{"id":144314,"date":"2018-06-20T00:03:27","date_gmt":"2018-06-20T03:03:27","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=144314"},"modified":"2018-06-19T20:29:11","modified_gmt":"2018-06-19T23:29:11","slug":"o-holandes-que-foi-de-entusiasta-de-agrotoxicos-a-pioneiro-de-organicos-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2018\/06\/20\/144314-o-holandes-que-foi-de-entusiasta-de-agrotoxicos-a-pioneiro-de-organicos-no-brasil.html","title":{"rendered":"O holand\u00eas que foi de entusiasta de agrot\u00f3xicos a pioneiro de org\u00e2nicos no Brasil"},"content":{"rendered":"

“N\u00f3s ficamos muito felizes. Arrancar o mato \u00e0 m\u00e3o demorava dias e pulverizando, demor\u00e1vamos apenas algumas horas. Aos domingos, quando eu encontrava a galera, a gente olhava quem tinha as m\u00e3os mais amarelas de herbicida. Quanto mais amarelo, mais moderna e pop era a pessoa”, disse \u00e0\u00a0BBC News Brasil<\/a>.<\/p>\n

Quando estava com cerca de 40 anos, Joop era, em suas pr\u00f3prias palavras, um “especialista em veneno”. “Importei livros com descri\u00e7\u00f5es sobre centenas de agrot\u00f3xicos: o que era bom para qual praga, a dosagem e o grau de toxicidade de cada um.”<\/p>\n

Hoje, aos 79 anos, o holand\u00eas \u00e9 um dos pioneiros da agricultura org\u00e2nica no Brasil – seu s\u00edtio \u00e9 o s\u00e9timo certificado como org\u00e2nico no pa\u00eds – e um forte opositor dos agrot\u00f3xicos.<\/p>\n

Em uma palestra no evento Food Forum, em S\u00e3o Paulo, no \u00faltimo m\u00eas de mar\u00e7o, ele come\u00e7ou colocando cuidadosamente uma m\u00e1scara e borrifando veneno em um prato de salada fresca.<\/p>\n

“Aqui eu usei s\u00f3 a dose permitida, dentro das normas. Agora quero ver quem quer comer essa comida”, desafia.<\/p>\n

O Brasil \u00e9 um dos maiores consumidores de agrot\u00f3xicos no mundo, e permite o uso de dezenas de subst\u00e2ncias que j\u00e1 foram proibidas em outros pa\u00edses.<\/p>\n

Nas \u00faltimas semanas, deputados tentaram algumas vezes votar, em comiss\u00e3o especial, o Projeto de Lei (PL) 6.299\/2002, que pretende reformular a lei atual sobre registro, fiscaliza\u00e7\u00e3o e controle de agrot\u00f3xicos. A vota\u00e7\u00e3o na Comiss\u00e3o Especial da C\u00e2mara dos Deputados foi adiada tr\u00eas vezes e deve ser conclu\u00edda nesta ter\u00e7a-feira.<\/p>\n

O projeto, proposto originalmente pelo ex-senador e atual ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP-MT) e cujo relator \u00e9 o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), tamb\u00e9m quer concentrar no Minist\u00e9rio da Agricultura, Pecu\u00e1ria e Abastecimento (MAPA) a avalia\u00e7\u00e3o toxicol\u00f3gica das subst\u00e2ncias e aprova\u00e7\u00e3o do seu uso.<\/p>\n

Atualmente, os agrot\u00f3xicos precisam ter uma avalia\u00e7\u00e3o toxicol\u00f3gica feita pela Anvisa, uma avalia\u00e7\u00e3o ambiental feita pelo Ibama e uma avalia\u00e7\u00e3o agron\u00f4mica feita pelo Minist\u00e9rio.<\/p>\n

\"S\u00edtio<\/p>\n

Direito de imagemS\u00cdTIO A BOA TERRAImage caption”Quem n\u00e3o gosta de agrot\u00f3xicos fica criativo”, diz agricultor holand\u00eas sobre necessidade de encontrar t\u00e9cnicas alternativas de cultivo<\/p>\n

Pela nova lei, a Anvisa e o Ibama ficariam fora do processo e as subst\u00e2ncias seriam integralmente avaliadas por uma comiss\u00e3o t\u00e9cnica que incluiria representantes dos minist\u00e9rios da Agricultura, da Sa\u00fade, do Meio Ambiente, da Ci\u00eancia, Tecnologia e Inova\u00e7\u00e3o e do Desenvolvimento, Ind\u00fastria e Com\u00e9rcio Exterior.<\/p>\n

O debate vem causando pol\u00eamica entre ruralistas, a favor do PL, e \u00f3rg\u00e3os como Anvisa, Ibama e Conselho Nacional de Seguran\u00e7a Alimentar e Nutricional (Consea), que se posicionam contra.<\/p>\n

