{"id":150116,"date":"2019-01-31T12:00:02","date_gmt":"2019-01-31T14:00:02","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=150116"},"modified":"2019-01-30T22:55:12","modified_gmt":"2019-01-31T00:55:12","slug":"carl-von-martius-o-alemao-que-explorou-as-entranhas-do-brasil-e-batizou-nossa-natureza","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/01\/31\/150116-carl-von-martius-o-alemao-que-explorou-as-entranhas-do-brasil-e-batizou-nossa-natureza.html","title":{"rendered":"Carl von Martius, o alem\u00e3o que explorou as entranhas do Brasil e ‘batizou’ nossa natureza"},"content":{"rendered":"
\"Croqui
Alem\u00e3o explorou e mapeou natureza brasileira no s\u00e9culo 19, incluindo distrito destru\u00eddo por lama em Mariana (MG)<\/figcaption><\/figure>\n

No romance\u00a0Cem Anos de Solid\u00e3o<\/i>, o escritor Gabriel Garc\u00eda M\u00e1rquez descreve Macondo como um lugar t\u00e3o novo que as coisas careciam at\u00e9 de nome e precisavam ser apontadas com o dedo. Pois no Brasil do come\u00e7o do s\u00e9culo 19, a situa\u00e7\u00e3o n\u00e3o era muito diferente, pelo menos em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 exuberante natureza, at\u00e9 ent\u00e3o praticamente inexplorada.<\/p>\n

Nesse cen\u00e1rio, dois naturalistas b\u00e1varos, o bot\u00e2nico Carl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e o zo\u00f3logo Johann Baptist von Spix (1781-1826) desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, em 1817, justamente com essa miss\u00e3o: estudar e dar nome \u00e0s coisas. No caso, a natureza brasileira, cujo invent\u00e1rio estava praticamente inteiro por fazer. E conseguiram. Durante tr\u00eas anos, entre 1817 e 1820, eles percorreram mais de 14 mil quil\u00f4metros pelo interior do pa\u00eds naquela que \u00e9 considerada a maior expedi\u00e7\u00e3o cient\u00edfica de explora\u00e7\u00e3o da fauna brasileira at\u00e9 hoje.<\/p>\n

Mais de 22 mil esp\u00e9cies de plantas foram coletadas, estudadas e catalogadas. Segundo especialistas, \u00e9 quase a metade de todas as esp\u00e9cies da flora brasileira conhecidas at\u00e9 hoje. Os estudos de von Martius e von Spix foram t\u00e3o completos que devemos a eles a divis\u00e3o natural do territ\u00f3rio brasileiro em cinco biomas como conhecemos at\u00e9 hoje: Mata Atl\u00e2ntica, Amaz\u00f4nia, Caatinga, Cerrado e Pampa.<\/p>\n

\"T\u00c3\u00a1bula
Dupla coletou 22 mil esp\u00e9cies de plantas no s\u00e9culo 19, quase metade do que todas as esp\u00e9cies brasileiras conhecidas at\u00e9 hoje<\/figcaption><\/figure>\n

“Von Martius foi decisivo para a bot\u00e2nica brasileira. Al\u00e9m da maior classifica\u00e7\u00e3o da flora da nossa hist\u00f3ria, ele foi o respons\u00e1vel pela primeira organiza\u00e7\u00e3o fitogeogr\u00e1fica do pa\u00eds, que hoje chamamos de biomas e s\u00e3o utilizados, por exemplo, nos estudos do IBGE”, explica o historiador Pablo Diener, que, junto com a tamb\u00e9m historiadora e esposa, Maria de F\u00e1tima Costa, lan\u00e7aram recentemente o \u00e1lbum Martius (Editora Capivara, 376 p\u00e1ginas, R$ 195).<\/p>\n

No livro, os autores contam em detalhes os preparativos para a expedi\u00e7\u00e3o de von Martius e Spix, em Munique, no ent\u00e3o reino da Baviera, em 1815, onde viviam e eram ligados a institui\u00e7\u00f5es dedicadas \u00e0s ci\u00eancias naturais, como a Real Academia das Ci\u00eancias da Baviera e o Real Jardim Bot\u00e2nico de Munique. Na \u00e9poca, governantes europeus tinham interesse em enviar expedi\u00e7\u00f5es ao Brasil, ent\u00e3o Reino Unido de Portugal e Algarves, por raz\u00f5es cient\u00edficas e pol\u00edticas.<\/p>\n

