{"id":145127,"date":"2018-08-01T00:04:49","date_gmt":"2018-08-01T03:04:49","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=145127"},"modified":"2018-07-31T21:26:51","modified_gmt":"2018-08-01T00:26:51","slug":"o-pequeno-e-inusitado-deserto-que-fica-no-meio-da-neve-no-canada","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2018\/08\/01\/145127-o-pequeno-e-inusitado-deserto-que-fica-no-meio-da-neve-no-canada.html","title":{"rendered":"O pequeno e inusitado deserto que fica no meio da neve no Canad\u00e1"},"content":{"rendered":"
\"Deserto
O Deserto de Carcross abriga uma variedade de vida selvagem, incluindo ovelhas e cabras da montanha<\/figcaption><\/figure>\n

Choveu durante a noite, mas j\u00e1 havia pegadas no ch\u00e3o. O fino p\u00f3 de neve havia coberto o per\u00edmetro de pinheiros e salgueiros e j\u00e1 estava come\u00e7ando a derreter nos galhos mais altos quando comecei minha expedi\u00e7\u00e3o. Em frente a mim estava uma bacia desnuda e congelada de cordilheiras com neve e declives suaves.<\/p>\n

O barulho da cidade havia sumido e, quando dei meus primeiros passos em dire\u00e7\u00e3o ao planalto, seguindo o contorno da terra, foi substitu\u00eddo pelo ritmo da neve rangendo sob os meus passos. Foi s\u00f3 o que ouvi pelos pr\u00f3ximos 10 minutos. O gemido abafado de neve contra areia. Depois disso, alcancei meu destino. Eu havia cruzado o que muitos acreditam ser o menor deserto do mundo.<\/p>\n

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Com apenas 600m de largura, o deserto canadense de Carcross \u00e9 considerado o menor do mundo<\/figcaption><\/figure>\n

Essa foi minha introdu\u00e7\u00e3o a um dos fen\u00f4menos geol\u00f3gicos mais bizarros da Am\u00e9rica do Norte, o deserto Carcross, em Yukon, o mais ocidental e o menor dos tr\u00eas territ\u00f3rios federais do Canad\u00e1. \u00c0 primeira vista, n\u00e3o parecia grande coisa. \u00c9 dif\u00edcil reconhec\u00ea-lo como um deserto: ele tem apenas 600 metros de largura, pode ser medido na contagem de passos de uma extremidade a outra, estava coberto de neve e a areia s\u00f3 ficava aparente entre rachaduras na crosta de gelo e neve derretidos. Mas uma inspe\u00e7\u00e3o mais minuciosa revelou um reino em miniatura de areias finas, um raro habitat para plantas, animais de casco e esp\u00e9cies de insetos que podem ser novas para a ci\u00eancia.<\/p>\n

Paralelo 60<\/h2>\n

Quando cheguei ao port\u00e3o \u00e0 beira da estrada com os dizeres “Carcross Desert”, me pareceu estar passando por um momento surreal. Eu havia visto dunas de areia em Om\u00e3, Marrocos, Nam\u00edbia, Chile, Ar\u00e1bia Saudita, \u00cdndia, Mong\u00f3lia e Egito, mas h\u00e1 poucos lugares nessa latitude norte – no 60\u00ba grau – do planeta onde voc\u00ea encontrar\u00e1 a palavra ‘deserto’ estampada numa placa dando nome a um local. Desertos correspondem a um ter\u00e7o da superf\u00edcie da Terra, mas o que est\u00e1 pr\u00f3ximo ao vilarejo de Carcross \u00e9 totalmente diferente do cen\u00e1rio oferecido pelo Saara ou pelo Rub’ Al Khali, na Pen\u00ednsula Ar\u00e1bica.<\/p>\n

Comparado a estes, o Carcross \u00e9 uma caixinha de areia. \u00c9 insignificante. Mede apenas 2,59 km quadrados, \u00e9 um dos poucos sistemas de dunas da Am\u00e9rica do Norte.<\/p>\n

