{"id":153974,"date":"2019-09-14T05:00:31","date_gmt":"2019-09-14T08:00:31","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=153974"},"modified":"2019-09-13T23:36:03","modified_gmt":"2019-09-14T02:36:03","slug":"por-que-ilhas-desertas-sao-dominadas-por-cobras","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/09\/14\/153974-por-que-ilhas-desertas-sao-dominadas-por-cobras.html","title":{"rendered":"Por que ilhas desertas s\u00e3o dominadas por cobras"},"content":{"rendered":"\n
\"Crotalus

Durante cinco anos, brasileiro da USP catalogou 1.223 esp\u00e9cies encontradas em 986 ilhas ao redor do mundo
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N\u00e3o s\u00e3o poucas as pessoas que t\u00eam o sonho de viver – ou pelo menos passar umas f\u00e9rias – numa ilha, ensolarada, rodeada de praias e com vegeta\u00e7\u00e3o exuberando no interior. Mas, \u00e0s vezes, \u00e9 preciso ter cuidado. Um bicho que causa medo em muitos j\u00e1 pode estar instalado nela, rastejando ou em cima de \u00e1rvores e pedras. S\u00e3o as cobras, que vivem em muitas delas.<\/p>\n\n\n\n

Num levantamento, realizado durante cinco anos, na literatura cient\u00edfica sobre 986 ilhas ao redor do mundo, o bi\u00f3logo e herpetologista Marcio Roberto Costa Martins, do Departamento de Ecologia do Instituto de Bioci\u00eancias da Universidade de S\u00e3o Paulo (IB-USP), catalogou 1.223 esp\u00e9cies.<\/p>\n\n\n\n

De acordo com ele, \u00e9 comum a ocorr\u00eancia de serpentes em altas densidades em ilhas e isso ocorre principalmente porque as faunas desses ambientes s\u00e3o naturalmente pobres, o que resulta em poucos ou nenhum predador. “Isso leva a crescimento populacional delas maior do que nas esp\u00e9cies do continente”, explica. “De fato, constatamos que as cobras mais abundantes do mundo est\u00e3o em ilhas, destacando-se a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis<\/em>), de Queimada Grande, a 35 km do litoral de S\u00e3o Paulo, e a v\u00edbora-de-shedao (Gloydius shedaoensis<\/em>), na China.” <\/p>\n\n\n\n

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Pesquisador diz que cobras s\u00e3o comuns em ilhas porque h\u00e1 poucos ou nenhum predador
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Martins conta que a ideia do levantamento surgiu depois que ele e seu colega Harvey Lillywhite deram um curso de p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o sobre Ecologia de Ilhas na Universidade da Fl\u00f3rida (Gainesville, Fl\u00f3rida), no segundo semestre de 2013. “Durante esse curso, n\u00f3s dois nos demos conta de que ainda sab\u00edamos relativamente pouco sobre a ecologia e a biogeografia [distribui\u00e7\u00e3o de esp\u00e9cies num determinado ambiente] das cobras que ocorrem nesses locais isolados por \u00e1gua ao redor do mundo, embora houvesse alguns casos bem conhecidos”, diz.<\/p>\n\n\n\n

“Entre eles, a jararaca-ilhoa, que tem sido estudada nas \u00faltimas d\u00e9cadas por um grupo de pesquisadores do qual eu fa\u00e7o parte, e a boca-de-algod\u00e3o (Agkistrodon piscivorus<\/em>) da ilha Seahorse Key, da Fl\u00f3rida, a que o Harvey vem se dedicando tamb\u00e9m h\u00e1 d\u00e9cadas.”<\/p>\n\n\n\n

Segundo Martins, n\u00e3o havia na literatura algo sobre os padr\u00f5es gerais da ecologia e biogeografia de cobras insulares. Por isso, eles resolveram fazer uma revis\u00e3o sobre o assunto e iniciaram textos preliminares j\u00e1 em 2013. “Pouco depois disso, percebemos que seria muito interessante colocar em um livro o conhecimento que j\u00e1 havia sido acumulado sobre as serpentes que vivem em ilhas, por meio de cap\u00edtulos focando em diferentes esp\u00e9cies e sistemas ao redor do mundo. Passamos ent\u00e3o a convidar pessoas que trabalham com esses of\u00eddios em v\u00e1rias partes do planeta para participarem da obra.”<\/p>\n\n\n\n

