Par de brincos de 1875 feitos com cabe\u00e7as de sa\u00edras-beija-flor, em exposi\u00e7\u00e3o no Victoria and Albert Museum, em Londres (Foto: VICTORIA AND ALBERT MUSEUM)<\/label><\/div>\nLogo na entrada de uma nova exposi\u00e7\u00e3o sobre a hist\u00f3ria da moda no Victoria and Albert Museum (V&A), em Londres, algumas pe\u00e7as se destacam, como uma capa negra feita de penas de galo retorcidas, um s\u00edmbolo de status exibido pelas damas da alta sociedade francesa na segunda metade do s\u00e9culo XIX. Podia ser combinada com um chap\u00e9u enfeitado com um rabo de raposa. Chama a aten\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m um vestido de fino algod\u00e3o branco, do mesmo s\u00e9culo, decorado com o que parecem ser pequenas esmeraldas. Os pontos verdes met\u00e1licos, na verdade, s\u00e3o 5 mil asas de besouro. Para segurar as estruturas internas das saias armadas, um material essencial era a barbatana de baleia, animal dizimado na Europa naqueles tempos. H\u00e1 ainda um par de brincos de 1870 \u2014 acess\u00f3rio muito popular na \u00e9poca \u2014 feito com a cabe\u00e7a decepada de sa\u00edras-beija-flor.<\/p>\n
Mais do que uma nova mostra para hipnotizar fashionistas, a exposi\u00e7\u00e3o\u00a0Fashioned from Nature (Formado a partir da Natureza,<\/em> em tradu\u00e7\u00e3o livre) coloca no centro de um dos mais importantes museus do mundo uma discuss\u00e3o que vem ganhando for\u00e7a como movimento social e extrapolando os ateli\u00eas de alguns poucos designers genuinamente preocupados com o futuro do planeta. As 300 pe\u00e7as exibidas \u2014 algumas delas propositalmente m\u00f3rbidas \u2014 cobrem 400 anos de uma hist\u00f3ria inquietante e estimulam a reflex\u00e3o sobre a simbi\u00f3tica liga\u00e7\u00e3o entre moda e meio ambiente. A primeira, desde sempre, inspirou-se e explorou o segundo, uma complexa rela\u00e7\u00e3o que pode tanto ter beleza quanto brutalidade.<\/p>\n<\/div>\n
Capa feita com penas de galo, cl\u00e1ssico do s\u00e9culo XIX, de Auguste Champot (Foto: VICTORIA AND ALBERT MUSEUM)<\/label><\/div>\n<\/div>\n
\u00c0 medida que se expandia, acompanhando as evolu\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas que baixavam os pre\u00e7os e massificavam a produ\u00e7\u00e3o, a ind\u00fastria t\u00eaxtil deixava um rastro de destrui\u00e7\u00e3o para produzir tecidos, estampas, cores e fibras sint\u00e9ticas \u00e0 base de agentes qu\u00edmicos que contaminam o solo, o ar e a \u00e1gua. A fabrica\u00e7\u00e3o em massa mant\u00e9m o segmento da moda na lista dos cinco mais poluentes do s\u00e9culo XXI. Como impedir a continua\u00e7\u00e3o desse estrago, como rios tingidos de azul, e o que podemos aprender com um passado de degrada\u00e7\u00e3o s\u00e3o as perguntas que os curadores da exposi\u00e7\u00e3o na capital brit\u00e2nica querem instigar. Para isso, uniram-se a uma onda que usa as redes sociais para aumentar a conscientiza\u00e7\u00e3o do impacto tantas vezes invis\u00edvel da moda.<\/p>\n
A abertura da mostra coincidiu com o quinto anivers\u00e1rio de uma trag\u00e9dia que deixou claro o valor humano nessa equa\u00e7\u00e3o marcada pela explora\u00e7\u00e3o descontrolada de recursos e m\u00e3o de obra, principalmente em pa\u00edses menos desenvolvidos. Em abril de 2013 o pr\u00e9dio Rana Plaza desabou em Bangladesh, soterrando 1.138 pessoas. Havia cinco f\u00e1bricas de roupas no edif\u00edcio condenado, empregando em sua maioria jovens mulheres sem condi\u00e7\u00f5es m\u00ednimas de trabalho. Elas costuravam para grandes marcas do varejo internacional que se ancoram no conceito de fast-fashion, que possibilita a troca cont\u00ednua e a jato de suas cole\u00e7\u00f5es por pre\u00e7os acess\u00edveis.<\/p>\n
