{"id":153184,"date":"2019-07-31T09:00:15","date_gmt":"2019-07-31T12:00:15","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=153184"},"modified":"2019-07-30T20:48:10","modified_gmt":"2019-07-30T23:48:10","slug":"o-misterio-das-jararacas-que-abandonaram-o-chao-e-agora-vivem-em-arvores-na-amazonia","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/07\/31\/153184-o-misterio-das-jararacas-que-abandonaram-o-chao-e-agora-vivem-em-arvores-na-amazonia.html","title":{"rendered":"O mist\u00e9rio das jararacas que abandonaram o ch\u00e3o e agora vivem em \u00e1rvores na Amaz\u00f4nia"},"content":{"rendered":"\n
\"Jararaca\"\/

Todos os anos, na \u00e9poca das cheias, jararacas da esp\u00e9cie Bothrops atrox se concentram no alto das \u00e1rvores
<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Um fen\u00f4meno que vem ocorrendo com cobras nas v\u00e1rzeas alag\u00e1veis da floresta amaz\u00f4nica, na regi\u00e3o de Santar\u00e9m, no Par\u00e1, est\u00e1 intrigando os cientistas. Todos os anos, na \u00e9poca das cheias, de fevereiro a julho, um n\u00famero grande de jararacas da esp\u00e9cie\u00a0Bothrops atrox<\/em>\u00a0se concentra no alto das \u00e1rvores e em tufos de capim que ficam acima da linha d’\u00e1gua – \u00e0s vezes, at\u00e9 tr\u00eas em uma \u00fanica planta. <\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m da concentra\u00e7\u00e3o, tamb\u00e9m chamou a aten\u00e7\u00e3o dos cientistas o fato de que esses of\u00eddios, que s\u00e3o terr\u00edcolas, ou seja, vivem no solo, est\u00e3o passando por mudan\u00e7as morfol\u00f3gicas para viver nas \u00e1rvores. Ou seja, elas podem estar se transformando em outra esp\u00e9cie e, assim, se diferenciando das suas irm\u00e3s que vivem nas regi\u00f5es de terra firme da floresta, que raramente alagam. \u00c9 a evolu\u00e7\u00e3o, descoberta por Charles Darwin, acontecendo a olhos vistos.<\/p>\n\n\n\n

A densidade dos animais nas \u00e1rvores \u00e9 t\u00e3o grande quanto a que at\u00e9 agora s\u00f3 era encontrada em ilhas isoladas, sem predadores, como a de Queimada Grande, conhecida como Ilha das Cobras, no litoral de S\u00e3o Paulo. O local se destaca por ter a segunda maior concentra\u00e7\u00e3o desses r\u00e9pteis por \u00e1rea no mundo: cerca de 45 por hectare.<\/p>\n\n\n\n

\"Moradores

Moradores da regi\u00e3o enxergam as cobras aglomeradas como um perigo em potencial
<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Segundo o pesquisador Rafael de Fraga, da Universidade Federal do Oeste do Par\u00e1 (UFOPA), jararacas atrox s\u00e3o venenosas e respons\u00e1veis por mais de 90% das picadas em pessoas no norte do Brasil.<\/p>\n\n\n\n

“Nas comunidades que visitamos, j\u00e1 houve acidentes que resultaram em morte de moradores”, conta.<\/p>\n\n\n\n

“Por isso, eles enxergam as cobras aglomeradas como um perigo em potencial. Ainda mais pelo fato de que existem s\u00e9rias restri\u00e7\u00f5es log\u00edsticas para que os comunit\u00e1rios tenham acesso ao soro antiof\u00eddico e ao tratamento hospitalar adequado no caso de ataques.”<\/p>\n\n\n\n

Para se livrar das cobras, os moradores partiram ent\u00e3o para uma a\u00e7\u00e3o preventiva: todos os anos, durante a cheia dos rios, se organizam para ca\u00e7\u00e1-las. Grupos saem em canoas capturando jararacas, com ajuda de alguns herpet\u00f3logos.<\/p>\n\n\n\n