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Pesquisadores classificam ilhas em tr\u00eas tipos oce\u00e2nicas, continentais antigas e continentais recentes<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Os pesquisadores classificaram as ilhas estudadas em tr\u00eas tipos – os mesmos em que se dividem praticamente todas as do mundo: oce\u00e2nicas, continentais antigas e continentais recentes. As primeiras ficam sobre a crosta oce\u00e2nica e foram formadas principalmente por vulcanismo, as segundas s\u00e3o peda\u00e7os de rochas sobre a plataforma continental, que foram separadas do continente pela movimenta\u00e7\u00e3o das placas tect\u00f4nicas, e as terceiras s\u00e3o aquelas localizadas nas plataformas continentais e que surgiram com o fim da \u00faltima glacia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Para simplificar, pode-se considerar as segundas e as terceiras como um mesmo tipo, consideradas de maneira geral como continentais.<\/p>\n\n\n\n

Martins diz que \u00e9 importante ressaltar que a origem das serpentes dessas ilhas \u00e9 muito diferente daquela das oce\u00e2nicas. As cobras que vivem nelas, na maioria dos casos, s\u00e3o por\u00e7\u00f5es relictuais (remanescentes) de popula\u00e7\u00f5es que eram amplamente distribu\u00eddas nas plataformas continentais expostas durante as glacia\u00e7\u00f5es do Pleistoceno (per\u00edodo que estendeu de 1,8 milh\u00e3o a 11 mil anos atr\u00e1s).<\/p>\n\n\n\n

“Explicando melhor: em cada per\u00edodo glacial do Pleistoceno, o mar retra\u00eda e expunha boa parte da plataforma continental”, explica. “No pico da \u00faltima glacia\u00e7\u00e3o (que foi – a pr\u00f3pria glacia\u00e7\u00e3o, n\u00e3o o pico – de 110.000 a 10.000 antes do presente), por exemplo, o mar estava a 120 -130 m abaixo do n\u00edvel atual.”<\/p>\n\n\n\n

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Das 986 ilhas que Martins e Lillywhite estudaram para a revis\u00e3o que fizeram, 368 s\u00e3o continentais e 618 oce\u00e2nicas<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Nesses per\u00edodos, explica Martins, essas regi\u00f5es expostas das plataformas eram cobertas por vegeta\u00e7\u00e3o costeira e as esp\u00e9cies que ocorriam no litoral expandiam suas distribui\u00e7\u00f5es para esses novos habitats. Com o aquecimento da atmosfera e o consequente aumento do n\u00edvel do mar, as montanhas da plataforma continental exposta durante a glacia\u00e7\u00e3o se tornaram ilhas e as popula\u00e7\u00f5es que a\u00ed estavam ficaram presas nelas.<\/p>\n\n\n\n

Nas pequenas, como Queimada Grande e Alcatrazes, na costa de S\u00e3o Paulo, por exemplo, boa parte delas que ficou confinada acabou se extinguindo, restando apenas uma fauna relictual. Por exemplo, s\u00f3 duas na primeira e apenas tr\u00eas na segunda. J\u00e1 nas grandes, ocorrem poucas extin\u00e7\u00f5es. Como na ilha de S\u00e3o Sebasti\u00e3o, que possui uma fauna de serpentes (22 esp\u00e9cies) quase t\u00e3o rica quanto a de uma \u00e1rea equivalente do continente adjacente (cerca de 25 a 30).<\/p>\n\n\n\n

