{"id":151494,"date":"2019-04-15T01:00:03","date_gmt":"2019-04-15T04:00:03","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=151494"},"modified":"2019-04-14T20:23:20","modified_gmt":"2019-04-14T23:23:20","slug":"o-que-as-abelhas-podem-ensinar-aos-economistas-sobre-o-funcionamento-dos-mercados","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/04\/15\/151494-o-que-as-abelhas-podem-ensinar-aos-economistas-sobre-o-funcionamento-dos-mercados.html","title":{"rendered":"O que as abelhas podem ensinar aos economistas sobre o funcionamento dos mercados"},"content":{"rendered":"
\"Abelha
A rela\u00e7\u00e3o entre abelhas, mel e macieiras \u00e9 – h\u00e1 bastante tempo – uma fonte rica de conhecimento em economia<\/figcaption><\/figure>\n

Pouca gente sabe, mas economistas adoram abelhas – ou pelo menos a ideia em torno delas. N\u00e3o por acaso, o inseto ilustra o logotipo da\u00a0Royal Economic Society<\/i>, associa\u00e7\u00e3o brit\u00e2nica que re\u00fane profissionais do setor.<\/p>\n

A\u00a0F\u00e1bula das Abelhas<\/i>, publicado por Bernard Mandeville no come\u00e7o do s\u00e9culo 18, usa o bichinho como met\u00e1fora para o funcionamento da economia – e antecipa conceitos modernos como a divis\u00e3o do trabalho e a “m\u00e3o invis\u00edvel” do mercado.<\/p>\n

Mais de 200 anos depois, quando um futuro ganhador do pr\u00eamio Nobel de Economia, James Meade, procurava um exemplo paup\u00e1vel para ilustrar um conceito complexo da teoria econ\u00f4mica, ele se voltou \u00e0s abelhas em busca de inspira\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Ele queria explicar o que economistas chamam de “externalidades positivas” – efeitos colaterais ben\u00e9ficos de determinados arranjos que mercados sem regula\u00e7\u00e3o n\u00e3o produziriam o suficiente e que, portanto, poderiam ser objeto de subs\u00eddio por parte do Estado.<\/p>\n

Para Meade, o exemplo perfeito de externalidade positiva era a rela\u00e7\u00e3o entre ma\u00e7\u00e3s e abelhas.<\/p>\n

Pomares e api\u00e1rios<\/h2>\n

Imagine,\u00a0escreveu em 1952\u00a0o economista, uma regi\u00e3o que reunisse pomares e api\u00e1rios. Se aqueles que cultivavam ma\u00e7\u00e3s plantassem mais \u00e1rvores, os apicultores se beneficiariam, porque suas abelhas produziriam mais mel.<\/p>\n

Mas os produtores de macieiras, por sua vez, n\u00e3o compartilhariam desses benef\u00edcios – as externalidades positivas – e, por isso, talvez n\u00e3o plantassem o suficiente para que todos tivessem um aproveitamento \u00f3timo da situa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Isso se deve, de acordo com Meade, “ao simples e \u00fanico fato de que o agricultor n\u00e3o pode cobrar o apicultor por estar contribuindo para a nutri\u00e7\u00e3o das abelhas”.<\/p>\n

Mas h\u00e1 um por\u00e9m na tese – o economista escolheu a planta errada. A flor da macieira n\u00e3o est\u00e1 entre as que mais estimulam a produ\u00e7\u00e3o de mel. E essa era uma de muitas coisas que James Meade n\u00e3o sabia sobre as abelhas.<\/p>\n

Para entender seu erro fundamental, precisamos recorrer \u00e0 hist\u00f3ria da rela\u00e7\u00e3o entre os humanos e esses insetos.<\/p>\n

‘Nunca mate uma abelha’<\/h2>\n

No come\u00e7o de tudo, n\u00e3o existia apicultor – s\u00f3 a coleta de mel, a tentativa de roubar as colmeias de abelhas selvagens. Esses s\u00e3o epis\u00f3dios que encontramos retratados em pinturas rupestres.<\/p>\n

Ent\u00e3o, pelo menos 5.000 anos atr\u00e1s, a atividade foi “formalizada”. Gregos, eg\u00edpcios e romanos se dedicaram \u00e0 domestica\u00e7\u00e3o das abelhas.<\/p>\n

\"Fragmento
As abelhas tinham significado religioso e espiritual importante no Egito Antigo<\/figcaption><\/figure>\n

Na Idade M\u00e9dia, os apicultores passaram a usar cestos como colmeias sint\u00e9ticas – com o formato que acabou se tornando cl\u00e1ssico e que muitas vezes aparece nos desenhos animados.<\/p>\n

Mas o problema com os cestos-colmeia era que, para tirar o mel, era preciso se livrar das abelhas – assim, muitas vezes, os apicultores sufocavam os insetos com fuma\u00e7a sulfurosa, extra\u00edam o mel e depois se preocupavam com a constru\u00e7\u00e3o da pr\u00f3xima col\u00f4nia.<\/p>\n

