{"id":156994,"date":"2020-02-12T01:45:00","date_gmt":"2020-02-12T04:45:00","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=156994"},"modified":"2020-02-11T19:49:09","modified_gmt":"2020-02-11T22:49:09","slug":"governo-inclui-ong-missionaria-proxima-a-damares-em-viagem-ate-indigenas-recem-contatados-na-amazonia","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2020\/02\/12\/156994-governo-inclui-ong-missionaria-proxima-a-damares-em-viagem-ate-indigenas-recem-contatados-na-amazonia.html","title":{"rendered":"Governo inclui ONG mission\u00e1ria pr\u00f3xima a Damares em viagem at\u00e9 ind\u00edgenas rec\u00e9m-contatados na Amaz\u00f4nia"},"content":{"rendered":"\n
\"Maloca
Maloca do povo suruwah\u00e1, no Amazonas; mission\u00e1rios j\u00e1 foram expulsos da \u00e1rea ‘em fun\u00e7\u00e3o de atividades proselitistas e discriminat\u00f3rias’<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Membros de uma organiza\u00e7\u00e3o mission\u00e1ria crist\u00e3 pr\u00f3xima \u00e0 ministra Damares Alves participar\u00e3o nesta semana de uma viagem organizada pelo governo federal ao territ\u00f3rio de um dos povos ind\u00edgenas com menos la\u00e7os com a sociedade brasileira majorit\u00e1ria: os suruwah\u00e1s, do Amazonas.<\/p>\n\n\n\n

O governo diz que a viagem busca sanar uma “crise de sa\u00fade mental” que teria causado cinco suic\u00eddios entre os ind\u00edgenas em 2019. A etnia, tamb\u00e9m conhecida como zuruah\u00e3, soma pouco menos de 200 integrantes.<\/p>\n\n\n\n

Compor\u00e3o a equipe duas ind\u00edgenas ligadas \u00e0 Jocum (Jovens com uma Miss\u00e3o), entidade mission\u00e1ria de origem americana que j\u00e1 foi expulsa do territ\u00f3rio suruwah\u00e1 “em fun\u00e7\u00e3o de atividades proselitistas e discriminat\u00f3rias”, segundo o Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal (MPF).<\/p>\n\n\n\n

A Secretaria Especial de Sa\u00fade Ind\u00edgena (Sesai), do Minist\u00e9rio da Sa\u00fade, diz que essas ind\u00edgenas, Muwaji e Inikiru Suruwah\u00e1, trabalh\u00e3o como int\u00e9rpretes. Ambas foram retiradas da aldeia por mission\u00e1rios da Jocum h\u00e1 14 anos. Desde ent\u00e3o, uma delas se tornou mission\u00e1ria evang\u00e9lica, e a outra se engajou em campanhas promovidas pela organiza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A viagem, entre os dias 12 e 22 de fevereiro, \u00e9 uma iniciativa do minist\u00e9rio da Mulher, da Fam\u00edlia e dos Direitos Humanos, chefiado por Damares, e da Sesai.<\/p>\n\n\n\n

Procuradores da Rep\u00fablica, uma doutora em Psicologia e antrop\u00f3logos criticaram a presen\u00e7a das integrantes da Jocum na expedi\u00e7\u00e3o, alertando que a entidade pode deturpar os objetivos da viagem e lhe dar um car\u00e1ter religioso. Antrop\u00f3logos questionam ainda a exist\u00eancia de uma crise de sa\u00fade mental entre o povo.<\/p>\n\n\n\n

Eles argumentam que, para os suruwah\u00e1s, o suic\u00eddio \u00e9 bastante comum e n\u00e3o tem a mesma conota\u00e7\u00e3o que para outras popula\u00e7\u00f5es, e dizem que a comunidade jamais solicitou qualquer interven\u00e7\u00e3o do governo sobre o tema.<\/p>\n\n\n\n

