{"id":150847,"date":"2019-03-11T01:00:03","date_gmt":"2019-03-11T04:00:03","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=150847"},"modified":"2019-03-10T23:29:11","modified_gmt":"2019-03-11T02:29:11","slug":"crise-na-venezuela-poe-povo-indigena-na-amazonia-sob-pressao","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/03\/11\/150847-crise-na-venezuela-poe-povo-indigena-na-amazonia-sob-pressao.html","title":{"rendered":"Crise na Venezuela p\u00f5e povo ind\u00edgena na Amaz\u00f4nia sob press\u00e3o"},"content":{"rendered":"
\"Integrantes
Integrantes da etnia ind\u00edgena waimiri-atroari relatam sobre os crimes dos quais foram alvo na ditadura brasileira<\/figcaption><\/figure>\n

“Eu perdi meu pai, minha m\u00e3e, meu irm\u00e3o e minha irm\u00e3. Sou o \u00fanico sobrevivente da fam\u00edlia”. A frase foi dita no \u00faltimo dia 27 de fevereiro por Bare Bornaldo Waimiri, um idoso da etnia ind\u00edgena waimiri-atroari, origin\u00e1ria da Amaz\u00f4nia. Bornaldo foi um dos poucos integrantes de seu povo que sobreviveu ao esfor\u00e7o de “desenvolvimento nacional” da ditadura brasileira na divisa entre o norte do Amazonas e o sul de Roraima.<\/p>\n

Seu depoimento foi dado \u00e0 3\u00aa Vara da Justi\u00e7a Federal no Amazonas, em uma a\u00e7\u00e3o na qual o Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal (MPF) busca repara\u00e7\u00e3o, por parte do Estado brasileiro, aos danos infligidos aos waimiri-atroari nos anos 1960 e 1970.<\/p>\n

Por coincid\u00eancia, no mesmo dia em que Bornaldo e outros ind\u00edgenas prestaram seu depoimento, o Estado brasileiro tomou uma decis\u00e3o vista por observadores como a mais taxativa contra este povo em muito tempo. Para acelerar o licenciamento de uma obra que passa pela Terra Ind\u00edgena Waimiri Atroari, o governo Jair Bolsonaro decretou que a interliga\u00e7\u00e3o el\u00e9trica entre Manaus e Boa Vista \u00e9 parte da “Pol\u00edtica de Defesa Nacional”.<\/p>\n

O decreto de Bolsonaro est\u00e1 inserido no acirramento da crise pol\u00edtica na Venezuela. Dez dos 15 munic\u00edpios de Roraima s\u00e3o abastecidos pela linha de transmiss\u00e3o da usina hidrel\u00e9trica de Guri, na Venezuela. A depend\u00eancia da energia venezuelana incluiu no cotidiano de Roraima apag\u00f5es e interrup\u00e7\u00f5es no fornecimento de energia. Apenas em 2018, foram 85 epis\u00f3dios, 72 deles provocados por falhas na transmiss\u00e3o da Venezuela.<\/p>\n

Como o estado \u00e9 o \u00fanico n\u00e3o conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), atualmente a \u00fanica alternativa para Roraima \u00e9 o acionamento das quatro termel\u00e9tricas movidas a diesel no estado, mais caras e mais poluentes. Em setembro, a Ag\u00eancia Nacional de Energia El\u00e9trica estimou que o funcionamento das t\u00e9rmicas durante todo o ano para suprir Roraima custaria R$ 1,2 bilh\u00e3o.<\/p>\n

Este cen\u00e1rio preocupa pol\u00edticos locais, que alertam n\u00e3o apenas sobre os \u00f3bvios transtornos \u00e0 popula\u00e7\u00e3o, mas para o atraso econ\u00f4mico provocado. “O Estado est\u00e1 ilhado, na imin\u00eancia de ficar no escuro”, afirma a deputada federal Sh\u00e9ridan Oliveira (PSDB-RR). “A conex\u00e3o ao SIN \u00e9 imprescind\u00edvel.”<\/p>\n

Para remediar a situa\u00e7\u00e3o, o governo brasileiro licitou em 2011 o chamado Linh\u00e3o de Tucuru\u00ed, que faz a interliga\u00e7\u00e3o el\u00e9trica entre Manaus e Boa Vista. O plano \u00e9 que o empreendimento passe \u00e0s margens da BR-174, obra da ditadura.<\/p>\n

As 1,4 mil torres da linha se estender\u00e3o por 715 quil\u00f4metros, sendo que cerca de 300 delas cortar\u00e3o a TI Waimiri Atroari. O linh\u00e3o, de responsabilidade do cons\u00f3rcio Transnorte Energia (formado por Alupar e Eletronorte), n\u00e3o saiu do papel por falta de licenciamento ambiental. A paralisia sublinha a tensa rela\u00e7\u00e3o entre o Estado brasileiro e os povos ind\u00edgenas.<\/p>\n