\n
\"\u00c3\u0093leo
Expedi\u00e7\u00e3o pelo Brasil percorreu mais de 14 mil km e durou tr\u00eas anos<\/figcaption><\/figure>\n

“Tratava-se de um projeto com o qual o Estado b\u00e1varo buscava mostrar-se ao mundo como uma na\u00e7\u00e3o culta e fortalecida, atrav\u00e9s de um grande feito cient\u00edfico: uma expedi\u00e7\u00e3o”, diz um trecho do livro. “Buscava-se conhecer e explorar um pa\u00eds com famosas riquezas naturais, por\u00e9m ainda envoltas em aur\u00e9olas misteriosas, e sobre as quais as informa\u00e7\u00f5es eram cobi\u00e7adas pelas grandes institui\u00e7\u00f5es europeias.”<\/p>\n

Mas um projeto desses n\u00e3o era f\u00e1cil de executar e tampouco barato. Apesar de contarem com o apoio do rei da Baviera Maximiliano Jos\u00e9 I, a viagem s\u00f3 foi concretizada em 1817, ainda assim porque Maximiliano, que mantinha boas rela\u00e7\u00f5es com a \u00c1ustria, conseguiu uma carona para os dois cientistas na comitiva que levaria ao Brasil a arquiduquesa Maria Leopoldina da \u00c1ustria, para casar-se com o pr\u00edncipe Pedro I, futuro imperador do Brasil.<\/p>\n

No Brasil, meteram o p\u00e9 na estrada, ou melhor, pelos rios, estradas e caminhos abertos no meio da mata densa, em uma expedi\u00e7\u00e3o que duraria os tr\u00eas anos seguintes, coletando, estudando e registrando tudo o que viam pela frente. Eles partiram do Rio de Janeiro e passaram por Estados como S\u00e3o Paulo, Minas Gerais, Bahia, Piau\u00ed, Maranh\u00e3o, Par\u00e1 e Amazonas.<\/p>\n

Esses relatos se transformariam depois no livro\u00a0Viagem pelo Brasil<\/i>, onde ambos narram a jornada, que na maior parte do trajeto pode ser considerada uma aventura. Se hoje n\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil percorrer por terra mais de 14 mil quil\u00f4metros Brasil adentro, imagina naquela \u00e9poca em que pouco se conhecia do interior, com instrumentos prec\u00e1rios de orienta\u00e7\u00e3o e sobreviv\u00eancia e sem muita no\u00e7\u00e3o do que iriam encontrar pela frente.<\/p>\n

\"Desenho
Desenho feito por Eduard Poeppig e gravura de Hellmuth representado no livro<\/figcaption><\/figure>\n

No sert\u00e3o nordestino, por exemplo, von Martius descreve sua afli\u00e7\u00e3o ao atravessar a caatinga seca que, segundo ele, n\u00e3o passava de uma regi\u00e3o pobre de \u00e1guas e de florestas ralas: “cact\u00e1ceas de formas esquisitas defendem os seus \u00faltimos h\u00e1litos de vida com espinhos venenosos, brom\u00e9lias cujas folhas afuniladas \u00e0s vezes escondem um m\u00edsero gole de \u00e1gua turva.” Ele n\u00e3o esconde a afli\u00e7\u00e3o ao atravessar “caatingas medonhas” entre os rios Paragua\u00e7u e S\u00e3o Francisco, no come\u00e7o de 1818, assediado pela falta de \u00e1gua dia e noite.<\/p>\n