O embate exp\u00f5e as tens\u00f5es associadas ao trabalho mission\u00e1rio entre povos ind\u00edgenas e ocorre dias ap\u00f3s a nomea\u00e7\u00e3o do antrop\u00f3logo e ex-mission\u00e1rio evang\u00e9lico Ricardo Lopes Dias para a chefia do \u00f3rg\u00e3o da Funai respons\u00e1vel pela prote\u00e7\u00e3o a ind\u00edgenas isolados e de recente contato. A viagem, no entanto, j\u00e1 estava agendada antes da nomea\u00e7\u00e3o de Dias.<\/p>\n\n\n\n

O caso tamb\u00e9m joga luz no debate sobre os limites entre a autonomia dos povos ind\u00edgenas e o \u00edmpeto do Estado de intervir em condutas dos grupos que considera nocivas.<\/p>\n\n\n\n

\"Jocum\"\/
Mapa mostra as bases da Jocum (Jovens com uma Miss\u00e3o) no Brasil<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Perguntas n\u00e3o respondidas<\/h2>\n\n\n\n

Questionado repetidas vezes sobre a expedi\u00e7\u00e3o, o Minist\u00e9rio da Sa\u00fade enviou uma nota curta \u00e0 BBC News Brasil na qual diz que uma “uma equipe interministerial dos minist\u00e9rios da Sa\u00fade e da Mulher, Fam\u00edlia e Direitos Humanos se deslocar\u00e1 ao territ\u00f3rio do Povo Suruwah\u00e1 para avalia\u00e7\u00e3o e monitoramento de sa\u00fade mental”.<\/p>\n\n\n\n

“Trata-se de uma equipe t\u00e9cnica, com dois int\u00e9rpretes, n\u00e3o sendo composta pela secret\u00e1ria (da Sesai) Silvia Wai\u00e3pi”, disse o \u00f3rg\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 o Minist\u00e9rio da Mulher, da Fam\u00edlia e dos Direitos Humanos disse que nenhum membro da pasta participar\u00e1 da viagem.<\/p>\n\n\n\n

Os minist\u00e9rios n\u00e3o responderam por que duas pessoas ligadas \u00e0 Jocum trabalhar\u00e3o como int\u00e9rpretes nem comentaram o controverso hist\u00f3rico da entidade. Tampouco responderam se a comunidade havia concordado com a visita e n\u00e3o se posicionaram sobre a no\u00e7\u00e3o de suic\u00eddio entre os suruwah\u00e1s.<\/p>\n\n\n\n

Na semana passada, o Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal no Amazonas enviou um of\u00edcio \u00e0 Sesai questionando quais “as medidas adotadas para impedir a pr\u00e1tica de proselitismo religioso” na visita. O \u00f3rg\u00e3o cobrou ainda a Sesai a seguir os protocolos de quarentena exigidos em atividades junto a ind\u00edgenas de recente contato, que s\u00e3o mais vulner\u00e1veis a doen\u00e7as contagiosas.<\/p>\n\n\n\n

Vida entre mission\u00e1rios<\/h2>\n\n\n\n

A presen\u00e7a de Muwaji e Inikiru na expedi\u00e7\u00e3o foi citada em documentos da Sesai sobre os preparativos da viagem, aos quais a BBC News Brasil teve acesso. Os documentos dizem que a viagem busca sanar uma “crise de sa\u00fade mental” que seria a causa de v\u00e1rios suic\u00eddios recentes no grupo.<\/p>\n\n\n\n

As ind\u00edgenas voar\u00e3o de Bras\u00edlia at\u00e9 a cidade de L\u00e1brea (AM), de onde seguir\u00e3o at\u00e9 o territ\u00f3rio suruwah\u00e1 na companhia de outros profissionais.<\/p>\n\n\n\n

Muwaji e Inikiru foram retiradas da comunidade por um casal de mission\u00e1rios da Jocum, Edson e M\u00e1rcia Suzuki, em 2006 e 2007, respectivamente. Desde ent\u00e3o, passaram a morar com fam\u00edlias de mission\u00e1rios e perderam o contato com o seu povo.<\/p>\n\n\n\n

Inikiru tinha 9 anos quando deixou a aldeia rumo \u00e0 cidade. Hoje com 22 anos, ela mora com uma fam\u00edlia que chefia a base da Jocum na Chapada dos Guimar\u00e3es (MT) e se tornou, ela pr\u00f3pria, mission\u00e1ria.<\/p>\n\n\n\n

