{"id":156801,"date":"2020-01-30T01:00:00","date_gmt":"2020-01-30T04:00:00","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=156801"},"modified":"2020-01-29T20:31:39","modified_gmt":"2020-01-29T23:31:39","slug":"a-planta-toxica-que-salvou-moradores-de-ilha-do-japao-da-fome","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2020\/01\/30\/156801-a-planta-toxica-que-salvou-moradores-de-ilha-do-japao-da-fome.html","title":{"rendered":"A planta t\u00f3xica que salvou moradores de ilha do Jap\u00e3o da fome"},"content":{"rendered":"\n
\"Cicad\u00e1cea\"\/
\u00c9 preciso retirar o miolo da cicad\u00e1cea para desintoxic\u00e1-la<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Eiko Kawauchi anda com uma bengala em uma m\u00e3o e um machado na outra. Aos 79 anos, ela n\u00e3o se movimenta t\u00e3o r\u00e1pido quanto antes, mas, depois de se sentar, ainda consegue manusear a ferramenta com o vigor de uma mulher com metade da sua idade.<\/p>\n\n\n\n

Lascas de madeira com apar\u00eancia \u00famida logo voam quando Kawauchi corta o tronco de uma \u00e1rvore de cicad\u00e1cea, ou\u00a0sotetsu<\/em>, como \u00e9 conhecida no Jap\u00e3o. Kawauchi conta ter aprendido a t\u00e9cnica com seus av\u00f3s.<\/p>\n\n\n\n

\"Cicad\u00e1cea\"\/
Cicad\u00e1ceas existem desde os tempos dos dinossauros e s\u00e3o consideradas f\u00f3sseis vivos<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Em quase todas as outras partes do pa\u00eds, as pessoas costumam evitar a todo custo essas \u00e1rvores altamente t\u00f3xicas. Quando consumidas cruas, as cicad\u00e1ceas podem causar sangramento interno, danos ao f\u00edgado e at\u00e9 morte.<\/p>\n\n\n\n

Mas na distante ilha Amami Oshima, no sudoeste do Jap\u00e3o, a rela\u00e7\u00e3o dos moradores com essa planta sempre foi diferente.<\/p>\n\n\n\n

Comida de dinossauro<\/h2>\n\n\n\n

Parte do arquip\u00e9lago das ilhas Ryukyu e mais pr\u00f3xima de Taiwan do que de T\u00f3quio, Amami Oshima \u00e9 tropical o suficiente para que as cicad\u00e1ceas prosperem<\/p>\n\n\n\n

Muitas vezes confundidas com palmeiras por causa de seus robustos troncos cil\u00edndricos e folhas longas semelhantes a leques, as cicad\u00e1ceas existem h\u00e1 280 milh\u00f5es de anos e s\u00e3o consideradas f\u00f3sseis vivos. <\/p>\n\n\n\n

De fato, essas folhas eram abundantes durante o Per\u00edodo Jur\u00e1ssico. Mas, enquanto os dinossauros n\u00e3o tiveram problemas para digerir a neurotoxina encontrada nas cicad\u00e1ceas, essas plantas permanecem mort\u00edferas para os seres humanos.<\/p>\n\n\n\n

\"Grupo
Conhecimento sobre o preparo das cicad\u00e1ceas limita-se a pequeno grupo de pessoas<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Para os 67 mil moradores de Amami Oshima, as cicad\u00e1ceas serviram tanto como alimento b\u00e1sico quanto fonte de sobreviv\u00eancia em tempos dif\u00edceis.<\/p>\n\n\n\n

Ao longo dos s\u00e9culos, os ilh\u00e9us desenvolveram uma t\u00e9cnica para remover o veneno dessas \u00e1rvores t\u00f3xicas. O m\u00e9todo \u00e9 trabalhoso e dura quatro semanas.<\/p>\n\n\n\n

