{"id":154834,"date":"2019-10-24T09:00:13","date_gmt":"2019-10-24T12:00:13","guid":{"rendered":"http:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=154834"},"modified":"2019-10-23T22:07:36","modified_gmt":"2019-10-24T01:07:36","slug":"ninguem-quer-o-que-pescamos-o-drama-dos-pescadores-com-o-petroleo-no-litoral-da-bahia","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/10\/24\/154834-ninguem-quer-o-que-pescamos-o-drama-dos-pescadores-com-o-petroleo-no-litoral-da-bahia.html","title":{"rendered":"‘Ningu\u00e9m quer o que pescamos’: o drama dos pescadores com o petr\u00f3leo no litoral da Bahia"},"content":{"rendered":"\n
\"Pescadora

Ap\u00f3s o \u00f3leo invadir as praias de Salvador, a pescadora Fabiana Fran\u00e7a n\u00e3o consegue mais vender os mariscos que pesca
<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Fabiana Fran\u00e7a tem 41 anos. Desde os 13, vive do mar e da “coroa”, como ela chama o recife de coral da Ilha de Mar\u00e9, localidade de Salvador que fica no meio da Ba\u00eda de Todos os Santos. Com seu trabalho na mariscagem, sustenta sozinha duas filhas, de 18 e 13 anos.<\/p>\n\n\n\n

Quando a mar\u00e9 baixa, seja dia ou seja noite, Fabiana cata os animais que vende \u00e0s barracas de praia e banhistas da localidade. Para o \u00faltimo final de semana, conseguiu 12 quilos de siri catado e sarnambi. Agora, est\u00e1 com os mesmos 12 quilos dentro do freezer<\/p>\n\n\n\n

“Ningu\u00e9m compra nada. Nada. \u00c9 um desespero. Eu preciso botar comida em casa, alimentar minhas filhas. Vou ter que comer esse marisco. Vou jogar fora? N\u00e3o. Mas ningu\u00e9m quer. O mar \u00e9 um s\u00f3, n\u00e9?!”, questiona Fabiana, como quem fala consigo mesma.<\/p>\n\n\n\n

A indaga\u00e7\u00e3o sobre o mar tem motivo: a Ilha de Mar\u00e9, ao menos oficialmente, n\u00e3o foi atingida pelo \u00f3leo que j\u00e1 alcan\u00e7ou 200 localidades do litoral nordestino, segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov\u00e1veis (Ibama).<\/p>\n\n\n\n

Ainda assim, aquela comunidade pesqueira j\u00e1 sente os efeitos da baixa do consumo, causada pelo temor que se tem em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 toxicidade do derivado de petr\u00f3leo.<\/p>\n\n\n\n

Com os 12 quilos que pretendia vender no final de semana, Fabiana poderia ganhar at\u00e9 R$ 360. Sem a renda, conta apenas com a ajuda da m\u00e3e. Esta, vive da aposentadoria, depois de trabalhar a vida inteira como marisqueira.<\/p>\n\n\n\n

“Eu vivo disso, s\u00f3 sei fazer isso. N\u00e3o quero que minhas filhas entrem nisso porque elas est\u00e3o estudando. Naquela ilha, s\u00f3 se vive de pesca. Quero outra coisa pra elas”, diz Fabiana.<\/p>\n\n\n\n

Drama de centenas<\/h2>\n\n\n\n

Nesta ter\u00e7a-feira (22\/10), Fabiana participou de uma manifesta\u00e7\u00e3o de pescadoras, pescadores e marisqueiras que ocupou durante parte do dia a sede do Ibama em Salvador.<\/p>\n\n\n\n

Aproximadamente 300 trabalhadoras e trabalhadores do mar, de diferentes praias da Bahia, se juntaram na capital para expor o drama de quem est\u00e1 no meio de uma engrenagem de auto-sustenta\u00e7\u00e3o paralisada pelo maior desastre ambiental da hist\u00f3ria da costa brasileira.<\/p>\n\n\n\n