Em janeiro, Inikiru fez uma vaquinha online para financiar uma viagem mission\u00e1ria \u00e0 Turquia. No texto em que pede doa\u00e7\u00f5es, Inikiru diz vir “de um povo isolado, onde eles cometem suic\u00eddios por falta de esperan\u00e7a”.<\/p>\n\n\n\n

“Esperan\u00e7a, para mim, \u00e9 falta do Evangelho \u2014 eu creio que o meu povo vai ser resgatado pela palavra da verdade do Evangelho”, prossegue a ind\u00edgena.<\/p>\n\n\n\n

Inikiru diz ent\u00e3o que, “em busca de levar essa palavra ao meu povo”, frequentou uma Escola de Treinamento e Discipulado (Eted), esp\u00e9cie de curso de forma\u00e7\u00e3o para mission\u00e1rios. A BBC News Brasil contatou Inikiru, mas ela n\u00e3o quis dar entrevista nem comentar a viagem para o territ\u00f3rio suruwah\u00e1.<\/p>\n\n\n\n

Linguistas e mission\u00e1rios<\/h2>\n\n\n\n

Edson e M\u00e1rcia Suzuki se aproximaram dos suruwah\u00e1s pela primeira vez em 1985 para estudar sua l\u00edngua. Em 1997, segundo um documento da Funai, a dupla passou a realizar “de modo aberto uma nova fase de indoutrina\u00e7\u00e3o religiosa de tipo fundamentalista” na comunidade.<\/p>\n\n\n\n

Em 2006, os dois foram contratados como int\u00e9rpretes pela Funda\u00e7\u00e3o Nacional de Sa\u00fade (Funasa) para acompanhar Muwaji e sua filha, Iganani, diagnosticada com retardo de crescimento e desenvolvimento, at\u00e9 Bras\u00edlia, onde a menina receberia tratamento m\u00e9dico.<\/p>\n\n\n\n

No ano seguinte, o casal voltou ao territ\u00f3rio suruwah\u00e1. Desta vez, ao regressar a Bras\u00edlia, a dupla tamb\u00e9m levou Inikiru e outro filho de Muwaji, Ahwari, na \u00e9poca com 12 anos. “Tudo, conv\u00e9m destacar, sem qualquer autoriza\u00e7\u00e3o por parte da Funai ou da Funasa”, diz o documento.<\/p>\n\n\n\n

Questionada pela BBC News Brasil sobre o motivo da viagem, a Jocum disse que caberia \u00e0 Sesai responder. “A Jocum tem contato com o povo Suruwah\u00e1 h\u00e1 mais 25 anos. A institui\u00e7\u00e3o trabalhou na tradu\u00e7\u00e3o da l\u00edngua e j\u00e1 foi parceira, inclusive da Funai, em alguns projetos, incluindo tradu\u00e7\u00e3o”, disse uma nota enviada pela chefe da organiza\u00e7\u00e3o em Porto Velho, Cleonice Larsson.<\/p>\n\n\n\n

Sobre a presen\u00e7a de Muwaji e Inikiru, disse que “ambas s\u00e3o ind\u00edgenas suruwah\u00e1, falam a l\u00edngua e certamente a equipe t\u00e9cnica ponderou a necessidade de ambas integrarem a equipe”.<\/p>\n\n\n\n

Lei Muwaji<\/h2>\n\n\n\n

Em entrevistas e textos que publicou na internet, M\u00e1rcia Suzuki afirma que, se Iganani voltasse a morar na aldeia, seria morta, j\u00e1 que, segundo a mission\u00e1ria, os suruwah\u00e1s t\u00eam o costume de sacrificar crian\u00e7as que nascem com defici\u00eancia. Por isso, diz ela, Muwaji resolveu ficar com a filha na cidade.<\/p>\n\n\n\n