Disputa judicial<\/strong><\/p>\n

O licenciamento ambiental do linh\u00e3o foi suspenso pela Justi\u00e7a pela primeira vez em 2013. Na \u00e9poca, o MPF argumentou que o tra\u00e7ado foi definido sem consulta pr\u00e9via aos waimiri-atroari e sem a realiza\u00e7\u00e3o de estudos para buscar trajetos alternativos.<\/p>\n

Desde ent\u00e3o, os ind\u00edgenas lutam pelo direito de serem consultados. A base para a reivindica\u00e7\u00e3o \u00e9 a Conven\u00e7\u00e3o 169 da Organiza\u00e7\u00e3o Internacional do Trabalho, aprovada pelo Congresso brasileiro em 2002. O acordo determina que os governos signat\u00e1rios devem consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados, quando medidas administrativas puderem “afet\u00e1-los diretamente”.<\/p>\n

Para o MPF, os governos Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro t\u00eam tentando fugir desta obriga\u00e7\u00e3o. “Ao longo do tempo, vemos uma tentativa de atropelar os processos legais, de fazer valer o empreendimento independentemente da consulta aos ind\u00edgenas e de tentar transformar qualquer di\u00e1logo em arremedo de consulta para meramente homologar essa defini\u00e7\u00e3o”, afirma o procurador Julio Jos\u00e9 Araujo Junior, coordenador do grupo de trabalho Povos Ind\u00edgenas e Regime Militar do MPF. An\u00fancios de licenciamento sem a anu\u00eancia dos ind\u00edgenas, fracionamento do licenciamento e “jabutis” em Medidas Provis\u00f3rias estariam entre essas iniciativas.<\/p>\n

Mais recentemente, a Justi\u00e7a Federal em Manaus determinou \u00e0 Eletronorte que parasse de pressionar os ind\u00edgenas utilizando o Programa Waimiri Atroari. O PWA, como \u00e9 conhecido, foi elaborado em 1987 para compensar os impactos socioambientais provocados pela constru\u00e7\u00e3o da hidrel\u00e9trica de Balbina que, entre outras coisas, alagou parte significativa do territ\u00f3rio desse povo. A estatal queria condicionar a libera\u00e7\u00e3o dos valores ligados a Balbina \u00e0 aceita\u00e7\u00e3o, por parte dos ind\u00edgenas, da constru\u00e7\u00e3o do linh\u00e3o.<\/p>\n

Segundo o procurador Ara\u00fajo Junior, o decreto de Bolsonaro \u00e9 uma tentativa ainda mais incisiva de “atropelar” a possibilidade de di\u00e1logo. “\u00c9 uma etapa avan\u00e7ada de tentar fazer prevalecer um certo interesse, chamado de nacional, mas em abstrato, sobre o direito fundamental daquelas comunidades, praticando novamente viol\u00eancias e se valendo de uma viola\u00e7\u00e3o anterior”, afirma.<\/p>\n

\"Fronteira
Fronteira Brasil-Venezuela: s\u00f3 em 2018, Roraima, que depende da energia do pa\u00eds de Maduro, teve 85 apag\u00f5es<\/figcaption><\/figure>\n

 <\/p>\n<\/div>\n

Ataques qu\u00edmicos e bombardeios<\/strong><\/p>\n

A viola\u00e7\u00e3o anterior a que o procurador se refere \u00e9 a pr\u00f3pria constru\u00e7\u00e3o da BR-174. Segundo a Comiss\u00e3o Nacional da Verdade, o governo militar criou em 1968 um plano de a\u00e7\u00e3o para possibilitar a invas\u00e3o do territ\u00f3rio waimiri-atroari e a execu\u00e7\u00e3o de projetos econ\u00f4micos, incluindo a rodovia. Em larga medida, a empreitada era uma opera\u00e7\u00e3o de guerra.<\/p>\n

Em dezembro de 1974, em meio \u00e0 ofensiva estatal, os waimiri-atroari mataram quatro funcion\u00e1rios da Funai. Em 6 janeiro de 1975, o sertanista Sebasti\u00e3o Am\u00e2ncio anunciou ao jornal\u00a0O Globo<\/em>\u00a0a resposta do governo brasileiro: seria realizada uma “demonstra\u00e7\u00e3o de for\u00e7a dos civilizados”, que envolveria a utiliza\u00e7\u00e3o de bombas, dinamites, rajadas de metralhadoras e o confinamento de lideran\u00e7as ind\u00edgenas. At\u00e9 bombardeios qu\u00edmicos foram realizados, segundo a CNV.<\/p>\n

