{"id":150844,"date":"2019-03-11T12:00:31","date_gmt":"2019-03-11T15:00:31","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=150844"},"modified":"2019-03-10T23:24:43","modified_gmt":"2019-03-11T02:24:43","slug":"fim-das-abelhas-cidade-gaucha-de-cruz-alta-perdeu-20-das-colmeias","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/03\/11\/150844-fim-das-abelhas-cidade-gaucha-de-cruz-alta-perdeu-20-das-colmeias.html","title":{"rendered":"Fim das abelhas? Cidade ga\u00facha de Cruz Alta perdeu 20% das colmeias"},"content":{"rendered":"

O zumbido das abelhas n\u00e3o incomoda nem assusta o apicultor ga\u00facho Salvador Gon\u00e7alves, de 58 anos. Pelo contr\u00e1rio. Para o criador dos insetos produtores de mel h\u00e1 34 anos, o som o faz sentir em casa. “T\u00e1 no meio das abelhas para mim \u00e9 a mesma coisa de t\u00e1 no meio de gente”, diz. E \u00e9 por isso que o dia do ga\u00facho de Cruz Alta, munic\u00edpio localizado a 336 km ao noroeste de Porto Alegre, n\u00e3o pode come\u00e7ar sem uma visita ao api\u00e1rio logo cedo. “Tenho umas 50 caixas de m\u00e9is perto de casa. Chego de manh\u00e3 n\u00e3o tem uma (abelha), passa uns cinco minutos elas t\u00e3o tudo l\u00e1 me rodeando. Dou uma parada para conversar com elas, a\u00ed digo ‘voc\u00eas n\u00e3o v\u00e3o trabalhar hoje n\u00e3o?’, daqui a pouquinho j\u00e1 t\u00e3o tudo l\u00e1 trabalhando”, completa.<\/p>\n

“Comecei quando ganhei duas caixinhas (colmeias) de um amigo, fui tratando e acabei gostando da profiss\u00e3o, do trabalho da harmonia. Hoje tenho por volta de 400 caixas, \u00e9 de onde vem meu sustento”, lembra Salvador.<\/p>\n

Enquanto dirige sua caminhonete at\u00e9 a Feira dos Produtores de Cruz Alta, onde os apicultores da regi\u00e3o vendem mel, Salvador ri ao lembrar os bons momentos das quase quatro d\u00e9cadas de profiss\u00e3o. Para ele, as abelhas s\u00e3o insetos inteligentes, fi\u00e9is e at\u00e9 mesmo ciumentos. “Se chega uma pessoa estranha falando alto comigo pode se preparar porque daqui a pouco elas botam ela pra correr dali”, conta. Na feira, ele cumprimenta os parceiros de profiss\u00e3o e lamenta a maior crise j\u00e1 vivida pelos produtores locais de mel. “N\u00e3o d\u00e1 mais lucro, se continuar assim essa vai ser a \u00faltima gera\u00e7\u00e3o de apicultores”, conta.<\/p>\n

<\/a>A causa s\u00e3o os recorrentes casos de mortes em massa de abelhas. Em pouco mais de um m\u00eas cerca de 20% das colmeias de Alta Cruz foram totalmente perdidas e cerca de 100 milh\u00f5es de abelhas morreram \u2013 um quinto do total de abelhas mortas no pa\u00eds, segundo\u00a0levantamento da\u00a0Ag\u00eancia P\u00fablica<\/strong>\u00a0e\u00a0Rep\u00f3rter Brasil<\/em>.<\/p>\n

Com popula\u00e7\u00e3o de cerca de 60 mil pessoas, a economia de Cruz Alta baseia-se em um forte setor prim\u00e1rio, atrav\u00e9s, principalmente, da produ\u00e7\u00e3o de soja, uma das culturas que mais utiliza agrot\u00f3xico \u00e0 base de Fipronil. O inseticida \u00e9 um dos mais t\u00f3xicos para abelhas. Segundo os apicultores da regi\u00e3o, o veneno \u00e9 aplicado por pulveriza\u00e7\u00e3o a\u00e9rea, entrando em contato diretamente com os insetos. A maioria acaba morrendo na hora. As que sobrevivem ficam desorientadas e tentam voltar \u00e0 colmeia. Muitas n\u00e3o resistem ao caminho e as que conseguem acabam infectando toda a comunidade, que acaba exterminada em menos de um dia.<\/p>\n

