{"id":140468,"date":"2017-11-29T00:00:52","date_gmt":"2017-11-29T02:00:52","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=140468"},"modified":"2017-11-30T16:26:50","modified_gmt":"2017-11-30T18:26:50","slug":"por-dentro-do-mundo-secreto-das-oncas-pintadas","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2017\/11\/29\/140468-por-dentro-do-mundo-secreto-das-oncas-pintadas.html","title":{"rendered":"Por dentro do mundo secreto das on\u00e7as-pintadas"},"content":{"rendered":"
<\/a><\/a><\/p>\n<\/div>\n Os disc\u00edpulos de Juan Flores<\/strong> trouxeram o meu t\u00edquete para o mundo espiritual da on\u00e7a-pintada em um pequeno c\u00e1lice de pl\u00e1stico. Ele continha la medicina, o ayahuasca, um xarope pardacento resultante do cozimento de folhas de chacruna e cip\u00f3-mariri, que depois fora decantado em garrafas usadas de \u00e1gua. No in\u00edcio da cerim\u00f4nia, o maestro consagrou a bebida, soprando sobre ela a fuma\u00e7a de uma esp\u00e9cie silvestre de tabaco da Amaz\u00f4nia, o mapacho. Em seguida, passou a encher o c\u00e1lice, servindo pequenas doses a cada um dos participantes. Sentados sobre esteiras e enrolados em cobertores, ao lado de baldes para o caso de algu\u00e9m sentir vontade de vomitar, ficamos \u00e0 espera sob a cobertura de palha da maloca no meio do mato.<\/p><\/blockquote>\n \u00c9ramos 28 pessoas \u2013 vindas dos Estados Unidos, Canad\u00e1, Espanha, Fran\u00e7a, Argentina e Peru. Todos n\u00f3s est\u00e1vamos em busca de algo, ali naquela remota localidade na Amaz\u00f4nia peruana, \u00e0 beira de um estranho rio de \u00e1guas t\u00e3o escaldantes que chegam a ser letais, o Fervente. Alguns tinham a esperan\u00e7a de encontrar a cura para mol\u00e9stias graves; outros buscavam um rumo na vida; e havia tamb\u00e9m os que apenas queriam vislumbrar um outro mundo \u2013 o aspecto mais esot\u00e9rico daquilo que o zo\u00f3logo americano Alan Rabinowitz identifica de forma ampla como o \u201ccorredor cultural da on\u00e7a-pintada\u201d. Esse dom\u00ednio abrange os h\u00e1bitats e as rotas migrat\u00f3rias que a organiza\u00e7\u00e3o Panthera, dirigida por Rabinowitz, se empenha em proteger, com o objetivo de assegurar tanto a sobreviv\u00eancia de uma popula\u00e7\u00e3o estimada em 100 mil on\u00e7as-pintadas como a vitalidade do patrim\u00f4nio gen\u00e9tico desses animais.<\/p>\n<\/div>\n Pequenos morcegos voam entre os sarrafos no teto da maloca. Duas solit\u00e1rias l\u00e2mpadas afastam a escurid\u00e3o da mata. A po\u00e7\u00e3o foi distribu\u00edda em sil\u00eancio em meio ao incessante rumorejar do rio, em que as colunas de vapor se elevam e se torcem em redemoinhos no fresco ar noturno. Quando os disc\u00edpulos do \u201cmaestro\u201d se aproximam, me ajoelho, sem pensar, talvez por um velho h\u00e1bito cat\u00f3lico ou simplesmente porque os outros estavam fazendo isso. Um dos aprendizes me oferece o c\u00e1lice, enquanto outro espera ao lado com um copo d\u2019\u00e1gua. Como se estivesse na beirada de um penhasco, hesito um instante, me lembrando do que me havia dito o conhecido\u00a0curandero<\/em> Don Jos\u00e9 Campos, na cidadezinha portu\u00e1ria de Pucallpa, perto dali, alguns dias antes.<\/p>\n \u201cVoc\u00ea n\u00e3o toma o ayahuasca\u201d, resumiu ele. \u201cEle \u00e9 que toma voc\u00ea.\u201d Virei o c\u00e1lice e engoli tudo.<\/p>\n Decidi procurar o maestro Juan Flores,<\/strong> em Mayantuyacu, o centro terap\u00eautico xam\u00e2nico por ele fundado, nos anos 1990, na expectativa de aprender mais sobre a on\u00e7a-pintada, ou jaguar, em especial aqueles aspectos do animal que n\u00e3o conseguimos captar com c\u00e2meras autom\u00e1ticas. A\u00a0Pantera onca<\/em> ocupa o topo da cadeia alimentar dos carn\u00edvoros nas Am\u00e9ricas. Ao mesmo tempo majestosas e ferozes, as on\u00e7as s\u00e3o furtivas como nenhum outro animal, movendo-se \u00e0 vontade nos rios, no ch\u00e3o da selva e na copa das \u00e1rvores, os olhos luzindo nas trevas com as c\u00e9lulas do tapetum lucidum <\/em>das suas retinas adaptadas \u00e0 vis\u00e3o noturna. Entre os fel\u00eddeos de grande porte, os jaguares s\u00e3o aqueles que t\u00eam, em propor\u00e7\u00e3o ao tamanho, a mordida mais poderosa. E, uma exce\u00e7\u00e3o entre os grandes felinos, elas mordem o cr\u00e2nio, e n\u00e3o a garganta, das presas, \u00e0s vezes perfurando o c\u00e9rebro e causando a morte instant\u00e2nea das v\u00edtimas. O seu rugido gutural e rascante sugere as notas graves da pr\u00f3pria for\u00e7a vital.