“Antes da participa\u00e7\u00e3o desses profissionais, os comunit\u00e1rios matavam a maioria das que capturavam, mas atualmente eles doam grande parte para cole\u00e7\u00f5es cient\u00edficas e cria\u00e7\u00e3o em cativeiro para obten\u00e7\u00e3o de veneno”, explica Fraga.<\/p>\n\n\n\n

“Ele \u00e9 necess\u00e1rio para produ\u00e7\u00e3o de soro antiof\u00eddico, mas tamb\u00e9m faz parte de alguns medicamentos, como os usados para tratar press\u00e3o alta, por exemplo.”<\/p>\n\n\n\n

Mudando o corpo<\/h2>\n\n\n\n

De um ponto de vista cient\u00edfico, a aglomera\u00e7\u00e3o sazonal de cobras sobre as \u00e1rvores fez com que os cientistas levantassem a hip\u00f3tese de que, se jararacas da regi\u00e3o est\u00e3o se tornando arbor\u00edcolas durante as cheias, ent\u00e3o elas devem ser morfologicamente diferentes das suas irm\u00e3s de terra firme. A quest\u00e3o foi estudada pela bi\u00f3loga Ana Maria Coelho, durante sua disserta\u00e7\u00e3o de mestrado, apresentada na UFOPA.<\/p>\n\n\n\n

\"Jararaca
Jararacas atrox s\u00e3o venenosas e respons\u00e1veis por mais de 90% das picadas em pessoas no Norte do Brasil<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Ela explica que, embora filhotes de jararacas tenham maior capacidade de subir e ca\u00e7ar em \u00e1rvores que adultos, a esp\u00e9cie atrox \u00e9 considerada como principalmente terr\u00edcola.<\/p>\n\n\n\n

“Habilidade para escalar depende de uma s\u00e9rie de caracter\u00edsticas morfol\u00f3gicas, sem as quais alguns processos fisiol\u00f3gicos, principalmente aqueles dependentes da circula\u00e7\u00e3o sangu\u00ednea, entram em colapso devido \u00e0 acelera\u00e7\u00e3o da for\u00e7a da gravidade”, diz Ana Maria.<\/p>\n\n\n\n

Fraga lembra que cobras possuem corpo cil\u00edndrico, que \u00e9 bastante sens\u00edvel \u00e0 acelera\u00e7\u00e3o da for\u00e7a da gravidade durante movimentos de escalada. Al\u00e9m disso, quando elas est\u00e3o em posi\u00e7\u00e3o vertical para subir nas \u00e1rvores, \u00f3rg\u00e3os vitais como o c\u00e9rebro podem deixar de receber irriga\u00e7\u00e3o sangu\u00ednea se o corpo for pouco adaptado.<\/p>\n\n\n\n

“Para compensar esse problema, as arbor\u00edcolas possuem caudas compridas, com vasos sangu\u00edneos longos, e baixa rela\u00e7\u00e3o entre massa e comprimento do corpo, o que significa que s\u00e3o esguias”, explica.<\/p>\n\n\n\n

A principal hip\u00f3tese dos cientistas para explicar as altera\u00e7\u00f5es morfol\u00f3gicas pelas quais as atrox est\u00e3o passando est\u00e1 fundamentada na evolu\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica por sele\u00e7\u00e3o natural de Darwin.<\/p>\n\n\n\n

“De modo geral, testamos a hip\u00f3tese de que a press\u00e3o seletiva imposta pelo habitat est\u00e1 eliminando jararacas menos aptas a escalar as \u00e1rvores para dormir, ca\u00e7ar e reproduzir”, explica Fraga.<\/p>\n\n\n\n

De modo geral, a pesquisa a comprovou.<\/p>\n\n\n\n

“As diferen\u00e7as morfol\u00f3gica que n\u00f3s observamos s\u00e3o diretamente associadas \u00e0 vida sobre as \u00e1rvores”, diz Fraga.<\/p>\n\n\n\n