O que acontece nas oce\u00e2nicas \u00e9 bem diferente, no entanto. As popula\u00e7\u00f5es de cobras, na maioria das vezes, s\u00e3o originadas por processos de coloniza\u00e7\u00e3o, pois s\u00e3o locais sem conex\u00e3o atual com os continentes. “As serpentes colonizam ilhas usando a forma de dispers\u00e3o conhecida como ‘aqu\u00e1tica passiva'”, explica Martins. “Ou seja, pegam carona em ‘balsas’ de vegeta\u00e7\u00e3o, que s\u00e3o lan\u00e7adas ao mar pelos rios. Na Amaz\u00f4nia, elas s\u00e3o chamadas de ‘camalotes’ (especialmente aquelas formadas por aguap\u00e9) ou periant\u00e3.”<\/p>\n\n\n\n

Como exemplo, ele cita a coloniza\u00e7\u00e3o das Pequenas Antilhas por cobras da fam\u00edlia Boidae, do g\u00eanero Corallus – as jiboias arbor\u00edcolas, e da fam\u00edlia Viperidae, do g\u00eanero Bothrops – as jararacas, que deve ter se dado por meio de ilhas de vegeta\u00e7\u00e3o que foram lan\u00e7adas ao mar na foz do Rio Amazonas e que foram levadas at\u00e9 l\u00e1 por correntes marinhas, que fazem exatamente esse percurso, do noroeste da Am\u00e9rica do Sul em dire\u00e7\u00e3o ao sul do Caribe. Tamb\u00e9m foi dessa forma que as serpentes colonizaram e se diversificaram nas Gal\u00e1pagos.<\/p>\n\n\n\n

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Ilhas oce\u00e2nicas t\u00eam a maioria se suas cobras originadas por processos de coloniza\u00e7\u00e3o<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Das 986 ilhas que Martins e Lillywhite estudaram para a revis\u00e3o que fizeram, 368 s\u00e3o continentais e 618 oce\u00e2nicas, desde min\u00fasculas, como Senkaku, no Jap\u00e3o, como 1.000 metros quadrados, at\u00e9 gigantes, como a da Nova Guin\u00e9, com 785.753 km\u00b2, dividida por dois pa\u00edses, Papua Nova Guin\u00e9 e parte da Indon\u00e9sa.<\/p>\n\n\n\n

Entre as primeiras, s\u00e3o exemplos no Brasil, Queimada Grande, S\u00e3o Sebasti\u00e3o e Santa Catarina, e no mundo, Gr\u00e3-Bretanha (a maior do Reino Unido), Born\u00e9u, Sumatra, quase todas as gregas e a maior parte das do Jap\u00e3o, incluindo as maiores delas.<\/p>\n\n\n\n

Entre as segundas, est\u00e3o as brasileiras Fernando de Noronha, Trindade e Martim Vaz, e as de fora Maur\u00edcio, Okinawa, Hava\u00ed, Nova Zel\u00e2ndia, Sulawesi e Hispaniola (dividida entre Rep\u00fablica Dominicana e Haiti).<\/p>\n\n\n\n

Os pesquisadores encontraram 718 esp\u00e9cies de serpentes nas continentais e 761 nas oce\u00e2nicas, o que d\u00e1 m\u00e9dias de 6,1 e 4,8, respectivamente. “Al\u00e9m disso, descobrimos que existem regi\u00f5es do globo que s\u00e3o hotspots<\/em> de diversidade de serpentes insulares, com destaque para o Caribe, com 181 ilhas, entre elas Cuba e Hispaniola, e a regi\u00e3o oriental, com mais de 200, onde se destaca o Arquip\u00e9lago Malaio (que cont\u00e9m Born\u00e9u, Sumatra e Nova Guin\u00e9).<\/p>\n\n\n\n

“Tamb\u00e9m encontramos hotspots de faunas de serpentes insulares bem estudadas, como as da costa sudeste do Brasil, as do Caribe, as gregas e as do Jap\u00e3o”, conta.<\/p>\n\n\n\n

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Entre os exemplos de cobras que s\u00e3o excelentes colonizadoras est\u00e1 jararaca comum do sudeste do Brasil<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

