{"id":155771,"date":"2019-12-02T09:00:00","date_gmt":"2019-12-02T12:00:00","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=155771"},"modified":"2019-12-01T22:26:45","modified_gmt":"2019-12-02T01:26:45","slug":"entenda-a-polemica-em-torno-da-mineracao-em-terras-indigenas","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2019\/12\/02\/155771-entenda-a-polemica-em-torno-da-mineracao-em-terras-indigenas.html","title":{"rendered":"Entenda a pol\u00eamica em torno da minera\u00e7\u00e3o em terras ind\u00edgenas"},"content":{"rendered":"\n
\"Muitas
Muitas \u00e1reas de minera\u00e7\u00e3o, como esta, est\u00e3o cravadas no meio da floresta. A regi\u00e3o entre as cidades paraenses de S\u00e3o F\u00e9lix do Xingu, onde esta foto foi tirada, e Altamira \u00e9 atualmente a mais pressionada pelo desmatamento. Em 2019, os dois munic\u00edpios foram os campe\u00f5es do desmatamento no Brasil \u2013 entre agosto de 2018 e julho de 2019 eles combinaram para 1.119 km\u00b2 de floresta desmatada, um aumento de 56% em rela\u00e7\u00e3o ao per\u00edodo anterior.
FOTO DE\u00a0DIVULGA\u00c7\u00c3O WWF-BRASIL\/ARAQU\u00c9M ALC\u00c2NTARA<\/strong><\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n
\"\u00c1rea
\u00c1rea de minera\u00e7\u00e3o perto do rio Jamanxin, ao norte da cidade de Novo Progresso (PA). A minera\u00e7\u00e3o ilegal causa graves problemas ambientais \u2013 como a morfologia dos rios alterada por escava\u00e7\u00f5es de trincheiras \u2013 e sociais \u2013 como a contamina\u00e7\u00e3o da \u00e1gua por metais como o merc\u00fario, amplamente utilizado na extra\u00e7\u00e3o de ouro para separ\u00e1-lo dos sedimentos.
FOTO DE\u00a0DIVULGA\u00c7\u00c3O WWF-BRASIL\/ARAQU\u00c9M ALC\u00c2NTARA<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n
\"\u00c1rea
\u00c1rea de minera\u00e7\u00e3o no extremo leste da Floresta Nacional Jamanxim, oeste do Par\u00e1. Um projeto de lei enviado \u00e0 C\u00e2mara dos Deputados em 2017 prop\u00f5e transformar 26,45% da \u00e1rea deste Parque Nacional em uma \u00c1rea de Prote\u00e7\u00e3o Ambiental, cujas regras de explora\u00e7\u00e3o s\u00e3o menos r\u00edgidas. Se aprovado, atividades como minera\u00e7\u00e3o, agricultura e pecu\u00e1ria poder\u00e3o ser liberadas.
FOTO DE\u00a0DIVULGA\u00c7\u00c3O WWF-BRASIL\/ARAQU\u00c9M ALC\u00c2NTARA<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Na C\u00e2mara dos Deputados, em Bras\u00edlia, o secret\u00e1rio do Minist\u00e9rio de Minas e Energia, Alexandre Vidigal, confirmou que o Governo Federal prepara uma proposta para regulamentar a minera\u00e7\u00e3o em terras ind\u00edgenas. Em audi\u00eancia p\u00fablica dia 11 de setembro, Vidigal anunciou que em breve o Poder Executivo encaminhar\u00e1 a proposta ao Congresso. \u201cO nosso compromisso nesse minist\u00e9rio, e isso diga-se com todas as letras, \u00e9, sim, transformar o patrim\u00f4nio mineral em riqueza mineral. At\u00e9 por que, se n\u00e3o o fizermos, o mundo far\u00e1\u201d, disse Vidigal. \u201cN\u00f3s n\u00e3o podemos prescindir da riqueza e da import\u00e2ncia que o setor mineral traz ao pa\u00eds.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Na C\u00e2mara, Vidigal n\u00e3o entrou em detalhes sobre o conte\u00fado da minuta, por se tratar de um \u201ctema interno\u201d. Contudo, argumentou que a regulamenta\u00e7\u00e3o seria uma determina\u00e7\u00e3o da Constitui\u00e7\u00e3o. Disse tamb\u00e9m que a atividade mineradora n\u00e3o aconteceria se houvesse a negativa de determinada comunidade ind\u00edgena, mas isso n\u00e3o significa o direito a veto.<\/p>\n\n\n\n

