{"id":148382,"date":"2018-11-09T01:56:22","date_gmt":"2018-11-09T03:56:22","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=148382"},"modified":"2018-11-08T23:56:42","modified_gmt":"2018-11-09T01:56:42","slug":"os-sapos-da-caatinga-brasileira-que-ficam-enterrados-na-areia-sem-comer-por-mais-de-2-anos","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2018\/11\/09\/148382-os-sapos-da-caatinga-brasileira-que-ficam-enterrados-na-areia-sem-comer-por-mais-de-2-anos.html","title":{"rendered":"Os sapos da caatinga brasileira que ficam enterrados na areia sem comer por mais de 2 anos"},"content":{"rendered":"
\"Sapo
Sapo da esp\u00e9cie Pleurodema diploslister ap\u00f3s fen\u00f4meno chamado estiva\u00e7\u00e3o, que ocorre com anf\u00edbios em desertos e onde \u00e1gua \u00e9 escassa<\/figcaption><\/figure>\n

No entardecer de 17 de fevereiro de 1992, no munic\u00edpio de Angicos, na caatinga do Rio Grande do Norte, depois de uma chuva fraca durante o dia, o casal de pesquisadores do Instituto Butantan Carlos Jared e Marta Maria Antoniazzi presenciou um fato bizarro: sapos come\u00e7aram a brotar aos borbot\u00f5es do ch\u00e3o arenoso.<\/p>\n

Saltando a esmo, davam a impress\u00e3o de estar \u00e0 procura de po\u00e7as d’\u00e1gua para se alimentar e acasalar.<\/p>\n

Come\u00e7ava ali um longo trabalho de pesquisa dos dois, que se estende h\u00e1 quase tr\u00eas d\u00e9cadas, para entender um comportamento animal pouco conhecido – pelo menos do p\u00fablico leigo: a estiva\u00e7\u00e3o. Trata-se de um fen\u00f4meno semelhante \u00e0 conhecida hiberna\u00e7\u00e3o, s\u00f3 que causado pelo calor e a seca em vez do frio.<\/p>\n

Assim como os animais que hibernam – dos quais os ursos s\u00e3o os mais famosos -, os que estivam reduzem suas atividades metab\u00f3licas por um longo per\u00edodo, podendo chegar a mais de dois anos em algumas esp\u00e9cies.<\/p>\n

“\u00c9 um fen\u00f4meno que ocorre com v\u00e1rios anf\u00edbios que vivem em desertos ou em outros ambientes com escassez de \u00e1gua, ao menos tempor\u00e1ria”, explica Jared.<\/p>\n

“Semelhante \u00e0 hiberna\u00e7\u00e3o, induzida pelo frio excessivo, pode-se definir a estiva\u00e7\u00e3o como o estado de letargia em que esses animais entram em um longo sono, quando as condi\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas se tornam muito secas e quentes.”<\/p>\n

Levados por Jared a tamb\u00e9m estudar os anf\u00edbios da caatinga que estivam, os fisiologistas Carlos Navas, da Universidade de S\u00e3o Paulo (USP), e Jos\u00e9 Eduardo Carvalho, do campus de Diadema da Universidade Federal de S\u00e3o Paulo (Unifesp), come\u00e7aram seu trabalho na regi\u00e3o em 2007.<\/p>\n

“Nosso objetivo central era investigar quais mecanismos fisiol\u00f3gicos permitiam aos sapos daquela regi\u00e3o ocupar este ambiente aparentemente t\u00e3o in\u00f3spito para este grupo de vertebrados”, conta Carvalho.<\/p>\n

\"Carlos
‘Esses animais entram em um longo sono, quando as condi\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas se tornam muito secas e quentes’, diz Jared<\/figcaption><\/figure>\n

De acordo com ele, aos olhos de uma pessoa leiga, poderia parecer improv\u00e1vel que qualquer anf\u00edbio, tipicamente conhecidos por sua depend\u00eancia de locais \u00famidos e com maior disponibilidade de \u00e1gua, pudesse viver na caatinga.<\/p>\n

“Contudo, existem relatos j\u00e1 h\u00e1 bastante tempo da ocorr\u00eancia de anuros nesse bioma, e nosso trabalho foi no intuito de explorar as carater\u00edsticas que permitiam tal modo de vida”, explica. Apesar das condi\u00e7\u00f5es adversas, h\u00e1 mais de 40 esp\u00e9cies de anf\u00edbios nesse bioma.<\/p>\n

Ao longo dos 30 anos em que pesquisa esses animais na regi\u00e3o, Jared e Marta realizaram 15 expedi\u00e7\u00f5es cient\u00edficas, 10 das quais a locais de maior probabilidade de surpreender os animais em estiva\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

“Em todas elas realizamos escava\u00e7\u00f5es no leito de rios tempor\u00e1rios, com medidas de aproximadamente um metro de di\u00e2metro e profundidade variando em torno de 1,5 metro”, conta Jared.<\/p>\n

“Estudamos as esp\u00e9cies\u00a0Proceratophrys cristiceps<\/i>,\u00a0Pleurodema diplolister<\/i>\u00a0e\u00a0Physalaemus sp<\/i>, tanto enterradas durante os meses secos como ativas durante os \u00famidos.”<\/p>\n

Durante a seca, para se defender da desidrata\u00e7\u00e3o, os animais se enterram ou procuram micro-habitats, onde exista umidade e a temperatura se mantenha mais fria em rela\u00e7\u00e3o ao meio ambiente.<\/p>\n