Os produtores reclamam da demora na libera\u00e7\u00e3o dos agrot\u00f3xicos e dizem que, quando o governo autoriza a aplica\u00e7\u00e3o, os produtos j\u00e1 est\u00e3o obsoletos. Opositores, por sua vez, afirmam que a nova medida favoreceria apenas os fabricantes dos qu\u00edmicos, facilitando a entrada de produtos possivelmente danosos \u00e0 sa\u00fade e ao ambiente no mercado.<\/p>\n

“Eu n\u00e3o estou t\u00e3o preocupado com a vinda de novos produtos porque acredito que a tend\u00eancia em todo mundo \u00e9 que eles sejam cada vez menos t\u00f3xicos”, contemporiza Joop.<\/p>\n

“Mas o Brasil precisa retirar os agrot\u00f3xicos que est\u00e3o no mercado. Ningu\u00e9m quer comer comida com veneno, mas as pessoas est\u00e3o comendo.”<\/p>\n

Hist\u00f3rias de contamina\u00e7\u00e3o<\/p>\n

A trajet\u00f3ria de Joop – de entusiasta do uso de qu\u00edmicos na agricultura a ativista antiagrot\u00f3xicos – incluiu um per\u00edodo trabalhando em planta\u00e7\u00f5es mecanizadas no Canad\u00e1 e uma viagem de milhares de quil\u00f4metros at\u00e9 o Brasil, em um Fusca, com um amigo.<\/p>\n

“Viajando pelos pa\u00edses da Am\u00e9rica do Sul, deu pra ver que o Brasil estava crescendo. Era 1965, e aqui havia muito mais m\u00e1quinas, estradas, caminh\u00f5es, a ind\u00fastria estava come\u00e7ando. Deu para ver um \u00e2nimo diferente dos outros pa\u00edses.”<\/p>\n

A viagem terminou em Holambra 2, col\u00f4nia holandesa no interior de S\u00e3o Paulo, na casa de um tio que j\u00e1 morava no pa\u00eds. Foi onde Joop conheceu Tini, tamb\u00e9m holandesa, de fam\u00edlia grande e ligada \u00e0 terra.<\/p>\n

Juntos, eles tiveram tr\u00eas filhas e duas netas, e criaram o S\u00edtio A Boa Terra que, em 1981, se tornou o s\u00e9timo produtor de org\u00e2nicos certificado pela Associa\u00e7\u00e3o de Certifica\u00e7\u00e3o Instituto Biodin\u00e2mico, a maior do pa\u00eds.<\/p>\n

\"Fam\u00edlia<\/p>\n

Direito de imagemARQUIVO PESSOAL<\/p>\n

Na Holanda, agrot\u00f3xicos come\u00e7aram a ser usados por pequenos produtores nos anos 1950, quando Joop tinha 15 anos: “Ficamos muito felizes, era o que havia de melhor”<\/p>\n

“Decidimos parar de usar agrot\u00f3xicos depois que tivemos v\u00e1rios acidentes. O irm\u00e3o de Tini foi intoxicado pelo vazamento de uma m\u00e1quina de pulverizar, e o veneno penetrou nos rins. Ele ficou muitos meses na cama e at\u00e9 hoje sofre com problemas renais”, afirma.<\/p>\n

“Uma vez, est\u00e1vamos plantando bulbos de flores e colocando um agrot\u00f3xico em cima dos bulbos para matar pragas. Atr\u00e1s de n\u00f3s vinha um funcion\u00e1rio com um burro, que caiu morto no fim do dia. Tinha cheirado a subst\u00e2ncia o dia inteiro. Tamb\u00e9m j\u00e1 tivemos que levar tr\u00eas funcion\u00e1rios para o hospital por intoxica\u00e7\u00e3o grave depois de usarmos um veneno misturado \u00e0s sementes de milho. Tudo isso mexeu muito comigo.”<\/p>\n

A transi\u00e7\u00e3o, no entanto, levou cerca de 10 anos, e precisou de uma boa dose de “criatividade”, segundo o agricultor.<\/p>\n

Pedido de ajuda na internet<\/h2>\n

Inicialmente, Joop e Tini tentaram – e conseguiram – diminuir o uso de agrot\u00f3xicos seguindo uma estrat\u00e9gia chamada manejo integrado de pragas, em que aplicavam agrot\u00f3xicos em um ponto espec\u00edfico da germina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Isso permitiu, diz o holand\u00eas, que eles passassem a aplicar apenas 30% da quantidade de herbicida normalmente recomendada.<\/p>\n

“Nessa \u00e9poca tamb\u00e9m ouvimos falar do uso do lan\u00e7a-chamas para o controle de ervas daninhas, por exemplo, na planta\u00e7\u00e3o de cenouras. Pedimos ajuda na internet para saber como usar e uma pessoa da Escandin\u00e1via at\u00e9 nos mandou um livro pelo correio.”<\/p>\n

“Voc\u00ea normalmente semeia a cenoura, e ela come\u00e7a a nascer em oito dias. Mas 80% das ervas daninhas crescem antes da cenoura. A\u00ed no sexto dia, por exemplo, voc\u00ea passa uma chama que mata essas ervas e depois de uns dias nasce a cenoura tranquilamente, sem mato”, descreve.<\/p>\n

