{"id":138596,"date":"2017-09-06T00:01:02","date_gmt":"2017-09-06T03:01:02","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=138596"},"modified":"2017-09-05T22:22:01","modified_gmt":"2017-09-06T01:22:01","slug":"contra-mudancas-climaticas-embrapa-faz-intercambio-com-comunidades-tradicionais","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2017\/09\/06\/138596-contra-mudancas-climaticas-embrapa-faz-intercambio-com-comunidades-tradicionais.html","title":{"rendered":"Contra mudan\u00e7as clim\u00e1ticas, Embrapa faz interc\u00e2mbio com comunidades tradicionais"},"content":{"rendered":"

Quando o pesquisador Aldicir Scariot foi escalado para coordenar um projeto com comunidades extrativistas do norte de Minas Gerais, ele resolveu mapear todas as \u00e1reas que pertenciam \u00e0s fam\u00edlias para estudar como aprimorar a produ\u00e7\u00e3o local sem que fosse preciso desmatar \u00e1reas vizinhas.<\/p>\n

Doutor em biologia pela Universidade da Calif\u00f3rnia e membro da unidade da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecu\u00e1ria) que lida com recursos gen\u00e9ticos e biotecnologia, Scariot estava a par do debate cient\u00edfico mais avan\u00e7ado sobre o tema. Mas ele teve de mudar os planos ao perceber que as comunidades encaravam seus territ\u00f3rios de outra maneira.<\/p>\n

“A gente pensava muito na propriedade e nas divis\u00f5es espaciais: aqui \u00e1rea produtiva, ali unidade de conserva\u00e7\u00e3o. Mas as comunidades n\u00e3o olham s\u00f3 para a sua propriedade, e sim para a paisagem como um todo. Para elas todas as \u00e1reas s\u00e3o utiliz\u00e1veis e pass\u00edveis de conserva\u00e7\u00e3o e manejo”, ele conta \u00e0 BBC Brasil.<\/p>\n

Os trabalhos se moldaram \u00e0 realidade, e a Embrapa passou a trabalhar n\u00e3o s\u00f3 nas \u00e1reas em posse das comunidades. Desde o in\u00edcio ficou claro para Scariot que seria preciso conciliar a perspectiva acad\u00eamica com a tradicional.<\/p>\n

“O desafio foi se despir da prepot\u00eancia de achar que o \u00fanico conhecimento v\u00e1lido era o acad\u00eamico. Comunidades ind\u00edgenas e tradicionais det\u00eam um conhecimento que \u00e0s vezes \u00e9 milenar: ele vai passando de gera\u00e7\u00e3o a gera\u00e7\u00e3o e foi constru\u00eddo no dia a dia empiricamente, na observa\u00e7\u00e3o e conviv\u00eancia com a natureza.”<\/p>\n

Essa postura, diz o pesquisador, norteia os trabalhos da Embrapa num de seus projetos mais amplos: o Bem Diverso, coordenado por Scariot, apoiado pelo Programa das Na\u00e7\u00f5es Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente.<\/p>\n

Iniciado h\u00e1 um ano e meio, o programa engloba seis territ\u00f3rios brasileiros com baixo IDH (\u00cdndice de Desenvolvimento Humano): o Alto Rio Pardo (MG), o sert\u00e3o do S\u00e3o Francisco (PE e BA), Sobral (CE), o M\u00e9dio Mearim (MA), o Maraj\u00f3 (PA) e o Alto Acre (AC).<\/p>\n

Segundo o pesquisador, mais de cem pessoas atuam no projeto, entre funcion\u00e1rios da Embrapa e parceiros locais. Em cada \u00e1rea a equipe escolheu esp\u00e9cies vegetais relevantes para as comunidades e tenta melhorar a qualidade dos produtos desde a coleta at\u00e9 o processamento. O objetivo \u00e9 aumentar a renda das fam\u00edlias e preservar os ecossistemas locais.<\/p>\n

‘A touceira \u00e9 como uma m\u00e3e’<\/strong> – Coordenador do projeto no Maraj\u00f3, o pesquisador da Embrapa Silas Mochiutti trabalha com produtores de a\u00e7a\u00ed, principal fonte de renda de ribeirinhos da regi\u00e3o. Mochiutti pesquisa a atividade h\u00e1 d\u00e9cadas, comparando diferentes m\u00e9todos de manejo. “\u00c9 dif\u00edcil separar o que levamos a eles do que aprendemos com eles. Muitas informa\u00e7\u00f5es v\u00eam da viv\u00eancia dos produtores, de coisas que vimos que davam certo”, afirma.<\/p>\n