No decorrer do tempo, as pessoas come\u00e7aram a se preocupar com o desperd\u00edcio e com o tratamento dispensado aos animais que n\u00e3o apenas forneciam aos humanos mel mas tamb\u00e9m polinizavam as plantas.<\/p>\n

Na d\u00e9cada de 1830, um movimento pelos direitos das abelhas emergiu nos Estados Unidos sob o lema “nunca mate uma abelha”.<\/p>\n

Em 1852, por sua vez, o escrit\u00f3rio americano de patentes concedeu a patente n\u00famero 9300A ao sacerdote Lorenzo Langstroth pela inven\u00e7\u00e3o de uma colmeia com moldura remov\u00edvel.<\/p>\n

\"Lorenzo
Lorenzo Langstroth com a colmeia que desenhou<\/figcaption><\/figure>\n

A colmeia de Langstroth \u00e9 uma caixa de madeira com uma abertura na parte superior e molduras m\u00f3veis, cuidadosamente separadas uma da outra pelo intervalo m\u00e1gico de 8 mil\u00edmetros de “espa\u00e7o abelha” – qualquer coisa maior ou menor que isso faz com que os insetos construam suas pr\u00f3prias estruturas nas molduras e dificultem a extra\u00e7\u00e3o do mel.<\/p>\n

A rainha fica na parte de baixo, separada por uma grade no “isolamento de rainhas” – uma rede que a impede de circular, mas permite a entrada das abelhas oper\u00e1rias. Isso mant\u00e9m as larvas distantes dos favos de mel.<\/p>\n

Os favos s\u00e3o retirados com facilidade e colhidos por uma centr\u00edfuga que gira e expele a parte l\u00edquida, filtrando o mel.<\/p>\n

Industrializa\u00e7\u00e3o e vida real<\/h2>\n

Com esse aparelho, um maravilha do design e da efici\u00eancia, a nova colmeia permitiu a “industrializa\u00e7\u00e3o da abelha”. E foi essa industrializa\u00e7\u00e3o que escapou a James Meade. A abelha mel\u00edfera \u00e9 um animal cuidadosamente domesticado.<\/p>\n

Com as colmeias de Langstroth, as abelhas se tornaram port\u00e1teis. A partir de ent\u00e3o, nada impedia que produtores rurais chegassem a um acordo financeiro com apicultores para que eles pudessem posicionar as colmeias no meio da planta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Algumas d\u00e9cadas depois do exemplo famoso de James Meade, outro economista, Steven Cheung, ficou curioso sobre o assunto e fez algo que n\u00f3s economistas talvez n\u00e3o fa\u00e7amos o suficiente: ele chamou pessoas do “mundo real” e perguntou a elas o que de fato acontecia.<\/p>\n

E descobriu que, com frequ\u00eancia, eram os produtores de ma\u00e7\u00e3 que pagavam aos apicultores pela polinizava\u00e7\u00e3o de suas planta\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

No caso de outras culturas, os apicultores de fato pagam aos produtores rurais pelo fato de que suas abelhas se beneficiam do n\u00e9ctar das planta\u00e7\u00f5es adjacentes. Um exemplo nesse sentido \u00e9 a hortel\u00e3, que n\u00e3o precisa de ajuda das abelhas, mas que rende mel de excelente qualidade.<\/p>\n

Ma\u00e7\u00e3s e abelhas n\u00e3o s\u00e3o, portanto, bons exemplos de externalidades positivas, j\u00e1 que a intera\u00e7\u00e3o entre elas cria de forma natural um mercado – e grande.<\/p>\n

Atualmente, seu centro de gravidade \u00e9 a ind\u00fastria de am\u00eandoa da Calif\u00f3rnia. A oleaginosa ocupa quase 4 mil km\u00b2 do Estado – e movimenta cerca de US$ 5 bilh\u00f5es por ano. As amendoeiras precisam de abelhas – mais precisamente de 5 col\u00f4nias por hectare, alugadas por cerca de US$ 185 cada uma.<\/p>\n

\"Homem
As abelhas t\u00eam um papel central na ind\u00fastria amendoeira da Calif\u00f3rnia<\/figcaption><\/figure>\n

As colmeias de Langstroth s\u00e3o amarradas umas \u00e0s outras, carregadas em caminh\u00f5es articulados – 400 por ve\u00edculo – e levadas para os campos de amendoeiras da Calif\u00f3rnia a cada nova primavera. Isso tudo \u00e0 noite, enquanto as abelhas est\u00e3o dormindo.<\/p>\n

Os n\u00fameros impressionam: 85% dos 2 milh\u00f5es de colmeias comerciais existentes nos EUA s\u00e3o deslocados e, com eles, dezenas de bilh\u00f5es de abelhas.<\/p>\n