“O deserto \u00e9 um enigma h\u00e1 muito tempo para n\u00f3s locais”, diz Keith Wolfe Smarch, membro da popula\u00e7\u00e3o ind\u00edgena que mora em Carcross, com 301 habitantes. O entalhador de madeira que v\u00ea as dunas a partir de sua oficina, usa a vista como inspira\u00e7\u00e3o para seu trabalho.<\/p>\n

\"Cabra
O Deserto de Carcross abriga uma variedade de vida selvagem, incluindo ovelhas e cabras da montanha<\/figcaption><\/figure>\n

“H\u00e1 muita vegeta\u00e7\u00e3o rara na beira do rio Carcross, mas um dia o deserto ir\u00e1 engoli-la. Ele determina a forma de nossa cidade.”<\/p>\n

Segundo Wolfe Smarch, a cidadezinha de Carcross foi fundada h\u00e1 4.500 anos no ponto em que os lagos Bennett e Nares se encontram. Esse acidente geogr\u00e1fico criou uma ponte natural de terra que, por sua vez, se tornou uma passagem improvisada durante migra\u00e7\u00f5es. “Grupos enormes de caribous (renas) cruzavam esse caminho”, diz Wolfe Smarch. “Como povos n\u00f4mades, tanto a tribo tlingit quanto a tagish acampavam ao lado do rio Natasaheen para ca\u00e7ar – ent\u00e3o o nome da cidade vem de um mistura de caribou com crossing [‘atravessar’ em ingl\u00eas]”.<\/p>\n

Conforme Carcross foi crescendo, o n\u00famero de visitas ao deserto \u00fanico de Yukon foi aumentando.<\/p>\n

Originalmente chamada de Naataase Heen (que literalmente significa ‘\u00e1gua descendo por caminhos estreitos’), Carcross era o tipo de cidade que passa batido. H\u00e1 igrejas pintadas de branco, um armaz\u00e9m que vende os mais variados artigos e cabanas enfeitadas com machados enferrujados e alces, restos da era Klondike, quando mineiros eram transportados de trem para as minas de ouro perto da cidade de Dawson e Atlin. Mas hoje a hist\u00f3ria est\u00e1 mudando.<\/p>\n

Para\u00edso esportivo<\/h2>\n

Amantes de v\u00e1rios esportes aproveitam das areias do deserto todo final de semana. No ver\u00e3o, dunas expostas s\u00e3o usadas como pistas por quadriciclos, sandboard e caminhadas, al\u00e9m de abrigarem ovelhas, cabras e veados. Conforme a neve cai, o deserto se torna algo completamente diferente, as dunas s\u00e3o tomadas por snowboarders, esquis e tobog\u00e3s.<\/p>\n

“Eu trago minhas crian\u00e7as para descer de tobog\u00e3 aqui, elas amam”, diz Jennifer Glyka, uma mulher que encontrei no restaurante da cidade. “Eu cresci em Yukon, mas ainda acho estranho descer uma duna de areia coberta de neve. Eu nunca havia ouvido falar desse lugar quando era crian\u00e7a.”<\/p>\n

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A cidade de Carcross foi encontrada h\u00e1 mais de 4 mil anos no ponto onde os lagos Bennett e Nares se encontram<\/figcaption><\/figure>\n

Mas o deserto Carcross leva uma vida dupla. Ele tamb\u00e9m \u00e9 o territ\u00f3rio de cientistas canadenses e ge\u00f3logos que querem desvendar seus segredos, descobrir como ele surgiu.<\/p>\n

Um desses especialistas \u00e9 a ge\u00f3loga Panya Lipovsky do Yukon Geological Survey. Ela tornou sua miss\u00e3o pesquisar a hist\u00f3ria do deserto e entende suas contradi\u00e7\u00f5es melhor que a maioria das pessoas. “Eu estudo sujeira”, disse ela, ali\u00e1s, quando nos encontramos no pr\u00e9dio do governo de Yukon em Whitehorse. “Eu tamb\u00e9m estudo desabamentos e dep\u00f3sitos de superf\u00edcies. E isso inclui desertos”.<\/p>\n

