{"id":146978,"date":"2018-10-01T03:07:29","date_gmt":"2018-10-01T06:07:29","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=146978"},"modified":"2018-09-30T22:13:05","modified_gmt":"2018-10-01T01:13:05","slug":"por-que-deveriamos-comer-medusa-para-salvar-os-oceanos","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2018\/10\/01\/146978-por-que-deveriamos-comer-medusa-para-salvar-os-oceanos.html","title":{"rendered":"Por que dever\u00edamos comer medusa para salvar os oceanos"},"content":{"rendered":"
Escondido entre as dunas do sudoeste da prov\u00edncia de\u00a0Buenos Aires, o povoado litor\u00e2neo de Monte Hermoso ferve de atividades: \u00e9 ver\u00e3o, e as praias do local transbordam de\u00a0turistas. Meninos e meninas correm pelo lugar, construindo castelos de areia, brincando com bolas e rindo. Mulheres e homens repousam sobre espregui\u00e7adeiras, suas peles reluzentes de protetor solar e lo\u00e7\u00f5es bronzeadoras. Aposentados e pensionistas caminham sem parar ao longo da linha costeira, conversando em animados grupos de dois, tr\u00eas e quatro.<\/p>\n
A cena n\u00e3o seria muito diferente de outros destinos de praia ao redor do mundo \u2014 por exemplo, M\u00e1laga, R\u00edmini ou Piri\u00e1polis \u2014 exceto por um detalhe espec\u00edfico: por mais que a temperatura suba, as \u00e1guas azuis profundas permanecem vazias. Banhistas, surfistas, caiaquistas: ningu\u00e9m est\u00e1 l\u00e1. O motivo \u00e9 simples: sob a superf\u00edcie do oceano, bancos de criaturas fantasmag\u00f3ricas e tentaculares aguardam. Em terra, a situa\u00e7\u00e3o pode parecer sob controle, mas aventurar-se apenas alguns passos dentro da \u00e1gua implica estar at\u00e9 o joelho em territ\u00f3rio de\u00a0medusas.<\/p>\n
A \u00e1gua-viva<\/strong><\/p>\n Olindias sambaquiensis<\/em>\u00a0\u00e9 um predador aqu\u00e1tico e transl\u00facido. Seu pequeno corpo chega normalmente a 9-10 cent\u00edmetros de di\u00e2metro e \u00e9 dotado de 38 tent\u00e1culos capazes de provocar uma queimadura dolorosa. \u00c9 uma das 689 esp\u00e9cies de medusas que habitam a regi\u00e3o sudoeste do oceano Atl\u00e2ntico; na Argentina, s\u00f3 se utiliza uma palavra para se referir a qualquer uma delas, sem distin\u00e7\u00e3o: \u00e1gua-viva.<\/p>\n Todo ver\u00e3o,\u00a0entre 500 e 1.000 casos de queimadura de medusa s\u00e3o registrados\u00a0em Monte Hermoso. \u00c9 o lugar do pa\u00eds em que a queimadura de medusa \u00e9 mais prov\u00e1vel, mas n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico. Os bancos de medusas obstru\u00edram redes de pesca, interromperam opera\u00e7\u00f5es de pesca marinha e provocaram breves momentos de p\u00e2nico em praias de lugares t\u00e3o diferentes como Inglaterra, Jap\u00e3o e o mar de Azov.<\/p>\n Em anos recentes, dezenas de\u00a0usinas nucleares\u00a0ao redor do globo tiveram de fechar suas opera\u00e7\u00f5es devido \u00e0\u00a0prolifera\u00e7\u00e3o espont\u00e2nea de medusas: os mesmos encanamentos que sugam \u00e1gua de refrigera\u00e7\u00e3o podem aspirar medusas em quantidades industriais. Os barcos de grande porte tamb\u00e9m ficam expostos a elas. Em 2006, o\u00a0USS Ronald Reagan<\/em>, um porta-avi\u00f5es nuclear, ficou momentaneamente fora de servi\u00e7o depois de atravessar um banco de medusas.<\/p>\n As medusas s\u00e3o um dos poucos vencedores naturais da mudan\u00e7a clim\u00e1tica, j\u00e1 que seu ciclo reprodutivo \u00e9 favorecido pelo aumento da temperatura nos ciclos oce\u00e2nicos<\/p>\n<\/div>\n<\/div>\n<\/section>\n As raz\u00f5es da explos\u00e3o<\/strong><\/p>\n A explos\u00e3o das medusas em todo o mundo\u00a0se deve a uma s\u00e9rie de fatores inter-relacionados. Uma das principais causas \u00e9 o excesso de pesca de seus predadores naturais, como o atum, o que ao mesmo tempo elimina a concorr\u00eancia pelo alimento e o espa\u00e7o de reprodu\u00e7\u00e3o. Em paralelo, diversas atividades humanas em regi\u00f5es costeiras tamb\u00e9m ajudam a explicar o fen\u00f4meno: ali onde enormes quantidades de nutrientes s\u00e3o jogados no mar (em forma de res\u00edduos agr\u00edcolas, por exemplo), produzindo grandes explos\u00f5es de popula\u00e7\u00f5es de algas e pl\u00e2nctons, que consomem o oxig\u00eanio da \u00e1gua e geram as denominadas zonas mortas.