Uma das t\u00e9cnicas incorporadas pela empresa envolve a reprodu\u00e7\u00e3o dos a\u00e7aizeiros. Mochiutti diz ter ouvido de muitos ribeirinhos que, ao cortar um a\u00e7aizeiro para que ele rebrote, deve-se extirp\u00e1-lo rente ao solo, caso contr\u00e1rio a \u00e1rvore n\u00e3o renasce.<\/p>\n

Presidente de uma cooperativa de produtores de a\u00e7a\u00ed em Afu\u00e1 (PA), Francisco Nazar\u00e9 de Almeida explica \u00e0 BBC Brasil o porqu\u00ea da pr\u00e1tica. “A touceira [conjunto de palmeiras originadas de um caule principal] \u00e9 como uma m\u00e3e: enquanto ela tem um filho mamando, n\u00e3o consegue gerar outro. Ent\u00e3o tem que cortar bem baixinho para que esse filho v\u00e1 embora, os nutrientes do tronco possam descer e a touceira brote outra vez.”<\/p>\n

Outra t\u00e9cnica absorvida pela Embrapa trata do transporte de mudas de a\u00e7a\u00ed. O ribeirinho diz que s\u00f3 podem ser deslocadas mudas que estejam com as folhas dobradas. “A gente diz que essa muda est\u00e1 com o olho fechado – \u00e9 como se ela estivesse dormindo na hora da mudan\u00e7a. Se a gente transporta uma muda de olho aberto, ela n\u00e3o pega.”<\/p>\n

Silas Mochiutti diz que as duas t\u00e9cnicas jamais foram testadas em laborat\u00f3rio, mas passaram a ser difundidas por causa do sucesso verificado pelos produtores. “\u00c0s vezes s\u00e3o fen\u00f4menos quase inexplic\u00e1veis, mas que na pr\u00e1tica d\u00e3o resultado.”<\/p>\n

O pesquisador diz que um ponto central do modelo proposto aos ribeirinhos \u00e9 a combina\u00e7\u00e3o entre a\u00e7aizeiros e outras esp\u00e9cies de \u00e1rvores. Ele afirma que, conforme o pre\u00e7o do a\u00e7a\u00ed subiu nos \u00faltimos anos, muitos ribeirinhos come\u00e7aram a derrubar a mata nativa para ampliar as \u00e1reas de produ\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Mas Mochiutti diz que a estrat\u00e9gia n\u00e3o funciona. Segundo ele, \u00e9 importante manter outras esp\u00e9cies porque essas \u00e1rvores servem de abrigo a abelhas que polinizam os a\u00e7aizeiros, ajudam a fixar nutrientes no solo e protegem as palmeiras de doen\u00e7as. Ele diz que em \u00e1reas que mesclam \u00e1rvores nativas e a\u00e7aizeiros, a produ\u00e7\u00e3o de a\u00e7a\u00ed chega a cem sacas por hectare, enquanto oscila entre 20 e 30 sacas em \u00e1reas pouco diversas.<\/p>\n

Mudan\u00e7as clim\u00e1ticas<\/strong> – Presidente da Embrapa, Maur\u00edcio Ant\u00f4nio Lopes diz \u00e0 BBC Brasil que press\u00f5es para que a agropecu\u00e1ria brasileira reduza a emiss\u00e3o de gases causadores do efeito estufa t\u00eam estimulado a pesquisa de t\u00e9cnicas que conciliam preserva\u00e7\u00e3o e produ\u00e7\u00e3o. “O Brasil \u00e9 hoje o pa\u00eds com a pol\u00edtica p\u00fablica mais bem estruturada de agricultura de baixo carbono, que depende inteiramente de tecnologias desenvolvidas por n\u00f3s”, ele afirma.<\/p>\n

Entre as t\u00e9cnicas j\u00e1 dispon\u00edveis, Lopes destaca o modelo lavoura-pecu\u00e1ria-floresta (que combina cria\u00e7\u00e3o de gado, cultivo agr\u00edcola e florestas plantadas), a fixa\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica de nitrog\u00eanio (que reduz a necessidade de fertilizantes no plantio da soja) e o plantio direto na palha (que diminui a eros\u00e3o e amplia a absor\u00e7\u00e3o de \u00e1gua pelo solo).<\/p>\n

O presidente da Embrapa diz que pesquisas com comunidades tradicionais e produtos nativos s\u00e3o outro elemento importante da estrat\u00e9gia da empresa frente \u00e0s mudan\u00e7as clim\u00e1ticas. Al\u00e9m das atividades do programa Bem Diverso, h\u00e1 pesquisas em curso sobre o controle de pragas em cupua\u00e7uzeiros, o desenvolvimento de variedades de a\u00e7a\u00ed, t\u00e9cnicas de manejo do umbu, o uso da permacultura e pr\u00e1ticas agroflorestais, entre outras.<\/p>\n

