do que a maioria das outras missões. Ficamos lá um pouco mais. Fomos para uma área única mais desafiadora nas montanhas, para aprender algo sobre a história e a origem da própria Lua.”
É justamente o aspecto científico da missão da Apollo 17 que destaca o físico Othon Winter, coordenador do Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
“Como já estava definido que seria a última, houve muita pressão dos geólogos para que um colega, um cientista, fosse levado à Lua”, explica. “E foi o que ocorreu. Harrison Schmitt foi o escolhido. Foi o primeiro astronauta cientista, de origem não militar. Isso deu ares diferentes a missão Apollo 17.”
Ou seja, diz Winter, ela teve um enfoque muito científico.
“Muitos instrumentos foram levados e muitos experimentos foram realizados, tanto dentro do módulo espacial como no solo lunar”, explica.
“Do ponto de vista geológico, o mais importante foi que, entre as rochas coletadas e trazidas para a Terra, estavam algumas cujas análises demonstraram que a Lua já teve um campo magnético no passado.”
O físico e astrônomo Annibal Hetem Júnior, da Universidade Federal do ABC (UFABC), também ressalta a importância científica da Apollo 17.
“Os astronautas da missão executaram vários experimentos”, diz. “Por exemplo, instalaram na superfície lunar equipamentos para a medida da taxa de calor proveniente do interior da Lua, e também medidores da variação da gravidade lunar.”
Além disso, Hetem lembra que um outro equipamento interessante foi deixado no satélite, para medir a presença dos gases em sua tênue atmosfera, além de outros dispositivos que avaliam a atividade sísmica.
“A última missão Apollo concretizou uma série de outros experimentos iniciados em missões anteriores e trouxe interessantes amostras do solo lunar”, explica.
“Evidentemente, a curiosidade científica não pode ser limitada, e vários outros experimentos e medidas deixaram de ser realizados com o final do Projeto Apollo.”
Humanos e ratos
Para o astrônomo José Renan de Medeiros, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), do ponto de vista histórico-filosófico, a última viagem tripulada à Lua marca o fim de um gênero de ações na exploração espacial, no qual os programas eram desenvolvidos e conduzidos por um único país.
Nesse início de século o que se observa, de acordo com ele, são programas conduzidos por uma determinada agência espacial, mas contando com múltiplos parceiros em seu desenvolvimento.
“Nesse contexto, a última viagem do Programa Apollo trouxe a perspectiva de colaborações sinérgicas em ciência e tecnologia espacial, entre diferentes agências espaciais, na iniciativa privada e até mesmo entre nações”, explica.
O físico Marcelo de Oliveira Souza, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), por sua vez, lembra outro feito inédito da Apollo 17: foi a primeira e única missão até hoje que levou duas espécies de seres vivos vertebrados para a Lua, no caso, humanos e ratos.
Na verdade, cinco camundongos-de-bolso da espécie Perognathus longimembris, quatro machos e uma fêmea, denominados pela Nasa de A3305, A3326, A3352, A 3356 e A3400, mas apelidados pelos astronautas da missão de Fe, Fi, Fo, Fum e Phooey – o terceiro morreu durante a viagem.
A espécie foi escolhida por ter sua biologia bem documentada, ser de pequeno tamanho, resistentes ao estresse ambiental e fácil de manter em isolamento, pois não precisaria de água potável durante o tempo de duração previsto da missão.
Os camundongos viajaram em compartimentos individuais em forma de tubos, dentro de um recipiente de alumínio, com alimentação suficiente, controle de temperatura e uma reserva de superóxido de potássio que absorvia o dióxido de carbono (CO2) de sua respiração e fornecia oxigênio fresco.
Segundo Souza, os camundongos tinham monitores de radiação implantados sob seus couros cabeludos para medir se sofreriam danos causados por raios cósmicos.
“Após seu retorno à Terra, os ratos que sobreviveram foram mortos e dissecados”, conta.
“Embora tenham sido detectadas lesões no couro cabeludo e no fígado, elas pareciam não estar relacionadas umas com as outras e não eram consideradas o resultado de raios cósmicos. Não foram obtidos dados que possibilitassem concluir que a incidência de raios cósmicos tenha causado algum dano à saúde dos animais. Não há informações sobre a causa da morte do quinto rato.”
Quem era Eugene Cernan
Quanto ao próprio Cernan, pode-se se dizer que ele fez praticamente tudo que um ser humano do seu tempo poderia fazer no espaço.