O processo tem in\u00edcio com o corte do miolo do tronco, que \u00e9 triturado, lavado e secado vigorosamente e repetidamente de forma a liberar as toxinas naturais. Essa combina\u00e7\u00e3o acaba produzindo um amido comest\u00edvel conhecido como nari<\/em>, que pode ser usado para fazer macarr\u00e3o ou adicionado ao arroz.<\/p>\n\n\n\n

“\u00c9 um trabalho \u00e1rduo, sim”, diz Toshie Fukunaga, observando Kawauchi empunhar o machado. Junto com duas amigas tamb\u00e9m da mesma idade, Fukunaga e Kawauchi est\u00e3o entre as \u00faltimas pessoas na ilha que ainda sabem como processar com seguran\u00e7a as cicad\u00e1ceas.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 apenas 55 pessoas vivendo no vilarejo costeiro de Ikegachi, situada em uma ba\u00eda azul-turquesa. As cicad\u00e1ceas crescem naturalmente na fronteira do assentamento e outras mais s\u00e3o plantadas em lotes.<\/p>\n\n\n\n

Como muitas partes do Jap\u00e3o, Ikegachi tem uma popula\u00e7\u00e3o envelhecida e a maioria dos jovens n\u00e3o deixa apenas o vilarejo, mas tamb\u00e9m a ilha de Amami Oshima. Eles v\u00e3o para a capital da Prov\u00edncia de Kagoshima, na ilha de Kyushu, ou mais ao norte, para uma das megacidades do Jap\u00e3o em busca de trabalho.<\/p>\n\n\n\n

As anci\u00e3s dizem que nunca se \u00e9 velho demais para aprender, mas talvez estejam velhas demais para ensinar, pois compartilhar o processo detalhado demanda enorme esfor\u00e7o. Kenshi Fukunaga tem 25 anos e \u00e9 o \u00fanico jovem que ainda vive em Ikegachi. “Tentei aprender a trabalhar com o sotetsu<\/em>“, explica, “mas n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o f\u00e1cil.”<\/p>\n\n\n\n

\"Ilha
No passado, ilh\u00e9us chegaram a consumir \u00e1rvores venenosas para evitar passar fome<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

“E estamos velhas demais para ensinar as pessoas agora”, admite sua av\u00f3, Toshie.<\/p>\n\n\n\n

Tentativa e erro<\/h2>\n\n\n\n

Um dia antes de visitar este vilarejo, eu havia passado algum tempo no Museu Amami, a uma hora de carro ao norte de Ikegachi, na principal cidade da ilha de Amami, tamb\u00e9m conhecida como Naze. L\u00e1, conversei com o funcion\u00e1rio do museu Nobuhiro Hisashi, que explicou um pouco da hist\u00f3ria e import\u00e2ncia das plantas na ilha.<\/p>\n\n\n\n

Ele disse que, no passado, as cicad\u00e1ceas eram comidas em momentos de desespero. Durante o Per\u00edodo Edo feudal (1603-1868), Amami Oshima se encontrava sob o dom\u00ednio do cl\u00e3 Satsuma, cujo territ\u00f3rio correspondia mais ou menos ao de Kagoshima, no sul do Jap\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A ilha era frequentemente atingida por tuf\u00f5es e lutava para cultivar suas plantas tradicionais, mas, devido \u00e0 sua latitude tropical, era uma das poucas regi\u00f5es do pa\u00eds onde o a\u00e7\u00facar era cultivado.<\/p>\n\n\n\n

“O cl\u00e3 Satsuma s\u00f3 enviava suprimentos de arroz quando havia a\u00e7\u00facar mascavo”, diz Hisashi. “Se n\u00e3o houvesse colheita, o povo de Amami Oshima passaria fome. Ent\u00e3o, nos anos ruins, comiam cicad\u00e1ceas.”<\/p>\n\n\n\n

\"Prato
Ap\u00f3s um processo de trabalho intensivo, as cicad\u00e1ceas podem ser mo\u00eddas em uma farinha comest\u00edvel usada para fazer macarr\u00e3o e arroz<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Embora n\u00e3o haja provas mostrando como as pessoas aprenderam a consumir cicad\u00e1ceas com seguran\u00e7a, o palpite de Hisashi \u00e9 que se tratou de um jogo de tentativa e erro mort\u00edfero. Agora, por\u00e9m, o museu deseja documentar tal processo, a fim de evitar que a tradi\u00e7\u00e3o morra.<\/p>\n\n\n\n