\"Homem
O \u00f3leo chegou a v\u00e1rias praias da Bahia, como as do munic\u00edpio de Cama\u00e7ari, a 41 quil\u00f4metros de Salvador<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Com um detalhe: boa parte dos relatos ali enfileirados \u00e9 como a de Fabiana. Gente que j\u00e1 sente o preju\u00edzo antes mesmo de sua praia entrar na lista oficial da cat\u00e1strofe.<\/p>\n\n\n\n

“Pra gente, o \u00f3leo ainda n\u00e3o chegou, mas a consequ\u00eancia j\u00e1 chegou. Esse mar \u00e9 nossa ind\u00fastria, nosso polo, nosso com\u00e9rcio, nosso tudo. Abaixo de Deus, \u00e9 o manguezal e o mar”, diz Crispin dos Santos, de 44 anos, pescador da localidade de S\u00e3o Francisco do Paragua\u00e7u, que pertence \u00e0 cidade de Cachoeira, no Rec\u00f4ncavo baiano.<\/p>\n\n\n\n

Ali, aponta Crispin, s\u00e3o cerca de 1.000 fam\u00edlias que vivem quase exclusivamente da pesca. Agora, quem j\u00e1 tinha tirado algo do mar ou do mangue est\u00e1 com os estoques abarrotados. Quem ainda iria pescar nem sai mais.<\/p>\n\n\n\n

No caso dele, que costuma sair para as \u00e1guas com mais 12 pescadores para arriar uma rede grande, a conta \u00e9 mais palp\u00e1vel: neste momento, s\u00e3o 13 fam\u00edlias sem ter de onde tirar o sustento.<\/p>\n\n\n\n

“Nem o atravessador quer nosso marisco. E olhe que a gente j\u00e1 passa a pre\u00e7o de banana. Quem tem peixe t\u00e1 em tempo de perder tudo. E n\u00e3o tem pra onde a gente ir nessa situa\u00e7\u00e3o a\u00ed de desemprego do pa\u00eds. Como \u00e9 que vai achar trabalho?”, observa Crispin.<\/p>\n\n\n\n

“Eu t\u00f4 com uns 2 mil reais estragando no freezer”, brada, a seu lado, Josemar de Jesus, tamb\u00e9m morador da Ilha de Mar\u00e9. “Tem cavala, pescada, tainha e siri, mas n\u00e3o vende”, emenda.<\/p>\n\n\n\n

Nas condi\u00e7\u00f5es normais de trabalho, Josemar faz o estoque a semana inteira para vender aos finais de semana, assim como Fabiana. Ap\u00f3s o fantasma do \u00f3leo, ele est\u00e1 com contas penduradas nas mercearias da localidade. “\u00c9 na base da confian\u00e7a, n\u00e3o tem outro jeito.”<\/p>\n\n\n\n

\"Pescadores
Uma manifesta\u00e7\u00e3o de pescadoras, pescadores e marisqueiras chegou a ocupar a sede do Ibama em Salvador<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

\u00d3leo chega ao sul da Bahia<\/h2>\n\n\n\n

Nos \u00faltimos dias, quem tamb\u00e9m foi obrigado a “comprar fiado” foi Nildo Sacramento, que fecha o rosto s\u00f3 de tocar no assunto.<\/p>\n\n\n\n

“Nunca devi nada a ningu\u00e9m. Sustento minha fam\u00edlia a vida inteira com a pesca do robalo e produ\u00e7\u00e3o de ostra. Agora, com esse \u00f3leo a\u00ed que t\u00e1 acabando com nossa vida, t\u00f4 pedindo dinheiro emprestado a parente e deixando conta nas vendinhas”, lamenta.<\/p>\n\n\n\n

Nildo mora em Tapero\u00e1, no sul da Bahia. Os principais compradores de seu pescado \u2014 que agora est\u00e3o rejeitando os produtos \u2014 s\u00e3o restaurantes de dois polos tur\u00edsticos da regi\u00e3o famosos nacional e internacionalmente: Boipeba e Morro de S\u00e3o Paulo.<\/p>\n\n\n\n