Em outubro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, informou que a proposta estava em fase final e seria apresentada ao Congresso Nacional ainda naquele m\u00eas. Entretanto, o projeto ainda n\u00e3o foi enviado, e seu teor continua desconhecido. Por exemplo, \u00e9 incerto se o governo pretende regulamentar o garimpo em terras ind\u00edgenas. Esta atividade \u00e9 inconstitucional, mas\u00a0o presidente Jair Bolsonaro j\u00e1 manifestou a favor de legaliz\u00e1-la. \u201c\u00c9 inten\u00e7\u00e3o minha regulamentar o garimpo\u201d, ele disse em setembro. \u201cInclusive para \u00edndio. Tem que ter o direito de explorar o garimpo na tua propriedade. A terra ind\u00edgena \u00e9 como se fosse propriedade dele.\u201d Pesquisa realizada em junho, pelo Datafolha, identificou que 86% dos brasileiros s\u00e3o contra a explora\u00e7\u00e3o mineral em terras ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n

\"\u00c1rea
\u00c1rea de minera\u00e7\u00e3o perto do rio Jamanxin, ao norte da cidade de Novo Progresso (PA). A minera\u00e7\u00e3o ilegal causa graves problemas ambientais \u2013 como a morfologia dos rios alterada por escava\u00e7\u00f5es de trincheiras \u2013 e sociais \u2013 como a contamina\u00e7\u00e3o da \u00e1gua por metais como o merc\u00fario, amplamente utilizado na extra\u00e7\u00e3o de ouro para separ\u00e1-lo dos sedimentos.
FOTO DE\u00a0DIVULGA\u00c7\u00c3O WWF-BRASIL\/ARAQU\u00c9M ALC\u00c2NTARA<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Para Joenia Wapichana, advogada e primeira mulher ind\u00edgena eleita deputada federal, essa incerteza sobre a proposta se soma ao recrudescimento das pol\u00edticas indigenistas e ambientais neste governo. \u201cNosso presidente foi eleito com base nesse discurso de abrir as terras ind\u00edgenas para a minera\u00e7\u00e3o, desfazer demarca\u00e7\u00f5es e unidades de conserva\u00e7\u00e3o, acabar com a \u2018f\u00e1brica de multas\u2019 e que diminuiria os recursos humanos e financeiros\u201d, recordou Wapichana em um semin\u00e1rio sobre direitos ind\u00edgenas e desenvolvimento na Amaz\u00f4nia, realizado em 24de outubro na Funda\u00e7\u00e3o FHC, em S\u00e3o Paulo. \u201cO Minist\u00e9rio do Meio Ambiente teve 34% a menos [no or\u00e7amento], justamente recursos que poderiam ser usados para fiscaliza\u00e7\u00e3o, monitoramento, prote\u00e7\u00e3o.\u201d Contingenciamento de recursos, cortes no or\u00e7amento e afastamento de investimentos internacionais, como o Fundo Amaz\u00f4nia, implicam no desmonte da pol\u00edtica indigenista, avalia a deputada federal.<\/p>\n\n\n\n

De agosto de 2018 a julho de 2019, o desmatamento em terras ind\u00edgenas (TI) teve alta de 74% em rela\u00e7\u00e3o ao mesmo per\u00edodo anterior. Foram 423,3 km\u00b2 de floresta derrubados nas TIs, conforme dados oficiais do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Dos 10,1 mil km\u00b2 de desmate na Amaz\u00f4nia Legal no calend\u00e1rio anual, 41% ocorreram em terras p\u00fablicas ainda sem destina\u00e7\u00e3o e em \u00e1reas protegidas, conforme an\u00e1lise dos dados do Prodes feita pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amaz\u00f4nia (Ipam).<\/p>\n\n\n\n

