{"id":139826,"date":"2017-11-01T00:00:49","date_gmt":"2017-11-01T02:00:49","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=139826"},"modified":"2017-10-31T23:40:46","modified_gmt":"2017-11-01T01:40:46","slug":"temos-que-escolher-quem-vai-se-tratar-familias-atingidas-pela-lama-de-mariana-sofrem-com-problemas-de-saude","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2017\/11\/01\/139826-temos-que-escolher-quem-vai-se-tratar-familias-atingidas-pela-lama-de-mariana-sofrem-com-problemas-de-saude.html","title":{"rendered":"‘Temos que escolher quem vai se tratar’: fam\u00edlias atingidas pela lama de Mariana sofrem com problemas de sa\u00fade"},"content":{"rendered":"
A pequena Sofia Marques tinha 9 meses quando uma avalanche de lama com rejeito de min\u00e9rio de ferro invadiu sua cidade, a mineira Barra Longa, na madrugada de 6 de novembro de 2015. Dois anos depois, ela vive \u00e0 base de antial\u00e9rgicos, corticoides e broncodilatadores e sente uma dor forte na perna que os m\u00e9dicos n\u00e3o conseguem explicar.<\/p>\n<\/div>\n
Ao contr\u00e1rio do que aconteceu com os distritos rurais de Bento Rodrigues e Paracatu, cujos moradores foram transferidos para Mariana depois que seus vilarejos foram soterrados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Barra Longa os atingidos, em sua maioria, n\u00e3o foram desalojados. Eles permaneceram na cidade durante sua reconstru\u00e7\u00e3o.<\/p>\n<\/div>\n
Parte da lama foi removida no decorrer de um ano ap\u00f3s o desastre, parte foi aterrada no campo de futebol e no parque de exposi\u00e7\u00f5es, parte virou bloquete de cal\u00e7amento e parte secou, virou p\u00f3 e se espalhou pela cidade com o fluxo de caminh\u00f5es e ve\u00edculos pesados.<\/p>\n<\/div>\n
Desde o desastre, os corredores da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e da Policl\u00ednica est\u00e3o repletos de casos de alergias de pele e de doen\u00e7as respirat\u00f3rias. Como n\u00e3o h\u00e1 m\u00e9dicos especialistas nessas \u00e1reas na cidade de 6,2 mil habitantes, muitos casos s\u00e3o encaminhados para Ponte Nova, a 60 quil\u00f4metros.<\/p>\n<\/div>\n
O aumento de transtornos psicol\u00f3gicos tamb\u00e9m \u00e9 relatado pela popula\u00e7\u00e3o, especialmente entre os mais velhos.<\/p>\n<\/div>\n
Os problemas de sa\u00fade que chegaram depois da lama s\u00e3o “evidentes”, diz Roberto Waack, presidente da Funda\u00e7\u00e3o Renova, que hoje responde pelas a\u00e7\u00f5es de repara\u00e7\u00e3o da mineradora e de suas controladoras, Vale e BHP Billiton.<\/p>\n<\/div>\n
Para lidar com a situa\u00e7\u00e3o aguda inicial – os problemas respirat\u00f3rios, as alergias e as doen\u00e7as de fundo nervoso -, ele diz, a funda\u00e7\u00e3o contratou 22 profissionais de sa\u00fade para proverem atendimento ambulatorial em Barra Longa e outros 80 em Mariana.<\/p>\n<\/div>\n
Tamb\u00e9m ser\u00e3o realizados estudos para entender os “efeitos de longo prazo” sobre a sa\u00fade das popula\u00e7\u00f5es atingidas, acrescenta Waack, para tentar estabelecer rela\u00e7\u00f5es de causa e efeito para as doen\u00e7as e verificar poss\u00edveis contamina\u00e7\u00f5es por metais pesados.<\/p>\n
Sem especialistas na cidade e diante da dificuldade de marcar uma consulta em Ponte Nova pelo Sistema \u00danico de Sa\u00fade, a m\u00e3e de Sofia, Simone Silva, passou a lev\u00e1-la a um m\u00e9dico particular na cidade vizinha, que lhe cobrava R$ 250 pela consulta.<\/p>\n<\/div>\n