O deserto arrasou tudo<\/h2>\n

De acordo com Lipovsky, a g\u00eanese \u00fanica do deserto de Carcross \u00e9 o resultado de 10 mil anos de a\u00e7\u00e3o natural. O territ\u00f3rio de Yukon foi coberto de gelo na era conhecida como glacia\u00e7\u00e3o Wisconsiana McConnell, explica ela, h\u00e1 entre 11 mil e 24 mil anos atr\u00e1s. “Carcross tinha 1 km de gelo de cobertura”, diz ela. “Voc\u00ea simplesmente n\u00e3o consegue imaginar.”<\/p>\n

Conforme o gelo come\u00e7ou a derreter, peda\u00e7os come\u00e7aram a vagar para o sul, deixando a parte mais ao sul de Yukon com vales cheios de frestas. Lipovsky compara esses vales a canteiros de demoli\u00e7\u00e3o, depois que “o gelo arrasou tudo”. Com o tempo, enormes lagos foram formados nessas frestas e, quando o gelo condensava, o n\u00edvel das \u00e1guas ca\u00eda, criando praias e costas de areia entre os vales. Depois, a areia foi sugada por ventos fortes e empurrada para noroeste, dando origem a um dos mais inusitados desertos do mundo.<\/p>\n

“H\u00e1 uma ideia errada de que \u00e9 o resultado de um lago que secou, mas isso n\u00e3o \u00e9 verdade”, diz Lipovsky. “Ventos fortes continuam a assolar o lago Bennett hoje, soprando gr\u00e3os de areia fina nas dunas. Ent\u00e3o a combina\u00e7\u00e3o de vento, \u00e1gua e era do Gelo criaram uma gama distinta de circunst\u00e2ncias.”<\/p>\n

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O artista ind\u00edgena Keith Wolfe Smarch usa o deserto de Carcross como inspira\u00e7\u00e3o para talhar madeira<\/figcaption><\/figure>\n

Outra inconsist\u00eancia \u00e9 a quest\u00e3o da classifica\u00e7\u00e3o. Para ser categorizado, cientificamente, como um deserto \u00e1rido, \u00e9 preciso ter menos de 250 mm de precipita\u00e7\u00e3o anual; desertos semi\u00e1ridos t\u00eam entre 250 mm e 500 mm. Essa \u00e9 a categoria na qual o deserto Carcross se encaixa, apesar da sombra chuvosa das montanhas que o cercam.<\/p>\n

“Voc\u00ea certamente pode cham\u00e1-lo de deserto \u00famido”, diz Lipovsky. “Mas com tanta areia e sedimentos soprados para c\u00e1, a vegeta\u00e7\u00e3o n\u00e3o tem chance de se regenerar. \u00c9 um sistema realmente din\u00e2mico.”<\/p>\n

Apesar de tantas contradi\u00e7\u00f5es, o que n\u00e3o \u00e9 debatido \u00e9 o espanto e a incredulidade que o deserto inspira. Conforme voc\u00ea entra nele, o mist\u00e9rio se aprofunda, com silhuetas fantasmag\u00f3ricas de areia. E h\u00e1 sempre surpresas \u00e0 espreita. Plantas como junco e tremoceiro florescem no ver\u00e3o. Moscas e mariposas cruzam os c\u00e9us. Cinco novas esp\u00e9cimes de gnorimoschema, uma esp\u00e9cie da fam\u00edlia das mariposas, foram descobertas. E a probabilidade \u00e9 que existam mais.<\/p>\n

Toda essa beleza em um dos ambientes mais complexos e impiedosos do planeta \u00e9 dif\u00edcil de imaginar. Este n\u00e3o \u00e9 o Saara, o Gobi ou o Kalahari. Mas cada passo em suas dunas faz voc\u00ea perceber que este deserto tem seu pr\u00f3prio mundo de enigmas dentro de si.<\/p>\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"