\u201cSe a Amaz\u00f4nia \u00e9 estrat\u00e9gica para a conserva\u00e7\u00e3o da biodiversidade, se a \u00e1rvore em p\u00e9 serve para mantermos o carbono e combater os efeitos das mudan\u00e7as clim\u00e1ticas, por que retirar parcerias e investimentos? O que a gente espera de um chefe do Executivo \u00e9 o contr\u00e1rio\u201d, questiona Wapichana. \u201cQuais interesses est\u00e3o em conflito? Justamente essa vis\u00e3o predat\u00f3ria, distorcida e equivocada sobre o desenvolvimento na Amaz\u00f4nia.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, houve a transfer\u00eancia do Servi\u00e7o Florestal Brasileiro \u2013 respons\u00e1vel pelo Cadastro Ambiental Rural \u2013 para o Minist\u00e9rio da Agricultura, Pecu\u00e1ria e Abastecimento (MAPA) e as tentativas de transferir a Funai e as demarca\u00e7\u00f5es de terras ind\u00edgenas e quilombolas do Minist\u00e9rio da Justi\u00e7a para o MAPA. O Minist\u00e9rio da Sa\u00fade tamb\u00e9m tentou extinguir a Secretaria Especial de Sa\u00fade Ind\u00edgena (Sesai), mas recuou ap\u00f3s protestos. Agora, a deputada questiona o fato de o governo preparar a proposta da minera\u00e7\u00e3o sem antes conversar com os povos ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n

As amea\u00e7as de Jair Bolsonaro \u00e0 popula\u00e7\u00e3o ind\u00edgena levou a Comiss\u00e3o Arns e o Coletivo de Advogados de Direitos Humanos a apresentar uma representa\u00e7\u00e3o contra o presidente ao Tribunal Penal Internacional, baseado em Haia, na Holanda. Segundo\u00a0reportagem da BBC Brasil,\u00a0os denunciantes pedem uma investiga\u00e7\u00e3o preliminar sobre a\u00e7\u00f5es de \u201cincita\u00e7\u00e3o ao genoc\u00eddio e ataques sistem\u00e1ticos contra popula\u00e7\u00f5es ind\u00edgenas\u201d. O \u00f3rg\u00e3o internacional precisa decidir se abre investiga\u00e7\u00e3o. \u00a0<\/p>\n\n\n\n

Garimpo em terras ind\u00edgenas<\/h3>\n\n\n\n

\u201c\u00c9 not\u00f3ria a exist\u00eancia de in\u00fameros garimpos em terras ind\u00edgenas, sem que o Estado venha ser eficaz na erradica\u00e7\u00e3o\u201d, observou o sub-procurador geral da Rep\u00fablica, Mario Luiz Bonsaglia, durante o mesmo semin\u00e1rio. Ele \u00e9 membro da sexta c\u00e2mara do Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal (MPF), encarregada da defesa dos direitos ind\u00edgenas e comunidades tradicionais. O sub-procurador destacou a invas\u00e3o de garimpeiros na terra ind\u00edgena Yanomami, que se estende nos estados de Roraima e do Amazonas. A Constitui\u00e7\u00e3o pro\u00edbe o garimpo em TIs. Contudo, a atividade ilegal j\u00e1 vinha se instalando na regi\u00e3o nas \u00faltimas d\u00e9cadas e disparou em 2019, quando mais de 20 mil garimpeiros ocupavam o territ\u00f3rio.<\/p>\n\n\n\n

Segundo Bonsaglia, as reuni\u00f5es entre comunidades ind\u00edgenas e membros da sexta c\u00e2mara do MPF t\u00eam sido frequentes, a fim de articular a atua\u00e7\u00e3o na regi\u00e3o. Em2 de outubro, <\/strong>o MPF em Roraima entrou com a\u00e7\u00e3o civil p\u00fablica para pedir o restabelecimento de quatro bases de prote\u00e7\u00e3o etnoambientais na TI Yanomami \u2013 tr\u00eas das bases haviam sido fechadas em 2015 e 2016, por falta de or\u00e7amento. A reinstala\u00e7\u00e3o da primeira base deve terminar neste ano e as demais em 2020.<\/p>\n\n\n\n