“Jararacas de florestas alag\u00e1veis de v\u00e1rzea possuem de fato caudas mais longas e corpos mais esguios que as de florestas de terra firme. Essas caracter\u00edsticas tornam-nas habilitadas para escalar e se deslocar por sobre as \u00e1rvores, sem que isso cause problemas fisiol\u00f3gicos, especialmente processos de colapso no sistema circulat\u00f3rio.”<\/p>\n\n\n\n

Cobra macho<\/h2>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, os pesquisadores observaram que as jararacas de florestas de v\u00e1rzea possuem cabe\u00e7as maiores, o que indica um processo de adapta\u00e7\u00e3o para ca\u00e7ar presas espec\u00edficas desses ambientes, que s\u00e3o diferentes daquelas encontradas em terra firme.<\/p>\n\n\n\n

“Interessantemente, as diferen\u00e7as morfol\u00f3gicas entre florestas de terra firme e v\u00e1rzea n\u00e3o s\u00e3o homog\u00eaneas entre machos e f\u00eameas”, revela Fraga. “Isso nos sugere que as for\u00e7as seletivas impostas pelos habitats alagados agem por caminhos evolutivos diferentes entre machos e f\u00eameas.”<\/p>\n\n\n\n

De acordo com ele, isso est\u00e1 diretamente relacionado ao fato de que os machos se deslocam mais para encontrar f\u00eameas reprodutivas e, por isso, j\u00e1 possuem normalmente corpos mais esguios que as parceiras.<\/p>\n\n\n\n

“Elas, por outro lado, s\u00e3o mais sedent\u00e1rias e precisam de maior ac\u00famulo de energia na forma de gordura para produzir filhotes”, explica Fraga.<\/p>\n\n\n\n

“Por isso t\u00eam cabe\u00e7as maiores nas florestas de v\u00e1rzea, o que deve garantir a habilidade para ca\u00e7ar presas tamb\u00e9m maiores.”<\/p>\n\n\n\n

\"Pesquisadores
Para evitar acidentes, moradores saem em canoas capturando jararacas com ajuda de herpet\u00f3logos<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Ana Maria concluiu em sua disserta\u00e7\u00e3o que as caracter\u00edsticas dos habitats est\u00e3o de fato direcionando a hist\u00f3ria evolutiva de jararacas da regi\u00e3o por de meio de sele\u00e7\u00e3o natural.<\/p>\n\n\n\n

“Esse dado \u00e9 sustentado pelo fato de que uma pesquisa anterior na mesma regi\u00e3o demonstrou que popula\u00e7\u00f5es da esp\u00e9cie s\u00e3o geneticamente distintas entre florestas de v\u00e1rzea e terra firme”, diz.<\/p>\n\n\n\n

“Resultados semelhantes foram encontrados para popula\u00e7\u00f5es de cobras que ficaram isoladas em ilhas, e se tornaram esp\u00e9cies arbor\u00edcolas distintas, devido ao bloqueio total de fluxo g\u00eanico com as popula\u00e7\u00f5es ancestrais do continente.”<\/p>\n\n\n\n

No caso das v\u00e1rzeas que os cientistas estudaram, ainda n\u00e3o existem evid\u00eancias robustas de que as jararacas tenham se tornado duas esp\u00e9cies diferentes.<\/p>\n\n\n\n

“Achamos que se trata de um cen\u00e1rio mais complexo do que o que tem sido encontrado em ilhas, porque a troca de genes entre v\u00e1rzea e terra firme deve ser consideravelmente aumentada durante a esta\u00e7\u00e3o seca, quando grandes corredores de dispers\u00e3o ficam dispon\u00edveis entre esses dois tipos de floresta”, explica Fraga.<\/p>\n\n\n\n

“Em uma conclus\u00e3o conservadora, nosso estudo demonstrou um est\u00e1gio intermedi\u00e1rio de evolu\u00e7\u00e3o biol\u00f3gica, embora processos de especia\u00e7\u00e3o [surgimento de uma nova esp\u00e9cie a partir de uma j\u00e1 existente] ainda n\u00e3o sejam claros.”<\/p>\n\n\n\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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