<\/p>\n N\u00e3o muitos peixes e mam\u00edferos aqu\u00e1ticos conseguem sobreviver nelas, mas as medusas sim, e al\u00e9m disso encontram no pl\u00e2ncton uma fonte de alimenta\u00e7\u00e3o abundante e ideal. Quando as popula\u00e7\u00f5es de medusas conseguem se estabelecer, as larvas de outras esp\u00e9cies acabam sendo parte do card\u00e1pio tamb\u00e9m, desequilibrando a cadeia tr\u00f3fica.<\/p>\n As medusas s\u00e3o, al\u00e9m disso, um dos poucos vencedores naturais da mudan\u00e7a clim\u00e1tica, j\u00e1 que seu ciclo reprodutivo \u00e9 favorecido pelo aumento da temperatura nos ciclos oce\u00e2nicos. Mas h\u00e1 mais fatores. Existem evid\u00eancias de que certas esp\u00e9cies de medusa se reproduzem com mais facilidade junto a estruturas costeiras artificiais, como molhes e p\u00ederes. Por isso, \u00e9 dif\u00edcil saber se os esfor\u00e7os para deter, ou at\u00e9 reverter a mudan\u00e7a clim\u00e1tica, representam uma solu\u00e7\u00e3o \u00e0 crescente presen\u00e7a de medusas nos mares, pelo menos enquanto continuem gerando problemas em ecossistemas costeiros e cadeias alimentares marinhas.<\/p>\n At\u00e9 agora houve v\u00e1rias tentativas para contrapor o efeito das medusas em v\u00e1rios lugares do mundo. Por exemplo, o uso de redes no Mediterr\u00e2neo,\u00a0trituradoras<\/em>\u00a0de a\u00e7o nas quilhas de porta-avi\u00f5es na China\u00a0e o uso de\u00a0rob\u00f4s assassinos<\/em>\u00a0de Coreia do Sul. Mas nenhuma dessas tentativas oferece uma solu\u00e7\u00e3o real para o problema: as redes acabam prendendo tudo que se move (colocando outras esp\u00e9cies marinhas em risco), e tanto os esfor\u00e7os chineses como os sul-coreanos focam mais na prote\u00e7\u00e3o de ativos estrat\u00e9gicos (barcos, usinas de energia) do que em abordar as causas sist\u00eamicas da prolifera\u00e7\u00e3o das medusas.<\/p>\n No entanto \u2014 e n\u00e3o muito longe de Monte Hermoso \u2014 um cientista elucubra uma ideia mais interessante: se queremos resolver o problema das medusas, temos de parar de v\u00ea-las como um mal, e come\u00e7ar a v\u00ea-las como comida.<\/p>\n O \u2018homem medusa\u2019<\/strong><\/p>\n \u201cSim, eu sou o homem medusa\u201d, brinca Agust\u00edn Schiariti em seu escrit\u00f3rio no\u00a0Instituto Nacional de Desenvolvimento Pesqueiro (INIDEP).<\/p>\n A sede central do INIDEP fica em mar del Plata, cidade portu\u00e1ria que \u00e9 tamb\u00e9m o destino de ver\u00e3o mais popular da Argentina, a algumas centenas de quil\u00f4metros a leste de Monte Hermoso. O pr\u00e9dio do instituto se eleva sobre um enorme quebra-mar que separa a base de submarinos da cidade da luxuosa faixa litor\u00e2nea conhecida como praia Grande. Nele dezenas de cientistas e estudantes de doutorado trabalham em projetos de ci\u00eancias marinhas aplicadas que v\u00e3o desde o controle por sat\u00e9lite do mar argentino at\u00e9 o desenvolvimento de programas piloto de pesca para esp\u00e9cies como o peixe-lim\u00e3o e o polvo. Aqui, no \u00e2mbito do\u00a0programa de Ecologias Pesqueiras, Schiariti lidera a investiga\u00e7\u00e3o sobre medusas.<\/p>\n Seu escrit\u00f3rio parece confirmar o apelido: fotos de esp\u00e9cies coloridas, mapas oce\u00e2nicos e notas rabiscadas com nomes cient\u00edficos de esp\u00e9cies e subesp\u00e9cies est\u00e3o pendurados nas paredes. Sobre a escrivaninha, uma medusa de pel\u00facia se apoia sobre a lateral de um monitor, e acima algumas dezenas de livros sobre o assunto descansam em uma prateleira.<\/p>\n