Bornaldo sobreviveu a um desses ataques. Segundo ele, integrantes de sua aldeia estavam trabalhando na ro\u00e7a quando uma aeronave despejou veneno sobre as malocas. As pessoas sentiam calor extremo, tontura e tinham dificuldade para andar. Muitas morreram na hora, como seus familiares.<\/p>\n

Na a\u00e7\u00e3o civil p\u00fablica em que o MPF cobra o Estado brasileiro por essas viola\u00e7\u00f5es, os procuradores v\u00e3o al\u00e9m da apura\u00e7\u00e3o feita pela CNV e indicam que a subst\u00e2ncia qu\u00edmica usada na Amaz\u00f4nia era Napalm, famigerada arma qu\u00edmica empregada pelos Estados Unidos no Vietn\u00e3.<\/p>\n

O a\u00e7\u00e3o da ditadura, bem como as doen\u00e7as levadas pelos n\u00e3o \u00edndios, vitimou os waimiri-atroari. Recenseados pela Funai, eram 3 mil em 1972. Em 1983, apenas 350 estavam vivos. No ano anterior, o governo autorizou a atua\u00e7\u00e3o de mineradoras na \u00e1rea. Uma delas, a Paranapanema, tinha licen\u00e7a para contratar um grupo paramilitar chamado Sacop\u00e3. Era uma organiza\u00e7\u00e3o especializada em “limpar a selva”.<\/p>\n

Iniciativas realizadas ap\u00f3s o fim da ditadura, como o PWA, ajudaram a salvar os waimiri-atroari. Hoje eles s\u00e3o 2.090 pessoas, espalhadas em 49 aldeias.<\/p>\n

Sil\u00eancio sobre os\u00a0<\/strong>waimiri-atroari<\/strong><\/p>\n

Atualmente, o cons\u00f3rcio Transnorte Energia realiza, com a anu\u00eancia dos waimiri-atroari, o plano b\u00e1sico ambiental ind\u00edgena, um dos passos iniciais do licenciamento. Depois disso, os waimiri-atroari v\u00e3o se posicionar sobre a obra.<\/p>\n

Ainda que o processo esteja em curso, o decreto do governo Bolsonaro pretende aceler\u00e1-lo de forma unilateral. “As quest\u00f5es ambientais ser\u00e3o consideradas, mas estar\u00e3o num bojo maior, o da soberania nacional”, afirmou em 27 de fevereiro o porta-voz da Presid\u00eancia da Rep\u00fablica, general Ot\u00e1vio R\u00eago de Barros.<\/p>\n

Bolsonaro ainda n\u00e3o se pronunciou especificamente sobre o caso waimiri-atroari, mas \u00e9 conhecido pelo discurso hostil contra os ind\u00edgenas. Em 1998, lamentou que o Ex\u00e9rcito brasileiro n\u00e3o tenha repetido o americano e dizimado os povos locais. Durante a elei\u00e7\u00e3o, falou sobre reduzir as terras ind\u00edgenas e for\u00e7ar a integra\u00e7\u00e3o de alguns povos, vistos como obst\u00e1culos ao agroneg\u00f3cio e \u00e0 minera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Para a deputada Sh\u00e9ridan Oliveira, o desafio do Planalto \u00e9 contemplar todos os atores envolvidos. “O governo sabe que existem etapas a serem conclu\u00eddas e precisa atender \u00e0s necessidades de Roraima, mas sem passar por cima dos direitos ind\u00edgenas”, afirma.<\/p>\n

O procurador Ara\u00fajo J\u00fanior, por sua vez, alerta para uma reedi\u00e7\u00e3o de erros anteriores. “Temos visto a repeti\u00e7\u00e3o de certos procedimentos e certos modos, tanto de encarar a tem\u00e1tica ind\u00edgena quanto de compreender o que \u00e9 interesse nacional e desenvolvimento”, afirma. “Vira e mexe surgem situa\u00e7\u00f5es para atropelar os waimiri-atraori, mas eles sempre estiveram dispostos a dialogar”, diz.<\/p>\n

Fonte: Deutsche Welle<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Roraima depende de energia venezuelana, mas obra decisiva passa por terra ind\u00edgena. Decreto de Bolsonaro quer acelerar licenciamento em \u00e1rea de povo que sofreu at\u00e9 ataques qu\u00edmicos na ditadura. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":150848,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[35,34,1126],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150847"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=150847"}],"version-history":[{"count":2,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150847\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":150850,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/150847\/revisions\/150850"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/150848"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=150847"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=150847"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=150847"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}