Erradicar a atividade garimpeira das terras ind\u00edgenas \u201cdepende muito do poder executivo\u201d, continua Bonsaglia. \u00c9 preciso uma a\u00e7\u00e3o integrada que forne\u00e7a um aparato de seguran\u00e7a e log\u00edstica com o apoio de \u00f3rg\u00e3os como as For\u00e7as Armadas, a Aeron\u00e1utica, o Ex\u00e9rcito, a For\u00e7a Nacional e as Pol\u00edcias Federal e Militar. \u201c<\/strong>O mero deslocamento de alguns contingentes policiais para a \u00e1rea [Yanomami] e a movimenta\u00e7\u00e3o que o cumprimento dessa decis\u00e3o est\u00e1 gerando j\u00e1 afastou milhares de garimpeiros.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Trata-se de uma ind\u00fastria clandestina milion\u00e1ria. Sem que haja autoriza\u00e7\u00e3o para explora\u00e7\u00e3o do ouro em Roraima, 194 kg do metal, quantia equivalente a R$ 30 milh\u00f5es, foram exportados do estado para a \u00cdndia entre setembro de 2018 e julho de 2019,\u00a0como revelou reportagem da BBC Brasil.<\/p>\n\n\n\n

No garimpo ilegal \u201ch\u00e1 aspectos criminais s\u00e9rios\u201d, observou Bonsaglia. \u201cAl\u00e9m da quest\u00e3o ambiental e da viola\u00e7\u00e3o dos direitos ind\u00edgenas, n\u00f3s temos crimes graves sendo perpetrados \u2013 organiza\u00e7\u00e3o criminosa, evas\u00e3o de divisas. Crimes a merecer, inclusive, a atua\u00e7\u00e3o investigat\u00f3ria da Pol\u00edcia Federal, abrindo outro leque a respeito do assunto.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Em setembro, a For\u00e7a-Tarefa Amaz\u00f4nia, do MPF, quantificou em um parecer os preju\u00edzos causados pelo garimpo do ouro no bioma. A pr\u00e1tica ilegal tem como resultado \u201co desmatamento e a inviabiliza\u00e7\u00e3o da explora\u00e7\u00e3o sustent\u00e1vel das matas, mediante extra\u00e7\u00e3o de produtos madeireiros e n\u00e3o madeireiros, at\u00e9 a desestrutura\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os ecossist\u00eamicos, como regula\u00e7\u00e3o clim\u00e1tica, oferta de \u00e1gua e manuten\u00e7\u00e3o da biodiversidade\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Diante dos 42 anos que levam para a regi\u00e3o degradada se recuperar, o parecer estima que o preju\u00edzo \u00e9 de R$ 3 milh\u00f5es por quilo de ouro extra\u00eddo. Essa valora\u00e7\u00e3o servir\u00e1 para embasar a\u00e7\u00f5es civis p\u00fablicas em processos que tratem dos preju\u00edzos ambientais em decorr\u00eancia da explora\u00e7\u00e3o de ouro, segundo o MPF.<\/p>\n\n\n\n

Direitos constitucionais<\/h3>\n\n\n\n

\u201cS\u00e3o reconhecidos aos \u00edndios sua organiza\u00e7\u00e3o social, costumes, l\u00ednguas, cren\u00e7as e tradi\u00e7\u00f5es, e os direitos origin\u00e1rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo \u00e0 Uni\u00e3o demarc\u00e1-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.\u201d Assim come\u00e7a o artigo 231 da Constitui\u00e7\u00e3o Federal, no cap\u00edtulo voltado aos direitos ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n

O documento assegura a posse permanente das terras que determinada etnia tradicionalmente ocupa, seja para habita\u00e7\u00e3o, atividades produtivas, preserva\u00e7\u00e3o de recursos ambientais fundamentais \u201ca seu bem-estar e a sua reprodu\u00e7\u00e3o f\u00edsica, cultural, segundo seus usos, costumes e tradi\u00e7\u00f5es\u201d. Concede tamb\u00e9m aos \u00edndios \u201co usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes\u201d.<\/p>\n\n\n\n

\u201cO que se tem medo \u00e9 da tentativa de deslegitimar uma decis\u00e3o de uma coletividade e levar alguns indiv\u00edduos para defenderem um tema que \u00e9 t\u00e3o importante na vida dos ind\u00edgenas.\u201d<\/h3>\n\n\n\n

