{"id":142051,"date":"2018-02-26T00:00:41","date_gmt":"2018-02-26T03:00:41","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=142051"},"modified":"2018-02-25T22:18:01","modified_gmt":"2018-02-26T01:18:01","slug":"antes-dos-portugueses-sp-teve-floresta-cerrado-araucarias-e-minipantanal","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2018\/02\/26\/142051-antes-dos-portugueses-sp-teve-floresta-cerrado-araucarias-e-minipantanal.html","title":{"rendered":"Antes dos portugueses, SP teve floresta, Cerrado, arauc\u00e1rias e minipantanal"},"content":{"rendered":"
Antes da chegada dos portugueses, quem caminhasse alguns quil\u00f4metros pelo territ\u00f3rio da atual cidade de S\u00e3o Paulo poderia cruzar florestas tropicais com brom\u00e9lias, orqu\u00eddeas e \u00e1rvores de at\u00e9 45 metros de altura, campos cerrados com esp\u00e9cies de troncos grossos e galhos retorcidos, arauc\u00e1rias e arbustos t\u00edpicos da regi\u00e3o Sul e v\u00e1rzeas de rios que lembravam o Pantanal.<\/p>\n<\/div>\n
A extraordin\u00e1ria variedade da flora nativa – em parte moldada pelos ind\u00edgenas que habitavam a \u00e1rea e hoje confinada a poucas ilhas na zona urbana – atra\u00eda para a regi\u00e3o um conjunto igualmente diverso de animais, entre os quais on\u00e7as-pintadas, tucanos-de-bico-verde, micos-le\u00f5es-pretos e veados-catingueiros.<\/p>\n<\/div>\n
A partir de relatos hist\u00f3ricos, de estudos do bot\u00e2nico Ricardo Cardim e de informa\u00e7\u00f5es etimol\u00f3gicas, a BBC Brasil produziu um mapa in\u00e9dito das forma\u00e7\u00f5es vegetais de S\u00e3o Paulo antes da coloniza\u00e7\u00e3o. A ilustra\u00e7\u00e3o, a cargo do artista Leandro Lopes de Souza, busca recriar a paisagem contemplada da colina onde, em 25 de janeiro de 1554, padres jesu\u00edtas celebraram a missa que passou para a hist\u00f3ria como o ato de funda\u00e7\u00e3o da cidade.<\/p>\n<\/div>\n
Segundo Cardim, daquele morro, na conflu\u00eancia dos rios Tamanduate\u00ed e Anhangaba\u00fa, tinha-se “uma das melhores vistas do Brasil”.<\/p>\n<\/div>\n
“S\u00e3o Paulo era um local extraordin\u00e1rio porque justamente havia essa contraposi\u00e7\u00e3o de campos, florestas, rios produtivos e muita ca\u00e7a – n\u00e3o por acaso os \u00edndios escolheram viver aqui”, afirma o pesquisador, que est\u00e1 finalizando um livro sobre a vegeta\u00e7\u00e3o original da cidade.<\/p>\n<\/div>\n
No linguajar bot\u00e2nico, S\u00e3o Paulo era um ec\u00f3tono, ou seja, um ponto de encontro de diferentes biomas. Cardim diz que havia na cidade trechos da Mata Atl\u00e2ntica, vegeta\u00e7\u00e3o caracter\u00edstica do litoral brasileiro, de matas mistas de arauc\u00e1rias, bioma t\u00edpico do Sul, e do Cerrado, forma\u00e7\u00e3o predominante no Centro-Oeste.<\/p>\n<\/div>\n
Ele afirma ainda que nos cerrados paulistanos se achavam plantas do Pampa, bioma do Rio Grande do Sul, e que as v\u00e1rzeas dos rios Tiet\u00ea e Pinheiros – os maiores da cidade – se assemelhavam ao Pantanal mato-grossense.<\/p>\n
A localiza\u00e7\u00e3o de S\u00e3o Paulo – entre a costa e o Planalto Central brasileiro e no limite entre as zonas tropical e subtropical – favoreceu a diversidade de biomas. Tamb\u00e9m contribu\u00edram sua variedade de solos e topografia irregular (a diferen\u00e7a entre o ponto mais alto da zona urbanizada da cidade, a Vila Mariana, e as \u00e1guas do Tiet\u00ea chega a 109 metros, segundo um estudo do ge\u00f3grafo Aziz Ab’S\u00e1ber).<\/p>\n<\/div>\n