De acordo com Martins, embora a origem das serpentes das ilhas que se situam nas plataformas continentais seja muito distinta daquela das oce\u00e2nicas, os padr\u00f5es biogeogr\u00e1ficos encontrados nesses dois tipos de locais n\u00e3o \u00e9 muito diferente. “A riqueza de esp\u00e9cies nos dois tipos de ilhas, por exemplo, \u00e9 explicada em grande parte por dois fatores principais: a \u00e1rea e a diversidade de habitas encontrada nelas (este \u00faltimo fator inferido pela altitude m\u00e1xima)”, explica. “Isso j\u00e1 era conhecido para as oce\u00e2nicas, mas ainda n\u00e3o havia sido descrito para as continentais.”<\/p>\n\n\n\n

A presen\u00e7a e o sucesso das cobras em ilhas n\u00e3o s\u00e3o por acaso, no entanto. De acordo com Martins, algumas de suas caracter\u00edsticas fazem com que elas sejam especialmente h\u00e1beis em persistir nas continentais e em colonizar oce\u00e2nicas. “As serpentes conseguem passar per\u00edodos muito longos sem se alimentar, at\u00e9 mais de um ano sem comer em v\u00e1rias esp\u00e9cies, por necessitarem pouca energia para viver”, explica. “Isso torna poss\u00edvel que elas passem longos per\u00edodos \u00e0 deriva nas balsas de vegeta\u00e7\u00e3o, aumentando a chance de acabar aportando em uma ilha.”<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, h\u00e1 muitas que possuem caracter\u00edsticas que possibilitam crescimento populacional r\u00e1pido, como, por exemplo, fecundidade e frequ\u00eancia reprodutiva altas. Isso possibilita o estabelecimento em pouco tempo de uma popula\u00e7\u00e3o vi\u00e1vel em ilhas, isto \u00e9, com poucas chances de extin\u00e7\u00e3o. O pequeno porte de muitas esp\u00e9cies tamb\u00e9m ajuda.<\/p>\n\n\n\n

Essas cobras menores podem colonizar as muito pequenas, onde h\u00e1 relativamente poucos recursos. “Por fim, v\u00e1rias esp\u00e9cies comem diferentes tipos de presas, o que facilita o estabelecimento em ambientes insulares, mesmo quando h\u00e1 poucos alimentos dispon\u00edveis, como \u00e9 o caso da maioria das ilhas pequenas”, acrescenta Martins.<\/p>\n\n\n\n

Entre os exemplos de cobras que s\u00e3o excelentes colonizadoras est\u00e1 a jararaca comum do sudeste do Brasil (Bothrops jararaca<\/em>). “Adultos dessa esp\u00e9cie podem sobreviver com apenas uma ou duas presas por ano”, diz Martins. “Al\u00e9m disso, ela possui alta fecundidade, com m\u00e9dia de cerca de 10 filhotes por ninhada, mas podendo chegar a mais de 30.<\/p>\n\n\n\n

Como se n\u00e3o bastasse \u00e9 generalista em dieta, alimentando-se principalmente de centopeias, lagartos, anf\u00edbios, aves e mam\u00edferos. Isso certamente facilitou a persist\u00eancia de popula\u00e7\u00f5es delas em v\u00e1rias ilhas continentais da costa sudeste do Brasil.”<\/p>\n\n\n\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

N\u00e3o s\u00e3o poucas as pessoas que t\u00eam o sonho de viver – ou pelo menos passar umas f\u00e9rias – numa ilha, ensolarada, rodeada de praias e com vegeta\u00e7\u00e3o exuberando no interior. Mas, \u00e0s vezes, \u00e9 preciso ter cuidado. Um bicho que causa medo em muitos j\u00e1 pode estar instalado nela, rastejando ou em cima de \u00e1rvores e pedras. S\u00e3o as cobras, que vivem em muitas delas. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":153975,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[3746,1518,2149,394],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/153974"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=153974"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/153974\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":153976,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/153974\/revisions\/153976"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/153975"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=153974"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=153974"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=153974"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}