O futuro astronauta Eugene Andrew Cernan, ou Gene, como era conhecido, nasceu em Chicago em 14 de março de 1934.
Segundo a Nasa, ele se formou na Proviso Township High School em Maywood, Illinois, e recebeu o título de bacharel em engenharia elétrica pela Purdue University, em 1956. Depois, obteve o título de mestre em engenharia aeronáutica da Escola de Pós-Graduação Naval dos Estados Unidos, em Monterey, na Califórnia.
Em seguida, Cernan ingressou na Marinha americana, na qual começou sua carreira como estagiário básico de voo. Em alguns anos, realizou centenas de pousos em porta-aviões e voou milhares de horas pilotando aviões a jato.
Graças a essa experiência, ele foi um dos 14 astronautas selecionadas pela Nasa, em outubro de 1963, para o Programa Apollo.
Em 5 de junho de 1966, Cernan realizou seu primeiro voo espacial com a espaçonave Gemini 9, no qual tornou-se a terceira pessoa a caminhar no espaço, depois do russo Alexei Leonov, que realizou o feito em 18 de março de 1965, e do norte-americano, Ed White, da Gemini 4, no dia 3 junho daquele mesmo ano.
Três anos depois, em 1969, Cernan fez sua primeira viagem à Lua a bordo da Apollo 10.
Junto com James Arthur Lovell Jr. (Apollo 8 e 13) e John Watts Young (Apollo 10 e 16), ele é um dos três únicos humanos que viajaram duas vezes à Lua.
A missão incluía uma descida a até oito milhas náuticas (cerca de 15 km) da superfície do satélite para simular um pouso, que viria a ser feito pelas naves posteriores. Esse voo não foi sem percalços, no entanto.
Tudo ia bem até que ele e Tom Stafford — o mesmo que havia sido seu companheiro de voo na Gemini 9 —, a bordo do módulo Snoopy, se preparavam para voltar e acoplá-lo a Charlie Brown, o módulo de retorno à Terra.
No entanto, o sistema de orientação do Snoopy estava apontando inadvertidamente para o lado errado e, desorientado, começou a girar acima da superfície. Graças a sua perícia — e um pouco de sorte — os dois conseguiram controlar o módulo e voltar à nave-mãe e, com ela, ao planeta.
Em 1º de julho de 1976, Cernan se aposentou da Marinha após 20 anos de carreira e encerrou sua passagem pela Nasa. Ele passou para a iniciativa privada e atuou como comentarista de televisão nos primeiros voos do ônibus espacial.
Até o fim da vida, em 16 de janeiro de 2017, aos 82 anos, Cernan nunca se conformou em ser o último homem a pisar na Lua.
Em 2007, em uma entrevista para a Nasa, ele relembrou um discurso que fez em 1973 sobre o legado da Apollo 17.
“Eu disse: ‘Estou cansado de ser chamado de fim. A Apollo 17 não é o fim. É apenas o começo de uma nova era na história da humanidade.'”
Programa Artemis
Cernan morreu sem saber, mas a Apollo 17 não foi o fim mesmo — pelo menos se os planos da Nasa se concretizarem.
A agência vem desenvolvendo o programa Artemis, que leva o nome da irmã gêmea do deus Apolo, da mitologia grega, que pretende levar o ser humano de volta à Lua.
Ele está dividido em três etapas, das quais a primeira já foi realizada, com o lançamento da nave Orion, em 16 de novembro, para um voo não tripulado até a órbita lunar.
A segunda etapa do programa está prevista para 2024, que realizará um sobrevoo na Lua e tem como objetivo a observação do funcionamento de sistemas e equipamentos, que serão usados na etapa seguinte, com novo pouso humano no solo lunar, mas que não deverá ocorrer antes de 2025.
“O programa Artemis é muito interessante, porque hoje temos tecnologias muito mais avançadas”, diz a astrônoma, geóloga planetária e vulcanóloga brasileira Rosaly Lopes, cientista chefe de Ciências Planetárias do Jet Propulsion Laboratory (JPL), da Nasa.
Por isso, de acordo com ela, agora poderá ser feito cientificamente muito mais do que foi feito nos anos 1960 e 1970.
“Mas o mais importante é a humanidade voltar a pisar na Lua”, diz.
“Além disso, será a primeira vez que uma mulher irá ao nosso satélite. Também irá a primeira pessoa não branca — ainda não sabemos se asiática ou negra. Será a primeira que não é um homem branco. Ou seja, teremos mais diversidade na nossa volta à Lua.”
Fonte: BBC