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Grupos de press\u00e3o cobram que empresas assumam responsabilidade da cadeia de moda com a hashtag #quemfezminharoupa<\/div>\n<\/div>\n
A cat\u00e1strofe levou duas designers brit\u00e2nicas, Carry Somers e Orsola de Castro, a fundar um movimento que j\u00e1 se espalha por mais de 100 pa\u00edses, o Brasil entre eles. O Fashion Revolution mobiliza milh\u00f5es de pessoas \u2014 se somados os participantes de seus eventos, como desfiles e workshops, e o p\u00fablico que compartilha seus posts e acessa seus v\u00eddeos alarmantes nas m\u00eddias sociais. O manifesto do grupo conclama as grifes a ser mais transparentes e a assumir a responsabilidade pela cadeia de produ\u00e7\u00e3o das roupas. Ao mesmo tempo, pede o envolvimento da sociedade para aumentar a press\u00e3o sobre uma ind\u00fastria que emprega 75 milh\u00f5es de pessoas, sendo 80% mulheres entre 18 e 35 anos.<\/p>\n
A campanha se traduz numa hashtag que n\u00e3o tem o poder incendi\u00e1rio de um #MeToo, mas vem aumentando exponencialmente sua presen\u00e7a nas redes. Os consumidores fotografam uma pe\u00e7a e perguntam \u00e0s marcas quem a produziu, postando a hashtag #whomademyclothes (quem fez minhas roupas?). Com a ades\u00e3o de celebridades e influenciadores digitais, cada vez mais as empresas se sentem na obriga\u00e7\u00e3o de responder. A rea\u00e7\u00e3o vem em forma de fotos dos trabalhadores que participaram de alguma forma da produ\u00e7\u00e3o, sempre segurando a mensagem \u201cEu fiz suas roupas\u201d, sejam eles agricultores, tintureiros, tecel\u00f5es, bordadeiras ou fiandeiras.<\/p>\n
Se a internet sozinha n\u00e3o faz uma revolu\u00e7\u00e3o, a campanha ajuda a humanizar um modelo de produ\u00e7\u00e3o nem sempre constru\u00eddo sobre bases \u00e9ticas, dando um rosto a quem est\u00e1 por tr\u00e1s das m\u00e1quinas. Segundo os organizadores do movimento, s\u00f3 neste ano a Fashion Revolution Week \u2014 originada em Londres e hoje copiada mundo afora \u2014 rendeu 2 mil artigos na imprensa mundial em abril e alcan\u00e7ou 250 milh\u00f5es de pessoas nas m\u00eddias sociais.<\/p>\n
\u201cNossa maior satisfa\u00e7\u00e3o \u00e9 o aumento crescente da resposta por parte das marcas ano a ano, mostrando que os trabalhadores dessa cadeia est\u00e3o participando dessa conversa\u201d, disse Orsola de Castro. Castro tamb\u00e9m admitiu que, embora muita coisa tenha mudado desde a desgra\u00e7a do Rana Plaza, um cen\u00e1rio global de respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente ainda \u00e9 um sonho. \u201cHouve avan\u00e7os em termos de iniciativas jur\u00eddicas para garantir uma cadeia produtiva mais saud\u00e1vel e \u00e9tica. Desde a trag\u00e9dia, 1.300 f\u00e1bricas foram inspecionadas, e 800 delas tiveram suas condi\u00e7\u00f5es melhoradas, mas os incidentes continuam. O ano de 2017 foi declarado o mais fatal para os oper\u00e1rios de confec\u00e7\u00f5es em Bangladesh\u201d, lembrou a ativista.<\/p>\n