A m\u00e3e acabou dando seu nome ao Projeto de Lei 1.057\/2007 (“Lei Muwaji”), que estabelece penas para agentes p\u00fablicos que deixem de agir para evitar que crian\u00e7as ind\u00edgenas sejam mortas por terem defici\u00eancia, serem fruto de gesta\u00e7\u00f5es m\u00faltiplas, terem marcas de nascen\u00e7a ou n\u00e3o serem assumidas por um dos genitores, entre outras situa\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

O projeto foi fortemente apoiado pela Jocum e pelo Movimento Atini-Voz Pela Vida, que teve entre seus fundadores Damares Alves e o casal M\u00e1rcia e Edson Suzuki. Muwaji defendeu a proposta no Congresso, e seu rosto passou a estampar campanhas favor\u00e1veis \u00e0 iniciativa.<\/p>\n\n\n\n

O projeto \u00e9 de autoria do ent\u00e3o deputado federal Henrique Afsonso (PT-AC), que disse mirar “pr\u00e1ticas tradicionais nocivas, as quais se encontram presentes em diversos grupos sociais e \u00e9tnicos do nosso pa\u00eds, (e) n\u00e3o podem ser ignoradas por esta Casa (a C\u00e2mara)”.<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 organiza\u00e7\u00f5es de antrop\u00f3logos e do movimento ind\u00edgena afirmam que o projeto de lei estigmatiza os povos nativos ao associ\u00e1-los a pr\u00e1ticas extremamente raras e que tamb\u00e9m ocorrem em outras sociedades, mas n\u00e3o s\u00e3o citadas na proposta.<\/p>\n\n\n\n

\"Korubo\"\/
Ind\u00edgenas rec\u00e9m-contatados do povo korubo<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Damares e o casal Suzuki<\/h2>\n\n\n\n

Damares abra\u00e7ou o projeto de lei desde o in\u00edcio e trabalhou pela sua aprova\u00e7\u00e3o em duas frentes. No Congresso, a ent\u00e3o assessora parlamentar ajudou a angariar apoios ao texto entre congressistas evang\u00e9licos.<\/p>\n\n\n\n

E, em 2006, Damares ajudou a fundar, junto com o casal Suzuki, da Jocum, o Movimento Atini-Voz Pela Vida, que diz ter o objetivo de “prevenir o infantic\u00eddio” em comunidades ind\u00edgenas. Em seu site, a Atini diz que Damares deixou a organiza\u00e7\u00e3o em 2015.<\/p>\n\n\n\n

O movimento diz ter salvado v\u00e1rias crian\u00e7as desde sua cria\u00e7\u00e3o. Uma delas \u00e9 Lulu Kamayur\u00e1, menina que Edson e M\u00e1rcia Suzuki retiraram de uma aldeia no Xingu e hoje mora com Damares, que a trata como uma filha.<\/p>\n\n\n\n

A mobiliza\u00e7\u00e3o da Jocum e da Atini em favor do projeto de lei virou caso de Justi\u00e7a ap\u00f3s as organiza\u00e7\u00f5es divulgarem um v\u00eddeo encenado no qual crian\u00e7as ind\u00edgenas deficientes eram enterradas vivas. O filme, chamado Hakani, dizia retratar uma “hist\u00f3ria verdadeira” encenada por “sobreviventes ou v\u00edtimas resgatadas de tentativas de infantic\u00eddio”.<\/p>\n\n\n\n

Segundo o MPF, por\u00e9m, a encena\u00e7\u00e3o usou membros da etnia karitiana, “que n\u00e3o tem a pr\u00e1tica de infantic\u00eddio em sua cultura e que passou a sofrer diversas consequ\u00eancias negativas ap\u00f3s o document\u00e1rio”. Em 2017, a Justi\u00e7a determinou que o v\u00eddeo fosse retirado do ar.<\/p>\n\n\n\n

Autoenvenenamento<\/h2>\n\n\n\n

A expedi\u00e7\u00e3o do governo at\u00e9 o territ\u00f3rio suruwah\u00e1 foi criticada por Antenor Vaz e Adriana Huber, pesquisadores que j\u00e1 trabalharam com o grupo. Hoje coordenadora do Conselho Indigenista Mission\u00e1rio (Cimi) \u2014 \u00f3rg\u00e3o ligado \u00e0 Igreja Cat\u00f3lica \u2014 em Manaus, Huber viveu entre os suruwah\u00e1s de 2006 a 2011 e fez uma tese de doutorado em Antropologia sobre a pr\u00e1tica de “autoenvenenamento” utilizada pelo grupo.<\/p>\n\n\n\n