Pertencentes ao munic\u00edpio de Cairu, as duas localidades foram oficialmente tocadas pelo \u00f3leo na madrugada desta ter\u00e7a. Em Morro de S\u00e3o Paulo, terceiro destino do turismo da Bahia, atr\u00e1s somente de Salvador e Porto Seguro, a prefeitura chegou a interditar duas praias, que foram liberadas ap\u00f3s a limpeza. Ao todo, 1,5 tonelada de \u00f3leo foi retirada das praias de Cairu.<\/p>\n\n\n\n

“Isso chegou na areia agora, mas a gente, que t\u00e1 no mar, j\u00e1 v\u00ea vest\u00edgio desse \u00f3leo faz tempo. E os pescados l\u00e1 da regi\u00e3o ningu\u00e9m compra h\u00e1 uns 15 dias. Ningu\u00e9m. E olhe que, na m\u00eddia, esse \u00f3leo de Morro de S\u00e3o Paulo s\u00f3 chegou agora”, diz Nildo.<\/p>\n\n\n\n

A conta que n\u00e3o fecha<\/h2>\n\n\n\n

Enquanto ocorria a ocupa\u00e7\u00e3o em Salvador, o secret\u00e1rio de Aquicultura e Pesca do Minist\u00e9rio da Agricultura, Pecu\u00e1ria e Abastecimento (Mapa), Jorge Seif J\u00fanior, anunciava em Bras\u00edlia que o governo vai pagar em novembro uma parcela do seguro-defeso para 60 mil pescadores artesanais afetados pelo vazamento de \u00f3leo no litoral do Nordeste.<\/p>\n\n\n\n

\"Pescador
‘Com esse \u00f3leo a\u00ed que est\u00e1 acabando com nossa vida, estou pedindo dinheiro emprestado a parente’, diz o pescador Nildo Sacramento<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Segundo Seif J\u00fanior, R$ 59,9 milh\u00f5es ser\u00e3o destinados para o pagamento. “O pescador pode ficar tranquilo, n\u00e3o precisa de nenhum ato, simplesmente aguarde que estamos construindo e, dentro do m\u00eas de novembro, ser\u00e1 depositada em sua conta, a mesma em que ele j\u00e1 recebe o seguro-defeso, uma parcela do benef\u00edcio”, afirmou.<\/p>\n\n\n\n

O seguro-defeso, no valor de um sal\u00e1rio m\u00ednimo, \u00e9 o benef\u00edcio que os pescadores recebem quando t\u00eam de suspender a atividade durante o per\u00edodo de reprodu\u00e7\u00e3o de determinada esp\u00e9cie. O recebimento pode durar de tr\u00eas a cinco meses por ano, a depender da regi\u00e3o e da esp\u00e9cie.<\/p>\n\n\n\n

A conta deste an\u00fancio, no entanto, n\u00e3o fecha. De acordo com dados do pr\u00f3prio minist\u00e9rio, existem mais de 140 mil pescadores registrados nas cidades j\u00e1 oficialmente atingidas pelo \u00f3leo \u2014 que segue chegando a novas localidades.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, existem casos como os expostos na ocupa\u00e7\u00e3o do Ibama, de pescadores que n\u00e3o vivem em praias atingidas, mas est\u00e3o igualmente afetados pelo desastre. Assim, o pleito dos pescadores da Bahia \u00e9 que seja criado um benef\u00edcio espec\u00edfico para a emerg\u00eancia trazida pelo derrame do \u00f3leo.<\/p>\n\n\n\n

“Essa conversa de antecipar seguro-defeso \u00e9 um absurdo, \u00e9 achar que todo mundo aqui \u00e9 burro. T\u00e1 antecipando algo que j\u00e1 \u00e9 direito do pescador. Esse \u00f3leo n\u00e3o tem nada a ver com isso, tem que ser um pagamento a parte”, diz Maria Jos\u00e9 Pacheco, representante da Pastoral da Pesca, vinculada \u00e0 Confer\u00eancia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).<\/p>\n\n\n\n

A BBC News Brasil entrou em contato com o Mapa na noite de ter\u00e7a, mas, de acordo com a assessoria de comunica\u00e7\u00e3o da pasta, devido ao hor\u00e1rio, n\u00e3o seria poss\u00edvel responder aos questionamentos sobre a discrep\u00e2ncia entre os benef\u00edcios anunciados e a quantidade de pessoas atingidas. Caso essas respostas sejam enviadas, esta reportagem ser\u00e1 atualizada.<\/p>\n\n\n\n