Quando os primeiros exploradores portugueses venceram a Serra do Mar, encontraram na futura capital paulista tr\u00eas aldeias ind\u00edgenas, do povo Tupiniquim.<\/p>\n<\/div>\n
Em Negros da terra: \u00edndios e bandeirantes nas origens de S\u00e3o Paulo, o historiador americano John Manuel Monteiro conta que os povoados n\u00e3o eram fixos: conforme o solo empobrecia e a ca\u00e7a rareava, as comunidades buscavam outras \u00e1reas.<\/p>\n<\/div>\n
Segundo o bot\u00e2nico Ricardo Cardim, sucessivos inc\u00eandios – naturais e provocados pelos ind\u00edgenas – ajudam a explicar a presen\u00e7a de cerrados na paisagem original paulistana. O fogo impedia o adensamento da vegeta\u00e7\u00e3o e favorecia a sobreviv\u00eancia de \u00e1rvores resistentes, com troncos grossos, t\u00edpicas do bioma.<\/p>\n<\/div>\n
Cardim diz que os ind\u00edgenas recorriam ao fogo para abrir clareiras para ro\u00e7as, encurralar animais na ca\u00e7a ou renovar a vegeta\u00e7\u00e3o campestre. A rebrota atra\u00eda herb\u00edvoros, entre os quais cervos, que tamb\u00e9m eram ca\u00e7ados pelos grupos.<\/p>\n
Os inc\u00eandios comiam as bordas das florestas e as deixavam com formato circular – da\u00ed, segundo o bot\u00e2nico, o nome do bairro Cap\u00e3o Redondo, na zona sul da cidade. Havia muitos outros cap\u00f5es (do tupi kaa’p\u00e3u, ilha de mato) pelo territ\u00f3rio.<\/p>\n<\/div>\n
No in\u00edcio do s\u00e9culo 17, a fauna local ainda parecia bem preservada. Segundo o pesquisador, moradores eram alertados sobre os riscos de caminhar nas vias paulistanas “porque havia on\u00e7as que comiam gente”.<\/p>\n<\/div>\n
Dizia-se que v\u00e1rias delas moravam na serra da Cantareira e desciam at\u00e9 a v\u00e1rzea do Tiet\u00ea para ca\u00e7ar. H\u00e1 relatos sobre a presen\u00e7a dos felinos at\u00e9 na regi\u00e3o da atual avenida Paulista, ent\u00e3o coberta por uma floresta densa, chamada pelos ind\u00edgenas de caagua\u00e7u (matagal, em tupi). Um trecho da antiga mata deu origem ao Parque Trianon, um dos raros locais na zona urbana que preservam a vegeta\u00e7\u00e3o original.<\/p>\n<\/div>\n
Outra \u00e1rea de mata fechada ficava no vale do Anhangaba\u00fa, no atual centro da cidade, onde \u00edndios escravizados costumavam buscar ref\u00fagio. Dessa floresta, nada restou.<\/p>\n<\/div>\n
Cambucis e arauc\u00e1rias, que antes cobriam v\u00e1rias partes da cidade, tamb\u00e9m desapareceram. A primeira esp\u00e9cie, comum nas matas ciliares paulistanas, atra\u00eda antas ao frutificar e batizou um bairro da regi\u00e3o central.<\/p>\n<\/div>\n
A segunda, hoje restrita \u00e0 regi\u00e3o Sul e a algumas serras do Sudeste, se espalhava por todos os biomas da cidade. Resistente a inc\u00eandios brandos e importante para a alimenta\u00e7\u00e3o dos ind\u00edgenas, que consumiam sua semente, o pinh\u00e3o, a \u00e1rvore \u00e9 a raz\u00e3o por tr\u00e1s do nome do bairro Pinheiros.<\/p>\n
Outros endere\u00e7os paulistanos com nomes em tupi d\u00e3o pistas sobre a riqueza das paisagens nativas, conforme o dicion\u00e1rio tupi-portugu\u00eas de Luiz Caldas Tibiri\u00e7\u00e1 (curiosamente, tamb\u00e9m se chamava Tibiri\u00e7\u00e1 o cacique da antiga aldeia Inhapuambu\u00e7u, nas imedia\u00e7\u00f5es do atual Pateo do Col\u00e9gio).<\/p>\n<\/div>\n
Guarapiranga, onde h\u00e1 hoje uma represa, vem da uni\u00e3o entre guar\u00e1 (gar\u00e7a) e piranga (vermelha), prov\u00e1vel refer\u00eancia \u00e0 esp\u00e9cie Eudocimus ruber. M’Boi Mirim, atual estrada na zona sul, \u00e9 uma poss\u00edvel deriva\u00e7\u00e3o de mboia mirim, cobra pequena.<\/p>\n<\/div>\n