POR JOENIA WAPICHANA<\/strong>ADVOGADA E PRIMEIRA MULHER IND\u00cdGENA ELEITA DEPUTADA FEDERAL<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 o par\u00e1grafo terceiro condiciona \u00e0 aprova\u00e7\u00e3o do Congresso Nacional \u201co aproveitamento dos recursos h\u00eddricos, incluindo os potenciais energ\u00e9ticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras ind\u00edgenas\u201d, ap\u00f3s \u201couvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participa\u00e7\u00e3o nos resultados lavra, na forma da lei\u201d. O par\u00e1grafo s\u00e9timo, por sua vez, veda a pr\u00e1tica do garimpo em terras ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n

Em sua fala no painel da Funda\u00e7\u00e3o FHC, Joenia Wapichana se baseou na Constitui\u00e7\u00e3o para defender o posicionamento contr\u00e1rio \u00e0 minera\u00e7\u00e3o em terras ind\u00edgenas. Destacou que as \u00e1reas, de propriedade da Uni\u00e3o, s\u00e3o inalien\u00e1veis e indispon\u00edveis. \u201cMesmo eu sendo ind\u00edgena, n\u00e3o posso dispor do meu direito para uma empresa, cooperativa, garimpo ou qualquer interessado.\u201d E que o direito dos povos ind\u00edgenas \u00e0 terra \u00e9 imprescrit\u00edvel.<\/p>\n\n\n\n

A deputada federal frisou o trecho que veda \u201ca remo\u00e7\u00e3o dos grupos ind\u00edgenas de suas terras\u201d. Conforme a Constitui\u00e7\u00e3o, os povos s\u00f3 podem ser deslocados \u201cem caso de cat\u00e1strofe ou epidemia que ponha em risco sua popula\u00e7\u00e3o, ou no interesse da soberania do Pa\u00eds, ap\u00f3s delibera\u00e7\u00e3o do Congresso Nacional, garantindo, em qualquer hip\u00f3tese, o retorno imediato logo que cesse o risco\u201d. \u201cN\u00e3o pode tirar uma comunidade dali para cavar buraco ou fazer minera\u00e7\u00e3o\u201d, observou Wapichana.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m disso, deve-se anular e extinguir qualquer ato que vise \u201ca ocupa\u00e7\u00e3o, o dom\u00ednio e a posse das terras\u201d, \u201cou a explora\u00e7\u00e3o das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes\u201d. Entretanto, abre a exce\u00e7\u00e3o caso haja \u201crelevante interesse p\u00fablico da Uni\u00e3o, segundo o que dispuser lei complementar\u201d \u2013 ainda inexistente \u2013, com \u201cbenfeitorias derivadas da ocupa\u00e7\u00e3o de boa-f\u00e9\u201d.<\/p>\n\n\n\n

O Brasil \u00e9 signat\u00e1rio da Conven\u00e7\u00e3o 169 da Organiza\u00e7\u00e3o Internacional do Trabalho, estabelecida por decreto no pa\u00eds em 2004 e reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. A Conven\u00e7\u00e3o determina aos governos \u201cconsultar os povos interessados por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas institui\u00e7\u00f5es representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscet\u00edveis de afet\u00e1-los diretamente\u201d. Insere-se nisso o interesse de atividades como a explora\u00e7\u00e3o mineral e a necessidade de consulta pr\u00e9via realizadas com \u201cboa f\u00e9 e de uma maneira adequada \u00e0s circunst\u00e2ncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno das medidas propostas possa ser alcan\u00e7ado.\u201d<\/p>\n\n\n\n

A pol\u00eamica da regulamenta\u00e7\u00e3o<\/h3>\n\n\n\n

\u201cA Constitui\u00e7\u00e3o diz que precisa de lei espec\u00edfica. Enquanto n\u00e3o existir tal lei, podemos desde logo dizer que toda atividade de minera\u00e7\u00e3o em terra ind\u00edgena \u00e9 ilegal e deve cessar imediatamente.Garimpo nunca ser\u00e1 legal, nunca ser\u00e1 constitucional\u201d, observou Bonsaglia.<\/p>\n\n\n\n