“Eles aprenderam a viajar viajando, sem uma rota definida e percorrendo espa\u00e7os que n\u00e3o tinham a menor ideia da exist\u00eancia”, explica Diener. Mas a sensibilidade do naturalista sabia diferenciar, pelo clima e tipo de vegeta\u00e7\u00e3o, quando adentravam em regi\u00f5es diferentes, o que ajudou na composi\u00e7\u00e3o posterior dos “reinos da flora” do pa\u00eds, como von Martius chamou os biomas brasileiros. Enquanto a Mata Atl\u00e2ntica era “exuberante e luxuosa”, a floresta amaz\u00f4nica, por sua impon\u00eancia, tinha uma aspecto “intimidante”. Em Minas Novas, em Minas Gerais, adentraram em uma regi\u00e3o de “\u00e1rvores baixas, de galhos retorcidos e folhagem larga”, que depois seria conhecida como Cerrado brasileiro.<\/p>\n

A rota era tra\u00e7ada de maneira emp\u00edrica e de acordo com o que iam encontrando pelo meio do caminho onde, al\u00e9m da flora e da fauna, tamb\u00e9m travaram contato com viajantes, comerciantes, popula\u00e7\u00f5es locais e, claro, \u00edndios, que tamb\u00e9m foram estudados.<\/p>\n

Uma passagem curiosa da comitiva \u00e9 pelo distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), palco da trag\u00e9dia ambiental ocorrida ap\u00f3s o rompimento de uma barragem de dejetos minerais em 2015. “Seguimos para o arraial de Bento Rodrigues e passamos a noite num rancho, onde, mais uma vez, desfrutamos da beleza da paisagem das montanhas do Cara\u00e7a”, descreveu von Martius.<\/p>\n

De volta a Munique, em 1820, uma das grandes preocupa\u00e7\u00f5es dos naturalistas b\u00e1varos era catalogar e publicar o quanto antes os resultados da viagem ao Brasil. A pressa era justificada: caso demorassem, outros naturalistas europeus, que tamb\u00e9m viajaram ao Brasil na mesma \u00e9poca, como o franc\u00eas Auguste de Saint-Hilaire, poderiam comprometer o pioneirismo dos b\u00e1varos.<\/p>\n

Em 1823, a dupla lan\u00e7ou o primeiro volume de\u00a0Viagem pelo Brasil<\/i>. Outros dois volumes seriam lan\u00e7ados em 1828 e 1831, mas sem a colabora\u00e7\u00e3o de Spix, j\u00e1 falecido. Pelo trabalho realizado na Am\u00e9rica do Sul, os dois naturalistas foram agraciados no seu retorno com t\u00edtulos de nobreza e incorporaram “von” aos seu nomes. Martius, ent\u00e3o, tornou-se von Martius.<\/p>\n

O mais importante trabalho publicado de von Martius viria depois com a\u00a0Flora Brasiliensis<\/i>\u00a0(Flora Brasileira), uma monumental obra dividida em 15 volumes e 40 partes publicados a partir de 1840 e dedicados \u00e0 flora brasileira. Parte da edi\u00e7\u00e3o s\u00f3 tornou-se vi\u00e1vel com ajuda financeira do imperador D. Pedro II, com quem von Martius trocava correspond\u00eancia e era um conhecido entusiasta das ci\u00eancias naturais. No total, s\u00e3o 22.767 esp\u00e9cies de plantas reunidas, descritas e analisadas.<\/p>\n

\"Gravura
Gravura de 1847 retrata o Rio Japur\u00e1, Prov\u00edncia do Rio Negro, na \u00e9poca de \u00e1guas baixas<\/figcaption><\/figure>\n

No decorrer dos anos em que estudou o Brasil, Martius contou com o aux\u00edlio de 65 cientistas, de v\u00e1rios pa\u00edses, para a elabora\u00e7\u00e3o dos volumes do\u00a0Flora<\/i>, cuja \u00faltima parte foi publicada bem depois da sua morte, em 1906. A troca de informa\u00e7\u00f5es e correspond\u00eancia com bot\u00e2nicos e estudiosos, inclusive do Brasil, o ajudaram a compor o mapa dos “reinos de flora”, os biomas brasileiros.<\/p>\n