Hoje, o s\u00edtio da fam\u00edlia de origem holandesa tamb\u00e9m produz tomates em estufa usando apenas produtos com certificado org\u00e2nico e faz rota\u00e7\u00e3o de culturas. A monocultura, segundo especialistas, est\u00e1 associada \u00e0 necessidade maior de agrot\u00f3xicos, j\u00e1 que altera o ecossistema e favorece o surgimento de pragas e insetos.<\/p>\n

\"Joop<\/p>\n

Direito de imagemARQUIVO PESSOAL<\/p>\n

Joop saiu do Canad\u00e1 para o Brasil, com um amigo, em um Fusca; aqui, foi recebido por tio que j\u00e1 trabalhava na agricultura<\/p>\n

“Al\u00e9m de plantarmos v\u00e1rios produtos, tamb\u00e9m deixamos crescer um pouco de mato. Na agricultura convencional existe um fanatismo de combater at\u00e9 o \u00faltimo mato, \u00e9 quase uma doen\u00e7a.”<\/p>\n

“Mas se voc\u00ea deixa um pouco, a diversidade de plantas atrai uma diversidade de insetos. E a\u00ed voc\u00ea garante que os inimigos naturais das pragas tamb\u00e9m estejam l\u00e1. Se voc\u00ea tem pulg\u00f5es, ter\u00e1 joaninhas que comem os pulg\u00f5es”, explica.<\/p>\n

Ele admite, no entanto, que a produ\u00e7\u00e3o \u00e9 mais dif\u00edcil sem agrot\u00f3xicos, e exige mais cuidados e investimento – coisa que muitos pequenos agricultores n\u00e3o est\u00e3o aptos a fazer.<\/p>\n

“\u00c9 f\u00e1cil de condenar quem ainda usa (os qu\u00edmicos), mas n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o f\u00e1cil de mudar. Eu entendo isso. Ainda falta apoio para investirmos na tecnologia de produzir org\u00e2nicos.”<\/p>\n

Desafio de manter e mudar h\u00e1bitos de consumo<\/h2>\n

O setor de org\u00e2nicos movimenta mais de R$ 3 bilh\u00f5es e cresce cerca de 20% a cada ano no Brasil, segundo o Organis – Conselho Brasileiro da Produ\u00e7\u00e3o Org\u00e2nica e Sustent\u00e1vel. Cerca de 70% deste mercado corresponde a alimentos produzidos dessa forma e certificados por organismos credenciados no Minist\u00e9rio de Agricultura, Pecu\u00e1ria e Abastecimento. Os outros 30% correspondem a cosm\u00e9ticos, roupas, produtos de limpeza e outros.<\/p>\n

Mas, apesar do crescimento, Joop diz que ainda \u00e9 dif\u00edcil para pequenos agricultores seguirem esse caminho.<\/p>\n

Com 30 funcion\u00e1rios, o S\u00edtio A Boa Terra produz couve-flor, br\u00f3colis, abobrinha, batata inglesa, batata doce, beterraba, cenoura, gengibre, inhame, mandioca, milho, pepino japon\u00eas, alho, quiabo, rabanete, tomate cereja, tomate e a\u00e7afr\u00e3o, al\u00e9m de folhas – diversos tipo de alface, almeir\u00e3o, escarola, r\u00facula, couve-manteiga, espinafre, repolho e temperos em geral.<\/p>\n

Semanalmente, eles enviam para assinantes uma cesta de produtos org\u00e2nicos que tem, al\u00e9m da sua colheita, produtos de parceiros. Mas a manuten\u00e7\u00e3o dos consumidores, ele diz, \u00e9 um dos principais desafios.<\/p>\n

\"Caixa<\/p>\n

Direito de imagemGETTY IMAGES<\/p>\n

S\u00edtio produz 30 variedades de org\u00e2nicos mas principal desafio \u00e9 manter clientes fidelizados<\/p>\n

“Temos muitos clientes entrando e saindo, mas os que permanecem ainda s\u00e3o poucos. As pessoas tamb\u00e9m questionam o pre\u00e7o, mas \u00e9 preciso lembrar que na agricultura convencional, o produtor tem uma m\u00e1quina que substitui 10, 20, 40 homens”, afirma.<\/p>\n

Como exemplo, ele explica que um hectare de batata pode ser cultivado por apenas uma pessoa na agricultura convencional. O manejo org\u00e2nico, no entanto, requer pelo menos oito.<\/p>\n

“Ali\u00e1s, todo mundo sabe que batata inglesa \u00e9 o que mais precisa de agrot\u00f3xicos para produzir. S\u00f3 que o Brasil tem ra\u00edzes bem melhores que essa. A batata doce, em termos de nutrientes, \u00e9 dez vezes melhor. Se o consumidor passar a consumir mais inhame, batata doce, car\u00e1, mandioca, mandioquinha, a mudan\u00e7a n\u00e3o fica imposs\u00edvel. O consumidor ajuda os agricultores a procurar outros produtos.”<\/p>\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"