Pouco depois da aprova\u00e7\u00e3o da Constitui\u00e7\u00e3o em 5 de outubro de 1988, os primeiros projetos de lei sobre o tema chegaram ao Parlamento, por\u00e9m nunca foram para a frente. Em levantamento recente sobre as atuais propostas para regulamentar a minera\u00e7\u00e3o em terras ind\u00edgenas, o MPF constatou que a mais avan\u00e7ada na tramita\u00e7\u00e3o \u00e9 o PL 1.610\/1996, do ex-senador Romero Juc\u00e1. Entretanto, o projeto est\u00e1 parado pois a comiss\u00e3o que o avaliava foi extinta.<\/p>\n\n\n\n

Bonsaglia ressalta que a lei precisar\u00e1 restringir a explora\u00e7\u00e3o mineral onde h\u00e1 presen\u00e7a de povos ind\u00edgenas em isolamento volunt\u00e1rio, \u201cevitando-se o risco de desaparecimento por razoes \u00f3bvias. Deve-se banir o uso de subst\u00e2ncias t\u00f3xicas, a exemplo do merc\u00fario, na explora\u00e7\u00e3o miner\u00e1ria em terras ind\u00edgenas\u201d.<\/p>\n\n\n\n

O setor da minera\u00e7\u00e3o busca dissociar empreendimentos miner\u00e1rios do garimpo presente na Amaz\u00f4nia. Na vis\u00e3o de Elmer Salom\u00e3o, conselheiro da Associa\u00e7\u00e3o Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM),a regulamenta\u00e7\u00e3o da explora\u00e7\u00e3o mineral em terras ind\u00edgenas cumpriria o que determina a Constitui\u00e7\u00e3o e frearia as sist\u00eamicas viola\u00e7\u00f5es aos povos tradicionais.<\/p>\n\n\n\n

De 1990a 1995,Salom\u00e3o foi diretor do Departamento Nacional de Produ\u00e7\u00e3o Miner\u00e1ria (DNPM), atual Ag\u00eancia Nacional de Minera\u00e7\u00e3o. <\/strong>Ele representou o setor no painel da Funda\u00e7\u00e3o FHC. Na an\u00e1lise do ge\u00f3logo, nenhum projeto de lei apresentado no Congresso at\u00e9 hoje compreendeu, ao mesmo tempo, conhecimento sobre o setor miner\u00e1rio e o direito ind\u00edgena.Ele acredita que, em concord\u00e2ncia com as comunidades ind\u00edgenas, a minera\u00e7\u00e3o organizada seja \u201ca alternativa vi\u00e1vel para esse aproveitamento sustent\u00e1vel das jazidas minerais\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Salom\u00e3o elencou algumas premissas que deveriam nortear a regulamenta\u00e7\u00e3o defendida pela ABPM. Entre elas, a de que \u201cminerar em terras ind\u00edgenas s\u00f3 faz sentido se trouxer benef\u00edcios reais para a qualidade de vida da comunidade\u201d, que a opini\u00e3o dos povos ind\u00edgenas sobre ter ou n\u00e3o minera\u00e7\u00e3o em suas terras deve ser obrigat\u00f3ria, que \u201cminera\u00e7\u00e3o organizada n\u00e3o \u00e9 atividade de garimpagem\u201d e que o foco precisa ser a Amaz\u00f4nia, a \u201c\u00faltima fronteira mineral talvez do planeta\u201d, al\u00e9m dos \u201cfundos dos mares e a Ant\u00e1rtica e o Polo Norte\u201d.<\/p>\n\n\n\n

\u201cOs bens s\u00e3o da Uni\u00e3o, devem servir a toda a sociedade. Mas a sociedade n\u00e3o pode fazer nada com esse bem. As \u00e1reas ind\u00edgenas, principalmente da Amaz\u00f4nia, s\u00e3o cegas sob o ponto de vista do conhecimento geol\u00f3gico. N\u00e3o se conhece o potencial real dessas \u00e1reas em termos de minera\u00e7\u00e3o\u201d, disse Salom\u00e3o, segundo o qual apenas sete das 424 terras ind\u00edgenas na Amaz\u00f4nia Legal possuem indica\u00e7\u00f5es concretas de ocorr\u00eancias minerais significativas.Regulamentar a atividade miner\u00e1ria nessas terras, para o ge\u00f3logo, seria um primeiro passo em mitigar conflitos reais ou potenciais com garimpeiros.<\/p>\n\n\n\n