Foi o imunologista que, em setembro do ano passado, assinou o laudo que afirmava que a menina tinha alergias na pele e dificuldade para respirar por causa da exposi\u00e7\u00e3o \u00e0 poeira de rejeito de min\u00e9rio.<\/p>\n<\/div>\n
A Renova havia solicitado o documento para que liberasse o pagamento de parte do tratamento de Sofia, o que vem acontecendo desde junho deste ano.<\/p>\n<\/div>\n
Ainda assim, a fam\u00edlia tem dificuldade de arcar com as despesas da casa, que aumentaram nos \u00faltimos dois anos. Por causa das complica\u00e7\u00f5es da pequena, os gastos no supermercado cresceram e a conta de \u00e1gua mais que dobrou. A pele de Sofia descama, arde e, por isso, ela toma v\u00e1rios banhos por dia.<\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n
Simone, que at\u00e9 o ano passado era auxiliar de servi\u00e7os gerais, o marido, que trabalha em uma f\u00e1brica de ra\u00e7\u00f5es, e o filho de 15 anos tamb\u00e9m v\u00eam apresentando problemas de sa\u00fade, mas s\u00f3 a menina frequenta a rede particular. “A gente precisa escolher quem vai se tratar, e a prioridade \u00e9 a Sofia.”<\/p>\n
Desde que mexeu na lama nos dias seguintes ao desastre, o marido tem uma ferida na m\u00e3o. Mesmo com o uso de medicamentos receitados pelos m\u00e9dicos da UPA, ela n\u00e3o cicatriza.<\/p>\n<\/div>\n
Simone faz acompanhamento psicol\u00f3gico na rede p\u00fablica. Em uma noite do ano passado, conta, enquanto estudava para as provas da faculdade de artes visuais – o caminho que encontrou para buscar um sal\u00e1rio melhor -, ela teve um surto.<\/p>\n<\/div>\n
“O barulho de constru\u00e7\u00e3o n\u00e3o parava. Eles estavam trabalhando em tr\u00eas turnos. A cidade inteira parecia um canteiro de obras. Eu tava cansada, tinha a Sofia… simplesmente levantei e atirei o computador no ch\u00e3o”, conta.<\/p>\n<\/div>\n
Ela come\u00e7ou a trabalhar neste ano como professora de artes em uma escola municipal em Acaiaca, cidade vizinha.<\/p>\n<\/div>\n
Risperidona nortriptilina, clonazepam. O pai de Odete Cassiano toma diariamente um coquetel de medicamentos para evitar os surtos epis\u00f3dicos em que sa\u00eda na rua gritando que queria ir embora de Barra Longa.<\/p>\n<\/div>\n
Sua casa, na beira do rio Carmo, afluente do Doce, est\u00e1 entre aquelas que foram diretamente afetadas pela lama que invadiu a cidade em 2015. Ela entrou pelo quintal e subiu um metro e 73 cent\u00edmetros do por\u00e3o.<\/p>\n<\/div>\n
Carregada de entulho e de tudo o que conseguiu arrastar desde a barragem Fund\u00e3o, a dezenas de quil\u00f4metros, a lama tinha, ela lembra, um cheiro forte e desagrad\u00e1vel. “Nos primeiros dias a gente teve irrita\u00e7\u00e3o na pele, calombo, queda de cabelo, dificuldade para respirar”, conta a aposentada.<\/p>\n<\/div>\n
A lama passou um ano e um m\u00eas nos fundos da casa, antes de ser removida. Hoje limpo, o quintal de Cassiano – que viveu 34 anos na ro\u00e7a e se aposentou como produtora rural – era carregado de \u00e1rvores frut\u00edferas: uma mangueira, um abacateiro, p\u00e9s de mexerica, de lichia. “O quintal era a divers\u00e3o minha e do meu pai.”<\/p>\n<\/div>\n