Salvador \u00e9 o presidente da Associa\u00e7\u00e3o dos Apicultores de Cruz Alta (Apicruz), institui\u00e7\u00e3o com 47 anos de exist\u00eancia. Segundo ele, entre 2015 e 2016 ocorreu o primeiro surto significativo de mortalidade de abelhas na regi\u00e3o, com o abatimento de 810 colmeias. “Espalhei o que estava acontecendo para a imprensa, divulgamos muito e come\u00e7ou a diminuir os casos nos anos seguintes”, diz.<\/p>\n

Preju\u00edzo<\/h3>\n

Em dezembro do ano passado, segundo a Apicruz, um novo surto de mortes teve in\u00edcio. “Come\u00e7ou a cair uma grande quantidade de agrot\u00f3xico em cima do meio ambiente. Apareceram uns venenos muito bravos. Eles colocam de avi\u00e3o de manh\u00e3 e \u00e0 tarde as abelhas j\u00e1 come\u00e7am a aparecer mortas”, explica. Cerca de 1,5 mil colmeias foram totalmente perdidas em pouco mais de um m\u00eas, segundo os c\u00e1lculos da associa\u00e7\u00e3o. As mortes superam as 100 milh\u00f5es de abelhas apenas em Cruz Alta. “Na \u00faltima semana perdi 40 caixas de abelhas. Al\u00e9m do preju\u00edzo de largar o enxame, tive que jogar 400 quilos de mel fora, pois h\u00e1 risco de ter veneno no produto”, conta Salvador.<\/p>\n

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N\u00famero de apicultores em Cruz Alta caiu pela metade na \u00faltima d\u00e9cada, conta o presidente da Apicruz, Salvador Gon\u00e7alves. Preju\u00edzo com abatimento dos enxames \u00e9 a principal causa<\/figcaption><\/figure>\n

Em m\u00e9dia, o quilo de mel \u00e9 vendido por 20 reais. Com isso, de uma vez s\u00f3, o apicultor teve preju\u00edzo de R$ 8 mil reais apenas com o produto.<\/p>\n

Cruz Alta \u00e9 um forte polo de produ\u00e7\u00e3o de mel. O produto \u00e9 vendido diariamente na Feira dos Produtores, e, todo m\u00eas de maio, a Prefeitura junto a Apicruz promovem a Feira do Mel, que neste ano estar\u00e1 na 43\u00aa Edi\u00e7\u00e3o. O evento atrai turistas e apicultores de todo estado ao Cal\u00e7ad\u00e3o do munic\u00edpio, principal ponto comercial da pequena cidade.<\/p>\n

Por\u00e9m, com as baixas no n\u00famero de abelhas, os produtores temem pelo futuro da festa. A Apicruz perdeu metade dos seus associados de duas d\u00e9cadas atr\u00e1s. Hoje s\u00e3o apenas 20. “\u00c9 um trabalho dif\u00edcil, esse de apicultor. Cada vez menos gente quer, ainda mais com esses preju\u00edzos que estamos levando. Se continuar assim n\u00e3o sei o que vai ser da nossa produ\u00e7\u00e3o de mel no futuro”, relata Salvador.<\/p>\n

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No Brasil, das 141 esp\u00e9cies de plantas cultivadas para alimenta\u00e7\u00e3o humana e produ\u00e7\u00e3o animal, 60% dependem da poliniza\u00e7\u00e3o da abelha<\/figcaption><\/figure>\n

Al\u00e9m do impacto na produ\u00e7\u00e3o de mel, os apicultores temem tamb\u00e9m pelo impacto no meio ambiente. As abelhas s\u00e3o os principais polinizadores existentes. No Brasil, das 141 esp\u00e9cies de plantas cultivadas para alimenta\u00e7\u00e3o humana e produ\u00e7\u00e3o animal, cerca de 60% dependem em certo grau da poliniza\u00e7\u00e3o deste inseto. “A Apicruz faz um trabalho de recolhimento de colmeias em \u00e1reas urbanas. Recebemos a liga\u00e7\u00e3o, muitas vezes porque as pessoas est\u00e3o sendo picadas, e vamos ao local. Agora, passamos a perceber que esses casos est\u00e3o diminuindo cada vez mais”.<\/p>\n