\u201cQual \u00e9 o problema hoje? A devasta\u00e7\u00e3o que est\u00e1 acontecendo nas terras ind\u00edgenas pelo garimpo. Vamos acessar o garimpo e botar uma empresa que vai recuperar aquela \u00e1rea. E os pr\u00f3prios \u00edndios poderiam ter concess\u00f5es para garimpar em suas terras, com o suporte t\u00e9cnico de institui\u00e7\u00f5es como a CPRM [Servi\u00e7o Geol\u00f3gico do Brasil], do CFEM [Compensa\u00e7\u00e3o Financeira pela Explora\u00e7\u00e3o de Recursos Minerais] e das pr\u00f3prias empresas\u201d, argumentou Salom\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

\u201cVamos deixar para um segundo momento a licita\u00e7\u00e3o das \u00e1reas ind\u00edgenas para minas de grandes empresas. Aquelas outras \u00e1reas onde t\u00eam minera\u00e7\u00e3o ao lado, n\u00f3s sugerimos que n\u00e3o tenha licita\u00e7\u00e3o. Que os \u00edndios, com suporte, negociem diretamente com as empresas envolvidas l\u00e1, para saber se elas podem ou n\u00e3o continuar a minerar l\u00e1.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Minera\u00e7\u00e3o como solu\u00e7\u00e3o?<\/h3>\n\n\n\n

Em agosto,\u00a0o MPF do Amazonas determinou o indeferimento\u00a0de todos os requerimentos de pesquisa ou lavra mineral em terras ind\u00edgenas do estado. \u201cComo n\u00e3o tem lei regulamentando, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel conceder essa autoriza\u00e7\u00e3o. N\u00e3o obstante, os pedidos s\u00e3o feitos para formar uma fila\u201d, analisa Bonsaglia. A decis\u00e3o est\u00e1 em recurso no Tribunal Regional Federal. \u201cA Procuradoria da Rep\u00fablica em Roraima tamb\u00e9m entrou com uma a\u00e7\u00e3o semelhante. A tend\u00eancia \u00e9 que em outros estados a Justi\u00e7a Federal fa\u00e7a a mesma coisa.\u201d<\/p>\n\n\n\n

O pedido de liminar do MPF se fundamentou em um estudo da WWF-Brasil. Com base em dados colhidos em fevereiro de 2018 na ANM, na Funai e no Minist\u00e9rio do Meio Ambiente, a ONG identificou 4.073 requerimentos de t\u00edtulos miner\u00e1rios em TIs na Amaz\u00f4nia Legal em tramitamento, \u201cdos quais 3.114 encontravam-se bloqueados at\u00e9 a defini\u00e7\u00e3o do marco regulat\u00f3rio sobre minera\u00e7\u00e3o em terras ind\u00edgenas\u201d.<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 um levantamento feito pelo Instituto Socioambiental\u00a0(ISA) identificou que, at\u00e9 2016, havia uma fila de 4.332 requerimentos de autoriza\u00e7\u00e3o de pesquisa, concess\u00e3o de lavras, licenciamento para aproveitamento de recursos minerais e permiss\u00e3o de lavra garimpeira.<\/p>\n\n\n\n

Conforme o ISA, os pedidos de pesquisa englobam aproximadamente 28 milh\u00f5es de hectares, um ter\u00e7o da \u00e1rea de terras ind\u00edgenas. Abrangem 55 tipos de min\u00e9rios, sendo que 70% deles visam a explora\u00e7\u00e3o do ouro. Os 532 requerimentos na TI Yanomami representam 40% do territ\u00f3rio. Tamb\u00e9m h\u00e1 grande interesse nas TI Menkragnoti, no Par\u00e1 e Mato Grosso (393 pedidos), e na TI Alto Rio Negro, no Amazonas (387). A Minera\u00e7\u00e3o Silvana lidera o n\u00famero de requerimentos para pesquisa em TIs (735), seguida pela Vale (216).<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m da invas\u00e3o do garimpo na TI Yanomami, o Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal acompanha os impactos da explora\u00e7\u00e3o mineral na terra ind\u00edgena Xikrin do Catet\u00e9, no Par\u00e1. Esta TI situa-se em uma \u00e1rea adjacente \u00e0 regi\u00e3o onde a Vale produz n\u00edquel.<\/p>\n\n\n\n