<\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n No entanto, ao longo de milhares de anos, as on\u00e7as-pintadas levaram uma vida dupla \u2013 com uma destacada presen\u00e7a figurativa na arte e na arqueologia das culturas pr\u00e9-colombianas, que se distribu\u00edam por quase todo o \u00e2mbito hist\u00f3rico da esp\u00e9cie, desde a Argentina at\u00e9 o sudoeste dos Estados Unidos. As on\u00e7as eram veneradas como divindades por olmecas, maias, astecas e incas, que entalharam ef\u00edgies delas em templos, tronos, al\u00e7as de vasilhas e colheres feitas de ossos. Imagens de jaguares foram tecidas em xales e mortalhas do povo Chav\u00edn, uma civiliza\u00e7\u00e3o que surgiu no Peru por volta de 900 a.C. Algumas tribos amaz\u00f4nicas bebiam o sangue dos felinos, devoravam o seu cora\u00e7\u00e3o e vestiam a sua pele. Muitas acreditavam que uma pessoa podia virar on\u00e7a, e que o animal podia se tornar ser humano. Para a tribo Desana, do noroeste da Col\u00f4mbia, a on\u00e7a era a manifesta\u00e7\u00e3o do Sol; para o povo Tucano, do Brasil, o rugido do animal anunciava a chuva. A palavra maia\u00a0balam<\/em> designa tanto as on\u00e7as como os sacerdotes ou feiticeiros. Entre o povo Mojo, da Bol\u00edvia, os melhores candidatos para se tornar curandeiros eram aqueles que haviam sobrevivido a um ataque de on\u00e7a-pintada.<\/p>\n Mesmo nos dias de hoje, quando essa esp\u00e9cie perdeu mais da metade do seu \u00e2mbito original, os sinais atuais desse contato ancestral com os seres humanos est\u00e3o por toda parte. A cada m\u00eas de agosto, por exemplo, em uma festa conhecida como Tigrada, moradores da cidade de Chilapa de Alvarez, no sudoeste do M\u00e9xico, suplicam ao deus-on\u00e7a Tepeyollotl que lhes traga chuvas e colheitas abundantes, desfilando pelas ruas com m\u00e1scaras de on\u00e7a e fantasias sarapintadas. E s\u00e3o comuns as imagens de uma on\u00e7a que mostra os dentes, tanto nas latas da cerveja mais popular do Peru como em toalhas de praia, camisetas, mochilas, charretes, peixarias e bares gays.<\/p>\n Sem d\u00favida, o aspecto mais misterioso da vida dupla das on\u00e7as-pintadas est\u00e1 nos dom\u00ednios dos curandeiros e dos estados alterados de consci\u00eancia que os povos do Alto Amazonas v\u00eam explorando h\u00e1 mil\u00eanios por meio de plantas psicotr\u00f3picas. Nesse espa\u00e7o oculto no qual os xam\u00e3s nativos afirmam que podem identificar a origem de todas as doen\u00e7as e achar curas com a ajuda de esp\u00edritos, a on\u00e7a-pintada reina sob a forma de aliada e guardi\u00e3, uma presen\u00e7a vital capaz de afastar mol\u00e9stias e desviar for\u00e7as obscuras. A on\u00e7a tem lugar de destaque em meio \u00e0 cornuc\u00f3pia de esp\u00edritos amaz\u00f4nicos que vivem em lagos e rios, em animais e tamb\u00e9m nas estimadas 80 mil esp\u00e9cies vegetais que comp\u00f5em um dos mais prodigiosos ecossistemas do planeta.<\/p>\n Mayantuyacu fica 50 quil\u00f4metros<\/strong> a sudoeste de Pucallpa. \u201cH\u00e1 apenas quatro anos, n\u00e3o tinha estrada por aqui\u201d, diz Andr\u00e9s Ruzo, enquanto a caminhonete em que viajamos segue por uma trilha de terra numa \u00e1rea desmatada por fazendeiros. Aos p\u00e9s de uma colina est\u00e1 um complexo de edifica\u00e7\u00f5es cobertas de palha entre as \u00e1rvores. Ruzo acabou conhecendo Mayantuyacu e o maestro Juan nos sete anos que dedicou ao estudo do Rio Fervente, como parte do seu doutorado, conclu\u00eddo com apoio de bolsa da National Geographic Society. Em po\u00e7os profundos, a \u00e1gua \u00e9 aquecida e sobe por fissuras at\u00e9 a superf\u00edcie em que alimenta o rio, que corre por cerca de 6 quil\u00f4metros. Em certos trechos (h\u00e1 locais em que a temperatura chega aos 100\u00baC), a \u00e1gua \u00e9 t\u00e3o quente que mata todos os animais que nela caem.<\/p>\n Fonte: National Geographic Brasil<\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":" S\u00edmbolo m\u00edstico para alguns povos, predadora extraordin\u00e1ria na natureza, a on\u00e7a-pintada enfrenta amea\u00e7as no seu a cada dia mais reduzido h\u00e1bitat nas Am\u00e9ricas <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[32,1279,900],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/140468"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=140468"}],"version-history":[{"count":3,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/140468\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":140480,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/140468\/revisions\/140480"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=140468"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=140468"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=140468"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}