E se a tirania dos governantes de Satsuma acabou com o fim do Per\u00edodo Edo, em 1868, o conhecimento antigo dos ilh\u00e9us sobre as cicad\u00e1ceas voltou a se provar de grande valia durante as duas Guerras Mundiais. Diante do corte das linhas de suprimentos das principais ilhas japonesas e sob o risco de fome generalizada, eles mais uma vez apelaram \u00e0s cicad\u00e1ceas para sobreviver.<\/p>\n\n\n\n

“Ningu\u00e9m sabe exatamente quantos anos essa pr\u00e1tica tem”, disse Hisashi, “mas tem sido muito importante para a nossa ilha. Agora tentamos produzir livros para que as pessoas n\u00e3o esque\u00e7am”.<\/p>\n\n\n\n

Dada a not\u00e1vel hist\u00f3ria e import\u00e2ncia das cicad\u00e1ceas para a ilha, \u00e9 surpreendente que grande parte da comunidade Ikegachi pare\u00e7a razoavelmente contente em deixar a tradi\u00e7\u00e3o morrer.<\/p>\n\n\n\n

Os idosos daqui comeram o sotetsu <\/em>como parte de uma restrita dieta p\u00f3s-Segunda Guerra Mundial. Alguns deles ainda se referem a esse per\u00edodo como “sotetsu jigoku” , ou “inferno das cicad\u00e1ceas”.<\/p>\n\n\n\n

Perguntei se \u00e9 por isso que eles n\u00e3o est\u00e3o tentando proteger essa tradi\u00e7\u00e3o. As mem\u00f3rias associadas a essas \u00e1rvores s\u00e3o traum\u00e1ticas demais?<\/p>\n\n\n\n

\"Ilha
Comparado a seu passado empobrecido, Amami Oshima vive tempo de abund\u00e2ncia atualmente<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

“N\u00e3o”, respondeu Fukunaga rapidamente, “essas mem\u00f3rias s\u00e3o todas felizes. \u00c9ramos jovens. Lembro-me muito bem do sabor. Todos n\u00f3s ter\u00edamos morrido se n\u00e3o houvesse sotetsu<\/em>“, acrescenta.<\/p>\n\n\n\n

A verdade sobre o decl\u00ednio da dieta da ilha \u00e9 um pouco mais pragm\u00e1tica. Amami Oshima n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o rica quanto algumas das outras 6.851 ilhas do Jap\u00e3o, mas, em compara\u00e7\u00e3o com o passado, vive tempos de abund\u00e2ncia atualmente.<\/p>\n\n\n\n

Sem samurais exploradores com que se preocupar, produtos importados abundantes e uma melhor compreens\u00e3o dos m\u00e9todos agr\u00edcolas, poucos habitantes da ilha veem valor em fazer o esfor\u00e7o colossal necess\u00e1rio para consumir cicad\u00e1ceas com seguran\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n

O processamento de troncos de \u00e1rvores t\u00f3xicas n\u00e3o s\u00f3 \u00e9 um trabalho \u00e1rduo, mas tamb\u00e9m traz o risco de deparar com a cobra habu, um tipo de v\u00edbora venenosa end\u00eamica desse arquip\u00e9lago. No entanto, Kawauchi, Toshie e seus dois amigos ainda fazem alguns lotes por ano e trouxeram uma panela grande de arroz com nari para eu experimentar.<\/p>\n\n\n\n

Enquanto me sentava \u00e0 sombra de um toldo azul esticado sobre palafitas de bambu, as quatro mulheres formaram um semic\u00edrculo ao meu redor. Cada uma observava com aten\u00e7\u00e3o enquanto Kawauchi despejava uma grande concha de arroz de cicad\u00e1ceas coberto com um pouco de alho encharcado de molho de soja em uma tigela de isopor e a passava para mim.<\/p>\n\n\n\n