O MPF encomendou \u00e0 Funda\u00e7\u00e3o Oswaldo Cruzuma an\u00e1lise da \u00e1gua consumida pela popula\u00e7\u00e3o yanomami. O estudo apontou a presen\u00e7a de ferro, cobre, n\u00edquel e cromo em n\u00edveis acima do permitido para o tipo de curso d\u2019\u00e1gua, \u201crepresentando risco para a sa\u00fade humana seja para consumo e ingest\u00e3o, seja para um mero banho ou uso na produ\u00e7\u00e3o de alimentos\u201d, constatou o Bonsaglia. O processo chegou ao Supremo Tribunal Federal, que determinou uma busca por concilia\u00e7\u00e3o que n\u00e3o teve \u00eaxito. Com isso, o MPF tem buscado a \u201cplena implementa\u00e7\u00e3o\u201d de uma senten\u00e7a que favore\u00e7a os ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n

Joenia Wapichana acredita que \u00e9 um equ\u00edvoco entender que a explora\u00e7\u00e3o mineral seja solu\u00e7\u00e3o para o desenvolvimento dos povos ind\u00edgenas, que j\u00e1 \u201cs\u00e3o bastante assediados\u201d. Na avalia\u00e7\u00e3o da deputada, hoje n\u00e3o h\u00e1 espa\u00e7o para que os povos ind\u00edgenas apresentem alternativas econ\u00f4micas que enxerguem o real potencial econ\u00f4mico da Amaz\u00f4nia e que n\u00e3o envolvam a minera\u00e7\u00e3o. As pr\u00e1ticas sustent\u00e1veis, como o extrativismo, j\u00e1 s\u00e3o realidade para os povos da Floresta Amaz\u00f4nica, entretanto, Wapichana entende que seja necess\u00e1rio maior investimento do governo.<\/p>\n\n\n\n

\u201cSe quiser ter minera\u00e7\u00e3o em outro lugar fora das terras ind\u00edgenas, a gente pode conversar, com regras, controle e fiscaliza\u00e7\u00e3o. Bater o martelo para dizer que minera\u00e7\u00e3o \u00e9 a solu\u00e7\u00e3o para tudo n\u00e3o \u00e9 ser racional nesse sentido\u201d, defende a deputada. Ela considera que a instala\u00e7\u00e3o de empreendimentos miner\u00e1rios provocaria um fluxo migrat\u00f3rio para o interior das terras ind\u00edgenas, deslocaria os povos tradicionais de seus locais de origem e impactaria o meio ambiente.<\/p>\n\n\n\n

\u201cN\u00e3o vou dizer que o pensamento ind\u00edgena \u00e9 un\u00e2nime. A gente ainda precisa amadurecer essas discuss\u00f5es. Precisa ter um procedimento de consulta pr\u00e9via, livre, informada, para justamente saber quais s\u00e3o os pontos positivos e negativos, e da\u00ed tirar uma conclus\u00e3o\u201d, ela observa. \u201c<\/em><\/strong>O que se tem medo \u00e9 da tentativa de deslegitimar uma decis\u00e3o de uma coletividade e levar alguns indiv\u00edduos para defenderem um tema que \u00e9 t\u00e3o importante na vida dos ind\u00edgenas.\u201d<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Governo Federal prepara proposta para regulamentar atividade miner\u00e1ria em \u00e1reas demarcadas. Requerimentos de pesquisa mineral j\u00e1 abrangem 30% das TIs. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":155772,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[722,54,252,311,1516],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/155771"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=155771"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/155771\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":155773,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/155771\/revisions\/155773"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/155772"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=155771"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=155771"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=155771"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}