O ambientalista\u00a0Paulo Nogueira-Neto<\/b>\u00a0foi respons\u00e1vel pela cria\u00e7\u00e3o de 26 reservas, esta\u00e7\u00f5es ecol\u00f3gicas e outras unidades dedicadas \u00e0 prote\u00e7\u00e3o do meio ambiente. Entre 1974 e 1986, tornou-se o primeiro titular da Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), cargo equivalente ao atual minist\u00e9rio da \u00e1rea. Um dos criadores e professor titular do Departamento de Ecologia do Instituto de Bioci\u00eancias da Universidade de S\u00e3o Paulo (IB-USP), o bi\u00f3logo paulistano Nogueira-Neto morreu de fal\u00eancia m\u00faltipla dos \u00f3rg\u00e3os na segunda-feira (25\/02), em S\u00e3o Paulo, aos 96 anos. Membro da comiss\u00e3o da Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas (ONU) sobre ecologia, \u00e9 considerado o pai da pol\u00edtica ambiental brasileira.<\/p>\n
A bi\u00f3loga\u00a0Vera Imperatriz Fonseca<\/b>, do Instituto Tecnol\u00f3gico Vale, conta que, entre 1938 e 1946, Nogueira-Neto viajava para a Argentina de avi\u00e3o para visitar seu pai no ex\u00edlio, o ent\u00e3o deputado federal Paulo Nogueira Filho. L\u00e1 de cima, ele observava com preocupa\u00e7\u00e3o os 100 mil quil\u00f4metros quadrados de matas de arauc\u00e1ria que cobriam S\u00e3o Paulo e os estados da regi\u00e3o Sul darem lugar a vazios promovidos pelo desmatamento para a fabrica\u00e7\u00e3o de m\u00f3veis. Era ent\u00e3o um jovem estudante da Faculdade de Direito do Largo de S\u00e3o Francisco \u2013 na qual se formou em 1945 \u2013 manifestando o ambientalista em que se converteria ap\u00f3s tamb\u00e9m se graduar em hist\u00f3ria natural na USP, em 1959.<\/p>\n
A hist\u00f3ria foi compartilhada pelo pr\u00f3prio Nogueira-Neto com Fonseca. Contratada como professora em 1972 pelo Departamento de Zoologia do IB-USP, ela assumiu as aulas do professor na institui\u00e7\u00e3o a partir de 1974, quando ele foi convidado a ocupar a ent\u00e3o rec\u00e9m-criada Sema, instalada no Minist\u00e9rio do Interior. Ainda de acordo com a bi\u00f3loga, o interesse pela conserva\u00e7\u00e3o ambiental come\u00e7ou com a paix\u00e3o de Nogueira-Neto pelas abelhas, tema de pesquisa que ambos tinham em comum e no qual ele se tornou um dos mais destacados especialistas.<\/p>\n
\u201cEle come\u00e7ou a se interessar pelas abelhas ainda estudante de direito, quando conheceu a fazenda do seu sogro, pai de L\u00facia Ribeiro do Valle, m\u00e3e de seus tr\u00eas filhos, que morreu em 1995. L\u00e1 era praticada a apicultura e havia col\u00f4nias de abelhas sem ferr\u00e3o, as jata\u00eds [Tetragonisca angustula<\/i>]\u201d, disse Fonseca.<\/p>\n
\u201cEle ficou fascinado com aqueles animais, mas descobriu em suas pesquisas informais que se sabia muito pouco a respeito deles e de como garantir sua exist\u00eancia, passando a se interessar n\u00e3o s\u00f3 pelas abelhas, mas pelo ambiente em que viviam”, disse Fonseca. Naquele momento, de acordo com a bi\u00f3loga, a preocupa\u00e7\u00e3o com as florestas encontrara um sentido ainda mais amplo, envolvendo toda a vida impactada pela devasta\u00e7\u00e3o do meio ambiente.<\/p>\n
A preocupa\u00e7\u00e3o n\u00e3o era exagerada: hoje restam apenas 2% das florestas de arauc\u00e1ria avistadas do alto pelo jovem Nogueira-Neto nas d\u00e9cadas de 1930 e 1940. O bi\u00f3logo dedicou boa parte da vida para evitar que a mesma situa\u00e7\u00e3o se repetisse com a Amaz\u00f4nia e outros biomas brasileiros<\/p>\n