Al\u00e9m de expandir a discuss\u00e3o sobre responsabilidade social na cadeia de fornecimento, o movimento potencializa a voz de estilistas que s\u00e3o o destaque da segunda parte da mostra do V&A, dedicada a celebrar os nomes que h\u00e1 tempos exigem mudan\u00e7as. Gente como Stella McCartney, uma das primeiras designers internacionais a banir o uso de couro, pele de animais e penas naturais em suas cria\u00e7\u00f5es. No m\u00eas passado, ela comprou 50% das a\u00e7\u00f5es de sua empresa da Kering, gigante do mercado de luxo, tornando-se dona exclusiva da pr\u00f3pria marca. O neg\u00f3cio devolveu \u00e0 filha de Paul McCartney o controle total sobre todas as etapas da produ\u00e7\u00e3o de suas cole\u00e7\u00f5es, que s\u00f3 utilizam materiais org\u00e2nicos ou reciclados.<\/p>\n
O poder do sobrenome de Stella \u2014 que sempre lembra quanto j\u00e1 foi ridicularizada por ser vegetariana quando isso ainda n\u00e3o era modismo \u2014 \u00e9 imbat\u00edvel. Ela n\u00e3o \u00e9, por\u00e9m, a \u00fanica a pensar na moda do futuro. A dama do punk, Vivienne Westwood, \u00e9 uma guerrilheira nesse sentido, enquanto Katharine Hamnett, famosa por suas camisetas de protesto, 30 anos atr\u00e1s j\u00e1 pedia um consumo consciente com sua cole\u00e7\u00e3o ecol\u00f3gica radical Clean up or die (Limpar ou morrer). As duas brit\u00e2nicas s\u00e3o homenageadas por seu ativismo na exposi\u00e7\u00e3o em Londres, na qual a inova\u00e7\u00e3o brasileira \u00e9 representada pelas pe\u00e7as de couro de pirarucu fabricadas de forma sustent\u00e1vel pela Osklen. J\u00e1 a italiana Vegea desponta com a confec\u00e7\u00e3o de couro feito de baga\u00e7o de uva. Ao produzir seus vinhos, a It\u00e1lia descarta 7 milh\u00f5es de toneladas de res\u00edduos. Depois de passar por um processo de secagem, parte desse lixo est\u00e1 virando roupas e acess\u00f3rios nas m\u00e3os do designer Tiziano Guardini.<\/p>\n
Embora essas etiquetas sejam inacess\u00edveis para a maioria dos consumidores, iniciativas nessa linha servem de inspira\u00e7\u00e3o para quem n\u00e3o quer ser classificado como atrasado \u2014 ou pior, medieval, para usar um adjetivo empregado por McCartney \u2014 num mercado altamente competitivo, seja no segmento de luxo ou no popular. O fortalecimento do pequeno produtor, o reaproveitamento de tecidos de fibras naturais, o casamento de tecnologia 3D com bioeconomia para reimaginar materiais como sedas e rendas s\u00e3o assuntos que hoje encontram espa\u00e7o em eventos onde o mundo fashion se disp\u00f5e a pensar al\u00e9m das it-bags.<\/p>\n
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O termo slow-fashion foi inspirado no movimento slow-food, de alimenta\u00e7\u00e3o saud\u00e1vel. Ele prega o consumo consciente, obrigando a conduta correta na produ\u00e7\u00e3o e na escolha do material usado nas vestimentas<\/div>\n<\/div>\n
A jornalista inglesa Olivia Peacock, defensora das pr\u00e1ticas sustent\u00e1veis, enxerga uma s\u00e9rie de avan\u00e7os nos \u00faltimos anos, mas \u00e9 uma transforma\u00e7\u00e3o lenta. Sem a mudan\u00e7a de comportamento da pr\u00f3pria popula\u00e7\u00e3o, fica dif\u00edcil falar em revolu\u00e7\u00e3o. \u201cO desastre do Rana Plaza serviu de alerta para a ind\u00fastria, e isso provocou medidas para garantir que algo assim n\u00e3o aconte\u00e7a novamente. Quando se trata de h\u00e1bitos de