Como descreve a autora Bee Wilson em\u00a0The Hive: The Story of the Honeybee and Us<\/i>\u00a0(A colmeia: a hist\u00f3ria da abelha mel\u00edfera e n\u00f3s, em tradu\u00e7\u00e3o livre), os grandes apicultores americanos administram 10 mil colmeias cada um e, da Calif\u00f3rnia, podem viajar milhares de quil\u00f4metros at\u00e9 chegarem aos campos de cerejas no Estado de Washington, aos campos de girass\u00f3is na Dakota do Norte e Dakota do Sul, \u00e0s planta\u00e7\u00f5es de ab\u00f3boras na Pensilv\u00e2nia ou de blueberries no Maine.<\/p>\n

Dilema das abelhas selvagens<\/h2>\n

O pr\u00eamio Nobel de Economia James Meade estava equivocado ao imaginar a apicultura como uma esp\u00e9cie de id\u00edlio rural. As abelhas foram quase completamente industrializadas e a poliniza\u00e7\u00e3o, amplamente comercializada.<\/p>\n

E isso nos coloca diante de um dilema.<\/p>\n

Ecologistas est\u00e3o preocupados com a popula\u00e7\u00e3o de abelhas selvagens, que est\u00e3o em franco decl\u00ednio em diversas partes do mundo.<\/p>\n

\"Abelhas
A queda na popula\u00e7\u00e3o de abelhas selvagens tem sido atribu\u00edda por alguns especialistas ao amplo uso de pesticidas na agricultura<\/figcaption><\/figure>\n

Ningu\u00e9m sabe ao certo o porqu\u00ea. Entre motivos aventados est\u00e3o parasitas, o uso de pesticidas na agricultura e o misterioso “dist\u00farbio do colapso das col\u00f4nias”, em que as abelhas simplesmente desaparecem e deixam a rainha para tr\u00e1s.<\/p>\n

Como as abelhas domesticadas enfrentam as mesmas press\u00f5es, entraria em cena um princ\u00edpio econ\u00f4mico simples – uma redu\u00e7\u00e3o da oferta de abelhas acabaria pressionando os pre\u00e7os dos servi\u00e7os de poliniza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Mas n\u00e3o \u00e9 isso que os economistas est\u00e3o vendo.<\/p>\n

O dist\u00farbio do colapso das col\u00f4nias tem tido efeito m\u00ednimo, considerando-se diversas m\u00e9tricas, sobre o mercado de abelhas. Produtores est\u00e3o pagando basicamente a mesma coisa pela poliniza\u00e7\u00e3o, e os pre\u00e7os de novas rainhas praticamente n\u00e3o se mexeram.<\/p>\n

\"As
As abelhas-rainhas s\u00e3o pe\u00e7a importante na ind\u00fastria do mel<\/figcaption><\/figure>\n

Aparentemente, apicultores industriais conseguiram desenvolver estrat\u00e9gias para manter a estabilidade das popula\u00e7\u00f5es usadas no neg\u00f3cio, seja comercializando e reproduzindo em cativeiro abelhas-rainhas ou dividindo col\u00f4nias.<\/p>\n

\u00c9 por isso que n\u00e3o h\u00e1 redu\u00e7\u00e3o na oferta de mel – ou de am\u00eandoas, ma\u00e7\u00e3s ou blueberries. Pelo menos at\u00e9 agora.<\/p>\n

Dever\u00edamos comemorar a a\u00e7\u00e3o de incentivos econ\u00f4micos na preserva\u00e7\u00e3o de parte da popula\u00e7\u00e3o de abelhas? Talvez.<\/p>\n

Outra perspectiva \u00e9 a de que o impulso da economia moderna de controlar e monetizar o mundo natural \u00e9 justamente o que causou o problema.<\/p>\n

Antes de a agricultura monocultora mudar ecossistemas, n\u00e3o havia a necessidade de levar as colmeias de Langstroth de um lado a outro para polinizar planta\u00e7\u00f5es – popula\u00e7\u00f5es locais de insetos faziam o trabalho de gra\u00e7a.<\/p>\n

Ent\u00e3o, se quisermos um exemplo de externalidade positiva – algo que o mercado n\u00e3o regulado n\u00e3o produzir\u00e1 na quantidade que a sociedade desejaria – talvez dev\u00eassemos olhar para um uso da terra que contribu\u00edsse para a prolifera\u00e7\u00e3o de abelhas selvagens e de outros insetos.<\/p>\n

Campos de flores selvagens, talvez – e alguns governos j\u00e1 est\u00e3o subsidiando esse tipo de iniciativa, assim como James Meade os aconselharia.<\/p>\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Pouca gente sabe, mas economistas adoram abelhas – ou pelo menos a ideia em torno delas. N\u00e3o por acaso, o inseto ilustra o logotipo da Royal Economic Society, associa\u00e7\u00e3o brit\u00e2nica que re\u00fane profissionais do setor. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":151495,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[3977,3790],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/151494"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=151494"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/151494\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":151496,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/151494\/revisions\/151496"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/151495"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=151494"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=151494"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=151494"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}