“Os cientistas o ajudaram com informa\u00e7\u00f5es sobre lugares que ele conheceu pouco ou talvez nem conheceu, como os pampas”, explica Diener. “Ele tinha uma capacidade imensa de reunir e associar informa\u00e7\u00f5es sobre flora, fauna, clima, hidrografia e outros elementos da natureza para uma classifica\u00e7\u00e3o natural dos espa\u00e7os, que s\u00e3o os biomas”, completa o coautor de von Martius.<\/p>\n

“O interesse dele era enciclop\u00e9dico e estrondoso para a \u00e9poca. Quase metade das plantas brasileiras que conhecemos hoje no Brasil foram classificadas por von Martius”, explica Diener. No invent\u00e1rio elaborado pelo naturalista e os cientistas que o ajudaram na elabora\u00e7\u00e3o do\u00a0Flora<\/i>, Diener destaca os mais diversos tipos de palmeiras. “A palmeira \u00e9 a planta que define a paisagem do que ele chama de Am\u00e9rica Tropical”, completa o historiador.<\/p>\n

A grandiosidade da obra de von Martius e von Spix n\u00e3o o livraram de pol\u00eamicas, principalmente em rela\u00e7\u00e3o ao que eles consideravam “superioridade” do povo europeu, em especial em compara\u00e7\u00e3o com os \u00edndios e africanos. Essa pretensa superioridade, na vis\u00e3o deles, era decorrente do atraso em que viviam essas popula\u00e7\u00f5es em lugares como a Am\u00e9rica remota e a \u00c1frica. Em diversas cartas enviadas \u00e0 Europa eles exp\u00f5em esse eurocentrismo, algo comum entre os viajantes na \u00e9poca, de acordo com os especialistas.<\/p>\n

\"Historiador
Historiador Pablo Diener lan\u00e7ou junto com a tamb\u00e9m historiadora e esposa Maria de F\u00e1tima Costa o \u00e1lbum ‘Martius’<\/figcaption><\/figure>\n

Ao longo das d\u00e9cadas de estudos e relat\u00f3rios sobre o Brasil, von Martius, segundo os estudiosos da sua obra, foi perdendo aos poucos esse sentimento euroc\u00eantrico, deixando grandes contribui\u00e7\u00f5es para o estudo dos \u00edndios brasileiros, inclusive classifica\u00e7\u00f5es de idiomas dos nativos. “A primeira classifica\u00e7\u00e3o e organiza\u00e7\u00e3o dos grupos de l\u00ednguas ind\u00edgenas do Brasil foi feita por Martius”, diz Diener.<\/p>\n

“\u00c9 preciso compreender o contexto da \u00e9poca em que eles viviam para acreditarem nessa suposta superioridade europeia. Era muito comum os cientistas da Europa na \u00e9poca fazerem essa classifica\u00e7\u00e3o de ra\u00e7as, algo que hoje em dia, claro, n\u00e3o \u00e9 aceito”, explica o doutor em Hist\u00f3ria da Ci\u00eancia Waldir St\u00e9fano, professor do curso de Ci\u00eancias Biol\u00f3gicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie.<\/p>\n

Ele compara o legado de von Martius ao de outro naturalista famoso, o brit\u00e2nico Charles Darwin (1809-1882), pai da teoria da evolu\u00e7\u00e3o e autor do livro\u00a0A Origem das Esp\u00e9cies<\/i>. “A import\u00e2ncia de Martius para a bot\u00e2nica \u00e9 a mesma de Darwin para a origem das esp\u00e9cies”, afirma St\u00e9fano.<\/p>\n

Fonte: BBC<\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

No romance Cem Anos de Solid\u00e3o, o escritor Gabriel Garc\u00eda M\u00e1rquez descreve Macondo como um lugar t\u00e3o novo que as coisas careciam at\u00e9 de nome e precisavam ser apontadas com o dedo. Pois no Brasil do come\u00e7o do s\u00e9culo 19, a situa\u00e7\u00e3o n\u00e3o era muito diferente, pelo menos em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 exuberante natureza, at\u00e9 ent\u00e3o praticamente inexplorada. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":150117,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[1227,203,461],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150116"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=150116"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150116\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":150118,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150116\/revisions\/150118"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/150117"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=150116"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=150116"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=150116"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}