Olhando para esse p\u00fablico septuagen\u00e1rio, eu estava t\u00e3o nervoso com minhas habilidades com o hashis<\/em> (palitinhos japoneses) quanto com este prato que poderia me matar. Antes da primeira engolida, perguntei rapidamente quando foi a \u00faltima vez que algu\u00e9m passou mal por causa das cicad\u00e1ceas.<\/p>\n\n\n\n

“N\u00e3o, n\u00e3o, n\u00e3o! Nunca, nunca!”, respondeu Fukunaga, em tom indignado.<\/p>\n\n\n\n

Rapidamente comi um pouco de arroz para acalm\u00e1-la. A maior surpresa foi que essa planta pr\u00e9-hist\u00f3rica, infame e t\u00f3xica n\u00e3o tinha quase nenhum gosto. Engoli mais um pouco para me certificar.<\/p>\n\n\n\n

De qualquer forma, me lembrou um pouco dos baiacus igualmente not\u00f3rios do Jap\u00e3o, pois, apesar de toda a conversa sobre sofrer uma morte agonizante depois de consumi-la, ela tem um sabor sutil a ponto de ser indetect\u00e1vel.<\/p>\n\n\n\n

\"Prato
Embora pouqu\u00edssimos moradores de Ikegachi ainda saibam como preparar a cicad\u00e1cea, h\u00e1 um restaurante da ilha que ainda a serve<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

“O que voc\u00ea achou?”, perguntou Fukunaga.<\/p>\n\n\n\n

Enquanto pensava em como responder, ela respondeu por mim. “N\u00e3o tem muito gosto, certo?”<\/p>\n\n\n\n

Talvez n\u00e3o seja surpresa que as cicad\u00e1ceas n\u00e3o sejam mais consideradas uma fonte de alimento necess\u00e1ria em Amami Oshima. No entanto, enquanto as anci\u00e3s de Ikegachi ainda se esfor\u00e7am para prepar\u00e1-las, h\u00e1 um restaurante na ilha que mant\u00e9m viva a tradi\u00e7\u00e3o de com\u00ea-las.<\/p>\n\n\n\n

Em uma pen\u00ednsula a apenas alguns quil\u00f4metros do aeroporto de Amami, h\u00e1 um pequeno restaurante de udon<\/em> (tipo de macarr\u00e3o japon\u00eas) chamado Mash Yaduri. Ningu\u00e9m que eu conheci tinha certeza de sua localiza\u00e7\u00e3o, e Hisashi havia falado sobre ele como se fosse algum tipo de mito.<\/p>\n\n\n\n

Mas eu acabei encontrando-o no final de uma estrada estreita na praia.<\/p>\n\n\n\n

Cheguei por volta das 10h, esperando ouvir sobre os pratos especiais de cicad\u00e1ceas. Enquanto em outras partes da ilha as cicad\u00e1ceas s\u00e3o mencionadas como algo do passado, aqui, a propriet\u00e1ria e chef Tae Wada e seu marido, Akiho, vendem macarr\u00e3o feito com amido h\u00e1 cinco anos.<\/p>\n\n\n\n

Mesmo sem falar minha l\u00edngua, Wada parecia saber por que eu estava ali. Alguns minutos depois, uma tigela de cicad\u00e1ceas e frango em caldo umami quente apareceu na minha frente. Na verdade, seu sabor tamb\u00e9m era um pouco sem gra\u00e7a, mas a rica hist\u00f3ria agora estava guardada dentro de mim.<\/p>\n\n\n\n

Fonte : BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Eiko Kawauchi anda com uma bengala em uma m\u00e3o e um machado na outra. Aos 79 anos, ela n\u00e3o se movimenta t\u00e3o r\u00e1pido quanto antes, mas, depois de se sentar, ainda consegue manusear a ferramenta com o vigor de uma mulher com metade da sua idade. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":156803,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[389,471],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/156801"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=156801"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/156801\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":156804,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/156801\/revisions\/156804"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/156803"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=156801"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=156801"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=156801"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}