<\/a>Pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul Aroni Sattler em 2018, com coletas sendo feitas tamb\u00e9m inclusive no munic\u00edpio de Cruz Alta, mostraram que cerca de 80% ingeriram ou tiveram contato com Fipronil antes de sucumbir.<\/p>\n

<\/a>Um motivo para o sil\u00eancio: apicultores dividem terras<\/h3>\n

Os apicultores de Cruz Alta n\u00e3o s\u00e3o propriet\u00e1rios de terras. Eles fazem acordos com produtores de soja, que cedem espa\u00e7o nas lavouras para que sejam instaladas as caixas. Com isso, os dois lados ganham. Os apicultores recebem espa\u00e7o para produzir, e as agricultores veem a qualidade da planta\u00e7\u00e3o de soja melhorar com a presen\u00e7a de polinizadores.<\/p>\n

Por\u00e9m, esse acordo tamb\u00e9m cria uma rela\u00e7\u00e3o que dificulta as den\u00fancias de uso exagerado de agrot\u00f3xicos. “Estamos com nossas caixas l\u00e1 nas terras deles. Se denunciamos ou reclamarmos, eles mandam a gente tirar nossas abelhas dali e ficamos sem lugar para trabalhar”, conta Salvador.<\/p>\n

Quem tamb\u00e9m est\u00e1 passando por preju\u00edzo \u00e9 o apicultor Almiro Hurback, de 66 anos. Dono de 80 caixas de abelha, ele perdeu 25% de toda a cria\u00e7\u00e3o em pouco mais de um m\u00eas. “Minha ideia \u00e9 n\u00e3o investir mais. A gente trabalha o ano todo, a\u00ed na \u00e9poca de colher n\u00e3o tem retorno. Nosso gasto \u00e9 grande, organizamos as colmeias, passamos cera, colocamos pasta, a\u00ed chega a \u00e9poca do retorno e n\u00e3o conseguimos tirar um fardo de mel de 40 colmeias”, conta.<\/p>\n

Almiro e Salvador tentam conversar com produtores de soja da regi\u00e3o, e pedem que eles invistam em venenos biol\u00f3gicos, que n\u00e3o s\u00e3o letais a abelhas. “A gente fala, eles mudam, a\u00ed depois voltam pro Fipronil. N\u00e3o h\u00e1 muito o que fazer”, explica Almiro.<\/p>\n

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O apicultor Almiro Hurback perdeu 25% da produ\u00e7\u00e3o de abelhas nos \u00faltimos dois meses: “minha ideia \u00e9 n\u00e3o investir mais”<\/figcaption><\/figure>\n

A Apicruz e o Sindicato Rural de Cruz Alta, que representa os produtores rurais do munic\u00edpio, marcaram para abril encontros e reuni\u00f5es entre os apicultores e os agricultores. O objetivo \u00e9 encontrar um acordo para a redu\u00e7\u00e3o dos agrot\u00f3xicos que n\u00e3o prejudique nenhum dos dois lados.<\/p>\n

“N\u00e3o queremos que as abelhas morram, ainda mais porque h\u00e1 agricultores que tamb\u00e9m s\u00e3o apicultores, mas tamb\u00e9m n\u00e3o podemos simplesmente parar de usar os agrot\u00f3xicos”, relata Daniel Jobim, presidente do Sindicato Rural.<\/p>\n

Produtores de soja da cidade est\u00e3o arredios com as acusa\u00e7\u00f5es que ligam o uso dos agrot\u00f3xicos com a mortandade de abelhas. “H\u00e1 uma suspeita muito forte de que as mortes ocorreram pelo uso de inseticidas, mas h\u00e1 tamb\u00e9m muita acusa\u00e7\u00e3o, muito dedo na cara vindo dos \u00f3rg\u00e3os e da imprensa”, acrescenta Daniel. Questionado sobre a pulveriza\u00e7\u00e3o a\u00e9rea de agrot\u00f3xicos \u00e0 base de Fipronil, o presidente do Sindicato Rural afirma n\u00e3o ter conhecimento sobre os casos.<\/p>\n

