{"id":143991,"date":"2018-06-05T00:05:45","date_gmt":"2018-06-05T03:05:45","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=143991"},"modified":"2018-06-04T21:14:58","modified_gmt":"2018-06-05T00:14:58","slug":"projeto-tenta-devolver-vida-ao-mar-de-aral-destruido-por-planos-sovieticos-de-irrigacao","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2018\/06\/05\/143991-projeto-tenta-devolver-vida-ao-mar-de-aral-destruido-por-planos-sovieticos-de-irrigacao.html","title":{"rendered":"Projeto tenta devolver vida ao Mar de Aral, destru\u00eddo por planos sovi\u00e9ticos de irriga\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"
Almas Tolvashev, 78 anos, remexe a areia sob o esqueleto enferrujado de um barco pesqueiro. A embarca\u00e7\u00e3o \u00e9 parte de uma frota desmantelada de cerca de dez embarca\u00e7\u00f5es que, em outra \u00e9poca, fizeram da cidade portu\u00e1ria de Moynaq um importante polo de pesca no Mar de Aral – lago de \u00e1gua salgada que j\u00e1 ocupou um territ\u00f3rio de 68 mil quil\u00f4metros quadrados.<\/p>\n
“A hist\u00f3ria do povo karakalpak come\u00e7a com o mar”, diz Tolvashev, um ex-pescador. “Pescar era a primeira coisa que um pai ensinava a seu filho. Havia 250 barcos aqui, e eu costumava pescar de 600 a 700 quilos de peixes por dia. Agora, n\u00e3o temos mais mar.”<\/p>\n
Moynaq est\u00e1 localizada no cora\u00e7\u00e3o de Karakalpaquist\u00e3o, uma rep\u00fablica semiaut\u00f4noma dentro do Uzbequist\u00e3o, na \u00c1sia Central. Houve um tempo em que 98% dos peixes consumidos pelos uzbeques vinham dali.<\/p>\n
Um desastre ambiental, no entanto, se instalou. O Mar de Aral secou, e subst\u00e2ncias t\u00f3xicas em seu leito ficaram expostas, causando s\u00e9rios problemas de sa\u00fade na popula\u00e7\u00e3o karakalpak. Est\u00e1 em curso, agora, um ambicioso projeto, que envolve a planta\u00e7\u00e3o de milh\u00f5es de \u00e1rvores para tentar salvar essa comunidade e seu ambiente.<\/p>\n
O Aral come\u00e7ou a secar nos anos 1960, quando a Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica, da qual o Uzbequist\u00e3o fazia parte, desviou o curso da \u00e1gua dos dois principais rios que abasteciam o mar com o objetivo de irrigar novas planta\u00e7\u00f5es de algod\u00e3o.<\/p>\n
Como o algod\u00e3o est\u00e1 em alta, o Kremlin ignorou o prolema ambiental decorrente da transposi\u00e7\u00e3o das \u00e1guas.<\/p>\n
E, \u00e0 medida que a \u00e1gua desaparecia do Aral, a concentra\u00e7\u00e3o de sal aumentava, prejudicando a vida marinha.<\/p>\n
“O estoque de peixes ca\u00eda, e s\u00f3 consegu\u00edamos pescar peixes mortos”, conta Tolvashev. “Hoje, os mais jovens t\u00eam de mudar de pa\u00eds se quiserem conseguir emprego.”<\/p>\n
Atualmente, o Mar de Aral tem apenas 10% de seu tamanho original – perdeu-se uma \u00e1rea equivalente a quase o tamanho do Estado de Santa Catarina.<\/p>\n
“N\u00e3o est\u00e1 como antes”, lamenta o ex-pescador. “O clima est\u00e1 ruim, h\u00e1 todo este p\u00f3 no ar.”<\/p>\n
Quando o m\u00e9dico Yuldashbay Dosimov come\u00e7ou a trabalhar no hospital do porto de Moynaq, nos anos 1980, o litoral j\u00e1 estava encolhendo.<\/p>\n
Ele lembra ter encontrado ali diversos pacientes com “doen\u00e7as respirat\u00f3rias, tuberculose, problemas renais”. “At\u00e9 recentemente, muitas crian\u00e7as morriam de diarreia”, relata.<\/p>\n
As autoridades sovi\u00e9ticas que expandiram a ind\u00fastria algodoreira uzbeque n\u00e3o previram que os herbicidas e pesticidas que usavam em suas planta\u00e7\u00f5es acabariam chegando aos rios ao redor e, consequentemente, ao leito do Aral, com duras consequ\u00eancias para a sa\u00fade da popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