consumo, por\u00e9m, continuamos comprando mais roupas do que nunca. Os americanos compram tr\u00eas vezes mais do que h\u00e1 50 anos\u201d, disse ela, uma entusiasta da campanha #whomademyclothes. \u201c\u00c9 preciso muito mais que uma hashtag para transformar toda uma ind\u00fastria, mas essa tem sido uma das mais influentes iniciativas para a conscientiza\u00e7\u00e3o do p\u00fablico. Algumas das maiores marcas do setor come\u00e7aram a responder, e o n\u00famero de envolvidos cresce a cada ano. Est\u00e1 funcionando\u201d, afirmou.<\/p>\n
Para a especialista, trata-se de desenvolver uma compreens\u00e3o mais profunda das roupas, cuidar para que elas durem e dividir os gastos entre marcas que investem em linhas de produ\u00e7\u00e3o sustent\u00e1veis. Nas mais prestigiadas universidades de Londres, centros de pesquisa de design formam novas gera\u00e7\u00f5es de criadores que j\u00e1 pensam a moda como arte e neg\u00f3cios de forma alternativa. Na semana passada, alunos do London College of Fashion da Universidade das Artes de Londres (UAL) espalharam caixas de coleta de garrafas PET entre as passarelas da Semana de Moda masculina. A capital brit\u00e2nica tem um dos piores \u00edndices de reciclagem de produtos pl\u00e1sticos do pa\u00eds, e os estudantes se juntaram \u00e0 Prefeitura na campanha para reduzir o consumo dessas garrafas. Eles reaproveitar\u00e3o o material recolhido para produzir tecidos com a ajuda de uma tecnologia desenvolvida pela grife Vin + Omi.<\/p>\n
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Vestido de \u201ccouro de uva\u201d: a moda busca op\u00e7\u00e3o de material (Foto: VEGEA)<\/label><\/div>\nA etiqueta, que transforma pl\u00e1stico em l\u00e3, \u00e9 uma das expoentes do slow-fashion \u2014 outro movimento global que vai extrapolando, aos poucos, os f\u00f3runs de ecologistas. O termo foi criado pela inglesa Kate Fletcher, professora do Centro de Moda Sustent\u00e1vel da UAL. Inspirado no slow-food, \u00e9 uma rea\u00e7\u00e3o direta ao fast-fashion, desafiando a maneira como olhamos para nosso guarda-roupa. A filosofia \u00e9 a do consumo consciente, que incentiva a reflex\u00e3o sobre o impacto da ind\u00fastria da moda sobre o meio ambiente e os trabalhadores.<\/p>\n
Pioneiros como a escritora e estilista australiana Jane Milburn atraem milhares de seguidores pregando a mensagem de que \u201croupa velha \u00e9 o novo org\u00e2nico e remendar \u00e9 bom para a alma\u201d. Costurar remendos propositalmente vis\u00edveis em pe\u00e7as que seriam descartadas est\u00e1 virando mania on-line. Na publica\u00e7\u00e3o acad\u00eamica\u00a0Journal for Fashion Criticism<\/em>, a pr\u00e1tica \u00e9 celebrada como \u201cuma express\u00e3o po\u00e9tica da beleza na imperfei\u00e7\u00e3o\u201d.<\/p>\nS\u00e3o in\u00fameros os posts no Instagram com a hashtag #visiblemending (remendo vis\u00edvel). Em Londres, \u00e9 f\u00e1cil achar workshops que ensinam a t\u00e9cnica. Quanto mais aparentes forem os pontos dos retalhos, melhor. Casaco furado pode ser um ato pol\u00edtico. O risco \u00e9 a rebeldia ser glamourizada, virar tend\u00eancia, e as tais pe\u00e7as remendadas acabarem nas araras, como aconteceu com o punk e o grunge, que um dia nasceram como forma de protesto.<\/p>\n
Fonte: \u00c9poca<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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