Representando a Defensoria P\u00fablica da Uni\u00e3o (DPU), o defensor regional de Direitos Humanos substituto da Bahia, Andr\u00e9 Porci\u00fancula, esteve na ocupa\u00e7\u00e3o do Ibama e prometeu aos pescadores que vai negociar, junto ao Mapa, a extens\u00e3o do pagamento para todos os afetados pelo desastre, independentemente das localidades em que vivam.<\/p>\n\n\n\n

“O objetivo primeiro \u00e9 sentar para conversar e tentar resolver administrativamente. Se n\u00e3o for poss\u00edvel, a DPU vai entrar com uma a\u00e7\u00e3o judicial”, afirmou.<\/p>\n\n\n\n

Emerg\u00eancia sanit\u00e1ria<\/h2>\n\n\n\n
\"Com
Com Farol de Itapu\u00e3 ao fundo, volunt\u00e1rios trabalham na limpeza do \u00f3leo em Salvador<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Tamb\u00e9m presente na ocupa\u00e7\u00e3o, o professor Paulo Pena, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), chamou aten\u00e7\u00e3o para os riscos a que est\u00e3o submetidos todos os pescadores que atuam em \u00e1reas tocadas pelo \u00f3leo.<\/p>\n\n\n\n

“Essas pessoas podem vir a desenvolver doen\u00e7as graves e cr\u00f4nicas. S\u00e3o trabalhadores que ficar\u00e3o anos em \u00e1reas contaminadas por uma subst\u00e2ncia muito t\u00f3xica, na \u00e1gua e dentro dos mangues, num of\u00edcio que ultrapassa gera\u00e7\u00f5es. Pela quantidade de \u00f3leo que j\u00e1 vimos, temos um s\u00e9rio risco de epidemias”, afirmou Pena, que coordena h\u00e1 12 anos uma pesquisa focada na sa\u00fade ocupacional e ambiental dos pescadores artesanais.<\/p>\n\n\n\n

Na segunda-feira (21), a BBC News Brasil publicou reportagem mostrando que a estimativa de especialistas \u00e9 que a contamina\u00e7\u00e3o causada pelo derivado de petr\u00f3leo dure d\u00e9cadas.<\/p>\n\n\n\n

Na vis\u00e3o de Paulo Pena, o Brasil est\u00e1 diante de um caso de emerg\u00eancia sanit\u00e1ria. “Esses pescadores precisam de um seguro ocupacional, porque eles s\u00f3 deveriam atuar nessas \u00e1reas depois de um monitoramento minucioso, que mostrasse que n\u00e3o h\u00e1 mais contamina\u00e7\u00e3o, mas isso pode levar muito tempo”, concluiu.<\/p>\n\n\n\n

Nesta crise, o primeiro registro de \u00f3leo na costa brasileira ocorreu na Para\u00edba, no dia 30 de agosto. Ap\u00f3s quase dois meses, ainda n\u00e3o se sabe a fonte ou a data do derramamento, assim como a quantidade de \u00f3leo que foi lan\u00e7ada no mar. Por isso, \u00e9 imposs\u00edvel prever quando as manchas v\u00e3o parar de surgir nas praias.<\/p>\n\n\n\n

Respons\u00e1vel pela investiga\u00e7\u00e3o ainda sem respostas, a Marinha contabiliza 900 toneladas de \u00f3leo j\u00e1 recolhidas no litoral do Nordeste.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Fabiana Fran\u00e7a tem 41 anos. Desde os 13, vive do mar e da “coroa”, como ela chama o recife de coral da Ilha de Mar\u00e9, localidade de Salvador que fica no meio da Ba\u00eda de Todos os Santos. Com seu trabalho na mariscagem, sustenta sozinha duas filhas, de 18 e 13 anos. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":154835,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[2881,21,259,429,474],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/154834"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=154834"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/154834\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":154836,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/154834\/revisions\/154836"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/154835"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=154834"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=154834"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=154834"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}