Um dos projetos mais bem sucedidos da Embrapa nesse campo, segundo Lopes, foi o resgate de um maracuj\u00e1 nativo do Cerrado, mais doce e menos azedo que os tipos mais comuns.<\/p>\n

“Era uma planta daninha que, uns 20 anos atr\u00e1s, crescia a\u00ed pelos matos”, ele diz. Pesquisadores estudaram a planta e fizeram v\u00e1rios cruzamentos at\u00e9 chegar \u00e0 vers\u00e3o final, batizada de P\u00e9rola do Cerrado. “Hoje \u00e9 uma alternativa econ\u00f4mica fant\u00e1stica para produtores da regi\u00e3o”, afirma. Segundo Lopes, a fruta causou frisson entre chefs estrangeiros que visitaram recentemente a Embrapa.<\/p>\n

‘Sabedoria de faculdade’<\/strong> – No Alto Rio Pardo, a Embrapa distribuiu sementes do novo maracuj\u00e1 a comunidades geraizeiras, popula\u00e7\u00f5es tradicionais que vivem no Cerrado do norte mineiro. Membro da comunidade de \u00c1gua Boa, a geraizeira Maria Neuracy de F\u00e1 diz que o P\u00e9rola do Cerrado se adaptou bem \u00e0s ro\u00e7as locais e virou fonte de renda para o grupo.<\/p>\n

Ela elogia a conviv\u00eancia com os pesquisadores. “A gente trabalha e colhe os frutos no Cerrado, e eles v\u00eam com a sabedoria deles de faculdade. \u00c9 uma troca de experi\u00eancia.”<\/p>\n

A geraizeira diz que um dos pontos mais \u00fateis do programa \u00e9 o apoio ao interc\u00e2mbio com outras comunidades tradicionais. Na quinta-feira, ela viajou para Diamantina (MG) para aprender com moradores locais como fazer cosm\u00e9ticos a partir de frutos e plantas medicinais.<\/p>\n

Mas nem todas as comunidades geraizeiras sentiram os efeitos do trabalho. Representante do grupo na comiss\u00e3o de povos tradicionais do governo de Minas, Orlando dos Santos disse desconhecer os trabalhos da Embrapa na regi\u00e3o do Alto Rio Pardo, que engloba 22 munic\u00edpios.<\/p>\n

Para ele, a atua\u00e7\u00e3o da empresa \u00e9 bem-vinda, j\u00e1 que autoridades locais d\u00e3o pouca aten\u00e7\u00e3o aos geraizeiros. “Os pol\u00edticos daqui n\u00e3o aprovam a ideia de comunidades tradicionais, porque n\u00f3s mexemos com os interesses dos latifundi\u00e1rios.” Santos diz que a principal bandeira dos geraizeiros \u00e9 conter a monocultura do eucalipto, que avan\u00e7a sobre o Cerrado e destr\u00f3i nascentes.<\/p>\n

Aldicir Scariot, da Embrapa, tamb\u00e9m diz se preocupar com a atividade. Segundo ele, um dos objetivos do programa \u00e9 “empoderar as comunidades locais e contribuir para a reorganiza\u00e7\u00e3o do territ\u00f3rio, conservando as nascentes e tornando-as mais resilientes \u00e0s mudan\u00e7as clim\u00e1ticas”.<\/p>\n

Para Isabel Figueiredo, coordenadora do Instituto Sociedade, Popula\u00e7\u00e3o e Natureza, ONG que atua com v\u00e1rias comunidades tradicionais brasileiras, os trabalhos da Embrapa nesse campo “ainda s\u00e3o muito t\u00edmidos” se comparados ao que a empresa investe em commodities ou outros setores.<\/p>\n

Segundo Figueiredo, os pesquisadores da Embrapa que lidam com comunidades tradicionais, conserva\u00e7\u00e3o e desenvolvimento sustent\u00e1vel s\u00e3o minorit\u00e1rios.<\/p>\n

Mas ela diz que a Embrapa “pode fazer a diferen\u00e7a se entrar para valer nessa agenda”.”O pouco que j\u00e1 existe vem gerando resultados relevantes, mas ainda \u00e9 uma turma que atua ali dentro numa esp\u00e9cie de resist\u00eancia”, afirma. (Fonte: G1)<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Estatal investe em programas que conciliam produ\u00e7\u00e3o e conserva\u00e7\u00e3o; para ONG, iniciativa ainda \u00e9 t\u00edmida. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[11,46],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/138596"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=138596"}],"version-history":[{"count":0,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/138596\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=138596"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=138596"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=138596"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}