Ibirapuera pode vir da jun\u00e7\u00e3o de ybyr\u00e1, \u00e1rvore, e puera, sufixo que indica passado, algo “que foi” – poss\u00edvel men\u00e7\u00e3o ao charco com troncos secos (que j\u00e1 foram \u00e1rvores) onde se criou o principal parque da cidade, drenado ap\u00f3s o plantio de eucaliptos australianos.<\/p>\n<\/div>\n
Ipiranga, cujas margens pl\u00e1cidas ouviram o brado retumbante, \u00e9 rio vermelho – e que, como tantos outros cursos d’\u00e1gua paulistanos, foi canalizado conforme a cidade crescia.<\/p>\n<\/div>\n
O bioma paulistano mais golpeado pela urbaniza\u00e7\u00e3o foi o Cerrado, que, segundo Cardim, se estendia por boa parte da cidade atual, incluindo trechos dos bairros do Ipiranga, Bela Vista, Luz, Butant\u00e3, Vila Mariana e a regi\u00e3o do aeroporto de Congonhas.<\/p>\n<\/div>\n
A forma\u00e7\u00e3o foi descrita no fim do s\u00e9culo 16 por um antepassado do bot\u00e2nico – e que, embora padre, deixou herdeiros no Brasil -, o jesu\u00edta portugu\u00eas Fern\u00e3o Cardim. Em visita \u00e0 ent\u00e3o vila de Piratininga, embri\u00e3o da S\u00e3o Paulo contempor\u00e2nea, ele comparou a vegeta\u00e7\u00e3o \u00e0 do pa\u00eds natal.<\/p>\n<\/div>\n
“\u00c9 terra de grandes campos e muito semelhante ao s\u00edtio de \u00c9vora, na boa gra\u00e7a, e campinas, que trazem cheia de vacas, que \u00e9 formosura de ver”, descreveu numa carta ao superior eclesi\u00e1stico. “Esta terra parece um novo Portugal”, concluiu, encantado.<\/p>\n<\/div>\n
Hoje, segundo o bot\u00e2nico Cardim, o cerrado paulistano sobrevive em apenas tr\u00eas faixas de terra na zona oeste – duas delas na Cidade Universit\u00e1ria e uma no Jaguar\u00e9.<\/p>\n<\/div>\n
Uma boa amostra da forma\u00e7\u00e3o original est\u00e1 no Parque Estadual do Juquery, no munic\u00edpio vizinho de Franco da Rocha. Para Cardim, trata-se da “\u00faltima joia incrustada (na regi\u00e3o metropolitana de S\u00e3o Paulo) que conserva o cerrado perfeito”, onde se encontram esp\u00e9cies como pequizeiros, palmeiras maca\u00fabas e muricis.<\/p>\n<\/div>\n
Ao longo do desenvolvimento de S\u00e3o Paulo, as \u00e1rvores nativas foram cedendo espa\u00e7o n\u00e3o s\u00f3 para constru\u00e7\u00f5es, mas tamb\u00e9m para esp\u00e9cies ex\u00f3ticas. Hoje, de acordo com Cardim, 90% das plantas da cidade s\u00e3o estrangeiras.<\/p>\n<\/div>\n
“Somos como aqueles cariocas que h\u00e1 cem anos andavam de cartola e casaco de pele na beira da praia porque queriam ser franceses. O paulistano, no que se refere ao paisagismo e \u00e0s \u00e1reas verdes, quer ser tudo, menos brasileiro.”<\/p>\n<\/div>\n
Por isso, diz o bot\u00e2nico, mesmo que S\u00e3o Paulo ficasse desabitada e suas constru\u00e7\u00f5es fossem demolidas, jamais recuperaria os biomas originais.<\/p>\n<\/div>\n
Ele afirma que as antigas \u00e1reas de Cerrado seriam sufocadas por capins estrangeiros e que n\u00e3o haveria mais inc\u00eandios para manter o equil\u00edbrio do bioma.<\/p>\n<\/div>\n
Com o tempo, diz ele, a cidade seria tomada por uma floresta densa – “mas n\u00e3o uma Mata Atl\u00e2ntica natural, e sim uma floresta cultural, que refletiria nossas escolhas enquanto sociedade e serviria como um registro da nossa passagem por aqui”.<\/p>\n
Fonte : BBC<\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n<\/div>\n<\/div>\n
Morro onde a capital paulista surgiu tinha ‘uma das melhores vistas’ do pa\u00eds; BBC Brasil elaborou um mapa in\u00e9dito da flora paulistana original marcada pela diversidade de biomas.
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