Ela tamb\u00e9m cuida da m\u00e3e, que, al\u00e9m de fibrose pulmonar, passou a ter momentos de agressividade, chegando a mord\u00ea-la, e hoje toma fluoxetina, um antidepressivo. Uma de suas netas, que mora em Belo Horizonte e que a visitava quase todos os fins de semana, teve pneumonia quatro vezes no \u00faltimo ano. Ela n\u00e3o vai mais a Barra Longa.<\/p>\n<\/div>\n
“Se eu tivesse condi\u00e7\u00f5es de sair daqui, sairia”, diz.<\/p>\n
Al\u00e9m dos problemas de sa\u00fade, a aposentada se queixa da qualidade dos reparos feitos pela empresa em sua casa, que ganhou rachaduras na sala por causa do impacto da lama sobre a estrutura.<\/p>\n<\/div>\n
Ela conta que, depois de feito o conserto, que deixou uma grande mancha branca no meio de sua parede lil\u00e1s, a equipe comunicou que faria o acabamento apenas na \u00e1rea recuperada. “Eu botei todo mundo pra fora na mesma hora. Onde j\u00e1 se viu? Eles v\u00e3o ter que pintar a parede inteira”.<\/p>\n<\/div>\n
“Tudo \u00e9 fonte de sofrimento, \u00e9 a quest\u00e3o da sa\u00fade, \u00e9 o combinado n\u00e3o realizado, a cor do piso que n\u00e3o tinha sido combinada”, pondera a psic\u00f3loga Diana Jaqueira Fernandes.<\/p>\n<\/div>\n
Ela se mudou em agosto do ano passado de S\u00e3o Paulo para Barra Longa, onde permaneceu at\u00e9 dezembro, para fazer a pesquisa de campo de sua tese de doutorado. O estudo falar\u00e1 sobre o trauma psicossocial decorrente do desastre.<\/p>\n<\/div>\n
A pesquisadora destaca que a desigualdade social tem um papel importante em trag\u00e9dias como a que aconteceu no entorno de Mariana.<\/p>\n<\/div>\n
Os mais pobres, ela afirma, s\u00e3o os que t\u00eam menos recursos para gastar com a sa\u00fade f\u00edsica e mental e para lidar com quest\u00f5es de ordem pr\u00e1tica que, muitas vezes, precisariam da orienta\u00e7\u00e3o de um advogado. “Essas fam\u00edlias sofrem muitas viol\u00eancias”.<\/p>\n<\/div>\n
O prefeito El\u00edsio Pereira Barreto (PMDB) estima que 70 im\u00f3veis restaurados pela Renova precisam de novos reparos. Em seu primeiro cargo p\u00fablico, que assumiu em janeiro deste ano, ele afirma que o tr\u00e2nsito intenso de ve\u00edculos pesados no \u00faltimo ano danificou trechos do pavimento, que precisaria ser recapeado, e diz que o ritmo de reconstru\u00e7\u00e3o da cidade desacelerou nos \u00faltimos meses.<\/p>\n
Barra Longa chegou a ter entre 800 e mil trabalhadores mobilizados para a opera\u00e7\u00e3o – n\u00famero que, segundo ele, caiu para pr\u00f3ximo de 100.<\/p>\n<\/div>\n
Um dos locais que segue em obras \u00e9 o campo de futebol e o parque de exposi\u00e7\u00f5es, ambos na sa\u00edda da cidade. O parque de exposi\u00e7\u00f5es chegou a ser usado como dep\u00f3sito tempor\u00e1rio da lama que vinha sendo retirada da cidade.<\/p>\n<\/div>\n
Em agosto do ano passado, a Samarco foi multada em R$ 1 milh\u00e3o pelo Ibama por omitir essa informa\u00e7\u00e3o em documento oficial. Ap\u00f3s a aprova\u00e7\u00e3o do plano de remo\u00e7\u00e3o de rejeitos apresentado por ela, foi decidido que o material seria aterrado e coberto por uma camada de areia.<\/p>\n<\/div>\n
A lama tamb\u00e9m foi usada para recobrir parte das ruas e da pra\u00e7a principal. Em duas f\u00e1bricas nas proximidades de Barra Longa, diz Waack, ela foi transformada nos bloquetes que foram usados nas obras. “\u00c9 positivo encontrar alternativas, deixar o rejeito onde ele est\u00e1 quando \u00e9 poss\u00edvel. Ele \u00e9 inerte.”<\/p>\n
Fonte: G1<\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n<\/div>\n<\/div>\n<\/div>\n