A \u00e1gua contaminada fazia mal a quem a bebia, e o problema foi exacerbado \u00e0 medida que o mar secava, uma vez que os produtos t\u00f3xicos das planta\u00e7\u00f5es ficaram exposto e se espalharam pelo ar por conta das tempestades de areia.<\/p>\n
A popula\u00e7\u00e3o local passou a sofrer problemas de crescimento, de fertilidade, pulmonares e card\u00edacos, al\u00e9m de elevadas taxas de c\u00e2ncer. Um estudo acad\u00eamico concluiu que a ocorr\u00eancia de c\u00e2ncer de f\u00edgado dobrou entre 1981 e 1991 na regi\u00e3o.<\/p>\n
Outra pesquisa descobriu que, no fim dos anos 1990, a mortalidade infantil ao redor do Mar de Aral variou entre 60 e 110 a cada mil nascimentos, taxa muito maior do que no restante do Uzbequist\u00e3o (48 a cada mil) e do que na R\u00fassia (24 a cada mil).<\/p>\n
Durante d\u00e9cadas, essa crise de sa\u00fade foi ignorada. As autoridades locais s\u00f3 admitiram que o Aral estava desaparecendo quando a Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica se desmantelou, no in\u00edcio dos anos 1990.<\/p>\n
Agora, busca-se uma solu\u00e7\u00e3o, e o m\u00e9dico Dosimov espera que ela melhore radicalmente a vida da popula\u00e7\u00e3o karakalpak.<\/p>\n
“Eles (autoridades) precisam amenizar o impacto do ressecamento do mar na sa\u00fade das pessoas, e por isso est\u00e3o plantando \u00e1rvores.”<\/p>\n
A alguns quil\u00f4metros de dist\u00e2ncia de Moynaq, dois tratores criam duas longas fileiras no leito do mar, em uma \u00e1rea que 40 anos atr\u00e1s estava coberta por 25 metros de \u00e1gua.<\/p>\n
Sentado na traseira do trator, um jovem vai dispersando sementes pelo ch\u00e3o \u00e1rido.<\/p>\n
“Fa\u00e7a chuva ou fa\u00e7a sol, temos duas semanas para plantar um hectare”, diz ele. “O tempo tem estado frio e chuvoso, mas n\u00e3o vamos sair daqui at\u00e9 terminarmos.”<\/p>\n
Ele e seus colegas est\u00e3o plantando \u00e1rvores saxaul, um arbusto nativo dos desertos da \u00c1sia Central e, agora, a primeira linha de defesa contra a mudan\u00e7a clim\u00e1tica no Uzbequist\u00e3o.<\/p>\n
“Uma \u00e1rvore saxaul adulta consegue restaurar at\u00e9 10 toneladas de solo ao redor das suas ra\u00edzes”, explica o especialista em reflorestamento Orazbay Allanazarov.<\/p>\n
Al\u00e9m disso, a saxaul cont\u00e9m os ventos, impedindo que a areia t\u00f3xica do solo se espalhe ainda mais pela atmosfera. O plano \u00e9 cobrir todo o antigo leito do Aral com esses arbustos.<\/p>\n
“Escolhemos a saxaul porque ela consegue sobreviver no clima seco e no solo salgado”, explica.<\/p>\n
Ele mostra um trecho semeado cinco anos atr\u00e1s, onde metade das plantas sobreviveu – uma taxa que considera boa.<\/p>\n
As \u00e1rvores s\u00e3o plantadas em fileiras, a 10 metros de dist\u00e2ncia entre si, para que, ao crescerem, liberem as pr\u00f3prias sementes e preencham esse espa\u00e7o vazio.<\/p>\n
At\u00e9 agora, cerca de 500 mil hectares de deserto foram cobertos com \u00e1rvores saxaul. Mas ainda restam mais de 3 milh\u00f5es de hectares a preencher.<\/p>\n
No ritmo atual, pode levar 150 anos at\u00e9 que uma floresta cres\u00e7a por ali.<\/p>\n
“Estamos lentos”, admite Allanazarov. “Precisamos agilizar o processo. Mas para isso precisamos de mais dinheiro, de mais investimento internacional.”<\/p>\n
Assim como o ex-pescador Almas Tolvashev, Allanazarov sabe que o Mar de Aral pode n\u00e3o voltar nunca mais. Mas destaca que o projeto, ao menos, prov\u00ea mais qualidade de vida ao povo karakalpak, ap\u00f3s tantas d\u00e9cadas de sofrimento.<\/p>\n
Fonte: BBC<\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"