\u201cDesbravar florestas era motivo de orgulho, sinal de progresso. A pr\u00f3pria capital brasileira, Bras\u00edlia, foi constru\u00edda na d\u00e9cada de 1950 \u2013 sobre o Cerrado, bem no centro do pa\u00eds. \u00c0 \u00e9poca, a \u00e9tica que guiava a a\u00e7\u00e3o governamental era a de que o progresso humano tinha um valor t\u00e3o alto que n\u00e3o era necess\u00e1rio pensar nos demais seres vivos ou em outros elementos do ambiente\u201d, disse o bi\u00f3logo\u00a0Marcos Buckeridge<\/b>, atual diretor do IB-USP, presidente da Academia de Ci\u00eancias do Estado de S\u00e3o Paulo e coordenador do Programa Cidades Globais do Instituto de Estudos Avan\u00e7ados da USP.<\/p>\n
\u201cFoi contra essa l\u00f3gica que Nogueira-Neto trabalhou. Ele criou ou participou da cria\u00e7\u00e3o de diversos \u00f3rg\u00e3os do governo respons\u00e1veis pela conserva\u00e7\u00e3o da biodiversidade, esteve em reuni\u00f5es internacionais relacionadas \u00e0s quest\u00f5es sobre mudan\u00e7as clim\u00e1ticas, bioenergia e outros assuntos pertinentes ao ambientalismo, ainda na d\u00e9cada de 1980\u201d, disse Buckeridge. \u00c9 importante lembrar, diz, que a maior parte dessa atua\u00e7\u00e3o ocorreu sob o governo militar (1964-1985). \u201cIsso n\u00e3o impediu que Nogueira-Neto fosse um dos art\u00edfices da constru\u00e7\u00e3o da forma do governo brasileiro lidar com as quest\u00f5es ambientais\u201d, disse.<\/p>\n
O f\u00edsico\u00a0Jos\u00e9 Goldemberg<\/b>, secret\u00e1rio do Meio Ambiente em 1992 durante a Confer\u00eancia das Na\u00e7\u00f5es Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que ficou conhecida como Rio 92, e presidente da FAPESP entre 2016 e 2018, corrobora as informa\u00e7\u00f5es de Buckeridge. \u201cEm pleno regime militar, Nogueira-Neto foi suficientemente h\u00e1bil e corajoso para introduzir uma legisla\u00e7\u00e3o ambiental que j\u00e1 \u00e0 \u00e9poca era moderna no Brasil. Ela \u00e9 quem deu origem a toda a legisla\u00e7\u00e3o brasileira nessa \u00e1rea, um feito extraordin\u00e1rio. Trata-se de um legado incompar\u00e1vel, somando-se o fato de que Nogueira-Neto foi o grande respons\u00e1vel pela cria\u00e7\u00e3o de zonas protegidas da Amaz\u00f4nia”, disse Goldemberg.<\/p>\n
Nogueira-Neto e Goldemberg eram colegas desde a d\u00e9cada de 1970, como professores da USP, e come\u00e7aram uma colabora\u00e7\u00e3o anos mais tarde, no in\u00edcio da d\u00e9cada de 1980, quando o ambientalista integrou a Comiss\u00e3o Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Comiss\u00e3o Brundtland, da ONU. Presididos pela ent\u00e3o primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, os 23 membros da comiss\u00e3o tinham o objetivo de estudar a interface entre economia e meio ambiente e visitavam um pa\u00eds diferente a cada tr\u00eas meses, onde faziam audi\u00eancias p\u00fablicas sobre o tema. No Brasil, Nogueira-Neto convidou Goldemberg para fazer uma exposi\u00e7\u00e3o \u00e0 comiss\u00e3o sobre energia, que acabou baseando um cap\u00edtulo a respeito do assunto no documento Nosso Futuro Comum, um dos legados da Comiss\u00e3o Brundtland, que deu origem \u00e0 Rio 92.<\/p>\n
Ainda na d\u00e9cada de 1980, Nogueira-Neto contribuiu para que a ONU adotasse o conceito de desenvolvimento sustent\u00e1vel. Sua atua\u00e7\u00e3o foi decisiva na cria\u00e7\u00e3o de reservas e esta\u00e7\u00f5es ecol\u00f3gicas para proteger cerca de 3,2 milh\u00f5es de hectares de \u00e1reas de vegeta\u00e7\u00e3o nativa. Em 1984, foi um dos fundadores do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama); criou a Associa\u00e7\u00e3o de Defesa do Meio Ambiente (Ademasp), a mais antiga entidade de defesa do meio ambiente do pa\u00eds, em 1954; e integrou e presidiu numerosas outras entidades governamentais, como a Funda\u00e7\u00e3o Florestal, e n\u00e3o governamentais, como a SOS Mata Atl\u00e2ntica e o WWF Brasil. Escreveu nove livros sobre animais, meio ambiente e a respeito de sua trajet\u00f3ria intelectual<\/p>\n
Fonte: FAPESPsema<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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