Os apicultures reuniram fotos, v\u00eddeos e publica\u00e7\u00f5es sobre a mortandade para entrar com uma den\u00fancia pelo Minist\u00e9rio P\u00fablico, o que ainda n\u00e3o foi feita. Atualmente eles discutem o melhor rumo de a\u00e7\u00e3o. “N\u00e3o sei se ia ter retorno, o mercado da soja \u00e9 muito forte”, explica Salvador.<\/p>\n

Para manter o trabalho como produtor de mel, ele pensa at\u00e9 em deixar o munic\u00edpio. “A \u00fanica sa\u00edda \u00e9 ir para regi\u00e3o de fronteira, quase na costa do Uruguai. \u00c9 um lugar de muito campo, muito gado. Soja n\u00e3o entra e nem vai entrar. L\u00e1 d\u00e1 para continuar, porque aqui n\u00e3o tem jeito n\u00e3o”, desabafa.<\/p>\n

“Tem gente que gosta de pescar, tem gente que gosta de andar de cavalo. Para n\u00f3s abelha \u00e9 uma distra\u00e7\u00e3o. Me faz sentir conectado com o mundo, com o meio ambiente”.<\/p>\n

Como funciona a cria\u00e7\u00e3o de abelhas<\/strong><\/p>\n

Se hoje a apicultura est\u00e1 marcada pelos preju\u00edzos de enxames, h\u00e1 d\u00e9cadas o ramo era conhecida como um meio de trabalho onde n\u00e3o havia perdas. Era poss\u00edvel lucrar com quase tudo que a abelha produzia. Al\u00e9m do mel, pode ser vendido a geleia real, o pr\u00f3polis, que tem propriedade anti-inflamat\u00f3rias, a cera de abelha, utilizada na ind\u00fastria cosm\u00e9tica, e at\u00e9 mesmo o veneno da picada, usado na composi\u00e7\u00e3o de diversos rem\u00e9dios.<\/p>\n

H\u00e1 tamb\u00e9m aqueles que criam os insetos para vend\u00ea-los para produtores rurais. Isso porque quando as colmeias s\u00e3o instaladas em lavouras a qualidade e quantidade da colheita aumenta.<\/p>\n

O apicultor constr\u00f3i caixas de madeira para abrigar as colmeias e depois retirar a produ\u00e7\u00e3o das abelhas com maior facilidade. Todo contato com as abelhas tem que ser feito usando roupa adequada \u2013 o macac\u00e3o de apicultura.<\/p>\n

Quanto mais culturas estiverem florescendo na regi\u00e3o, maior ser\u00e1 a produ\u00e7\u00e3o de mel. Por isso, a primavera e ver\u00e3o s\u00e3o as esta\u00e7\u00f5es em que os apicultores t\u00eam melhores colheitas. Em \u00e9pocas de inverno intenso, com bastante frio e chuva, os produtores t\u00eam que alimentar as abelhas para impedir que os enxames morram. “A alimenta\u00e7\u00e3o delas \u00e9 mel e p\u00f3len, a\u00ed vamos de manh\u00e3 fazer a aplica\u00e7\u00e3o para garantir que elas aguentem o inverno”, diz o presidente da Apicruz.<\/p>\n

Na \u00e9poca da colheita, cada apicultor consegue retirar em torno de 12 quilos de mel de cada caixa por quinzena, a depender do tamanho.<\/p><\/blockquote>\n

Fonte:\u00a0 Pedro Grigori, Ag\u00eancia P\u00fablica\/Rep\u00f3rter Brasil<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Apicultores dizem que crise come\u00e7ou no final do ano passado com uso desenfreado de agrot\u00f3xicos. Cerca de 100 milh\u00f5es de abelhas morreram na cidade, um quinto do total de abelhas mortas no pa\u00eds
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