\"Proceratophrys
Na seca, para se defender da desidrata\u00e7\u00e3o, os animais se enterram ou procuram micro-habitats com umidade e temperatura mais fria<\/figcaption><\/figure>\n

Entre os exemplos extremos desse comportamento est\u00e1 o sapo australiano\u00a0Neobatrachus aquilonius<\/i>, que, durante um m\u00eas de prepara\u00e7\u00e3o para a seca, secreta at\u00e9 45 camadas de pele, que formam um casulo, onde ele aguarda as chuvas e um clima mais ameno. Outra esp\u00e9cie, a\u00a0Scaphiopus couchii<\/i>, que vive em desertos norte-americanos, demora cerca de quatro horas para sair da dorm\u00eancia, quando perturbado.<\/p>\n

Os anf\u00edbios brasileiros que vivem na caatinga e estivam n\u00e3o chegam a tanto. Eles n\u00e3o entram num torpor t\u00e3o intenso quanto os sapos australianos e norte-americanos, mas ficam em um estado de depress\u00e3o fisiol\u00f3gica moderado, com queda pela metade do consumo de oxig\u00eanio – medida que indica o gasto de energia.<\/p>\n

Al\u00e9m disso, embora fiquem enterrados na areia, numa profundidade que pode chegar at\u00e9 1,80 m, ao serem encontrados e tocados, eles saltam de imediato, mostrando que seus m\u00fasculos n\u00e3o se atrofiam durante a estiva\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

“No caso de\u00a0Pleurodema diplolistris<\/i>, n\u00e3o encontramos diminui\u00e7\u00e3o significativa da fun\u00e7\u00e3o muscular”, diz Carvalho. “Os n\u00edveis de prote\u00edna muscular s\u00e3o mantidos praticamente inalterados, mesmo quando o animal passa longos per\u00edodos de inatividade enterrado sob o solo seco dos leitos do rios tempor\u00e1rios na caatinga.”<\/p>\n

Outras fun\u00e7\u00f5es de seus metabolismos sofrem altera\u00e7\u00f5es, no entanto. Durante a estiva\u00e7\u00e3o, o est\u00f4mago dos anf\u00edbios permanece vazio, o intestino encolhe e os ov\u00e1rios das f\u00eameas ficam cheios, prontos para liberar os \u00f3vulos assim que chova.<\/p>\n

“A medida que se realiza a escava\u00e7\u00e3o, os animais v\u00e3o sendo expostos e, independentemente da esp\u00e9cie, mostram-se inertes, envoltos por areia \u00famida, com postura fetal, sempre com os olhos fechados e os membros junto aos corpos”, informa.<\/p>\n

“Quando tocados e expostos \u00e0 luz do dia, respondem com reflexos de fuga, comumente expelindo pela cloaca a \u00e1gua estocada, que se espalha pela areia circundante. N\u00e3o existe agrega\u00e7\u00e3o, mas, muitas vezes, os indiv\u00edduos podem ser encontrados bem pr\u00f3ximos uns dos outros.”<\/p>\n

\"Homem
Com os conhecimentos adquiridos sobre os sapos dessas regi\u00f5es, uma das possibilidades que pesquisadores enxergam \u00e9 de ‘gerar ferramentas para um potencial desenvolvimento de tecnologias de aplica\u00e7\u00e3o m\u00e9dica para uso em humanos’<\/figcaption><\/figure>\n

Jared constatou ainda que, ao longo do per\u00edodo de seca, \u00e0 medida que a \u00e1gua da areia vai evaporando, eles v\u00e3o migrando gradativamente no sentido descendente. “Nesse contexto, a pele fina e delicada deve trabalhar, detectando rapidamente qualquer diminui\u00e7\u00e3o do n\u00edvel de umidade e fazendo com que o animal se movimente no sentido mais favor\u00e1vel”, diz.<\/p>\n

Mas nem sempre d\u00e1 certo e muitos n\u00e3o conseguem dar origem a nova gera\u00e7\u00e3o depois da estiva\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

“A fren\u00e9tica atividade desses animais pode, tamb\u00e9m, n\u00e3o ser recompensada, ficando dependente do volume das chuvas”, explica Jared. “\u00c9 comum, principalmente depois de chuvas de pouca intensidade, deparar-se com po\u00e7as secas, ou com sua \u00e1gua sendo evaporada rapidamente, mostrando girinos mortos ou agonizando.”<\/p>\n

Seja com for, entender como eles funcionam e como lidam com as condi\u00e7\u00f5es do ambiente ajuda os pesquisadores a compreender, por exemplo, de que forma as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas ir\u00e3o impactar n\u00e3o somente estes grupos de anuros, mas tamb\u00e9m outros animais.<\/p>\n

“Podemos ainda, com os conhecimentos adquiridos sobre os sapos dessas regi\u00f5es, gerar ferramentas para um potencial desenvolvimento de tecnologias de aplica\u00e7\u00e3o m\u00e9dica para uso em humanos”, prev\u00ea Carvalho.<\/p>\n

“Por exemplo, se entendermos de que forma esses anf\u00edbios regulam seu metabolismo e preservam suas capacidades musculares, podemos tentar transferir este conhecimento para aplica\u00e7\u00e3o m\u00e9dica e melhorar as condi\u00e7\u00f5es de pacientes que permanecem por longos per\u00edodos im\u00f3veis sobre os leitos e, invariavelmente, est\u00e3o sujeitos a atrofia muscular.”<\/p>\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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