Segundo Huber, os suruwah\u00e1s passaram a ingerir timb\u00f3 \u2014 veneno usado em t\u00e9cnicas de pescaria \u2014 h\u00e1 cerca de um s\u00e9culo. Na \u00e9poca, a invas\u00e3o do territ\u00f3rio da etnia por seringueiros havia feito com que v\u00e1rios subgrupos suruwah\u00e1s se juntassem em uma mesma aldeia. A partir dessa reorganiza\u00e7\u00e3o, a resolu\u00e7\u00e3o de conflitos internos assumiu outra l\u00f3gica.<\/p>\n\n\n\n

At\u00e9 ent\u00e3o, diz ela, os embates comunit\u00e1rios eram mediados pelos xam\u00e3s (l\u00edderes espirituais) de cada subgrupo. Com o agrupamento, diz Huber, os xam\u00e3s perderam import\u00e2ncia, e a ingest\u00e3o de timb\u00f3 assumiu o papel de media\u00e7\u00e3o de conflitos.<\/p>\n\n\n\n

Ela diz que os suruwah\u00e1s n\u00e3o tomam veneno necessariamente porque querem morrer, mas para ver quais pessoas tentar\u00e3o salv\u00e1-los e quem se comover\u00e1. “Mas, \u00e0s vezes, acabam falecendo acidentalmente, o que causa grande como\u00e7\u00e3o na comunidade”, diz a antrop\u00f3loga.<\/p>\n\n\n\n

Hoje, o autoenvenenamento \u00e9 principal causa de morte entre os suruwah\u00e1s, respons\u00e1vel por mais de 80% dos \u00f3bitos entre os adultos.<\/p>\n\n\n\n

Entre 1984 e 2018, segundo a Funai, houve uma m\u00e9dia de 3,9 casos por ano no grupo. Segundo Huber, os dados mostram que os cinco casos registrados em 2019 seguem a tend\u00eancia hist\u00f3rica e n\u00e3o indicam a exist\u00eancia de uma crise de sa\u00fade mental.<\/p>\n\n\n\n

\"testemunhas
Folheto distribu\u00eddo por testemunhas de Jeov\u00e1 entre ind\u00edgenas do povo xavante, em Mato Grosso<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Em artigo publicado na revista Espa\u00e7o Amer\u00edndio, em 2009, os antrop\u00f3logos Kariny Teixeira de Souza e M\u00e1rcio Martins dos Santos dizem que, para os suruwah\u00e1s, a morte por ingest\u00e3o de timb\u00f3 n\u00e3o \u00e9 interpretada como um ato de covardia nem uma afronta aos des\u00edgnios divinos, mas sim um caminho respeitoso e digno para uma vida melhor.<\/p>\n\n\n\n

Eles dizem que, na cosmologia do grupo, quem morre envenenado com timb\u00f3 tem acesso a “um lugar de muita alegria, onde se reencontra com os antepassados e onde as pessoas n\u00e3o envelhecem jamais”. “Todavia, s\u00f3 chegam a este lugar aqueles que morrem pela ingest\u00e3o do veneno. Quem morre por velhice ser\u00e1 privado deste lugar e sua alma ficar\u00e1 vagando sem destino”, afirmam.<\/p>\n\n\n\n

Suic\u00eddios entre outros povos<\/h2>\n\n\n\n

Proporcionalmente, o \u00edndice de suic\u00eddio entre os suruwah\u00e1s (2.280 por 100 mil habitantes) \u00e9 373 vezes maior que a m\u00e9dia do Brasil (6,1\/100 mil) e 92 vezes maior que a m\u00e9dia do pa\u00eds com a maior taxa do mundo, a Guiana (30,2\/100 mil).<\/p>\n\n\n\n

De maneira geral, o \u00edndice de suic\u00eddios entre ind\u00edgenas brasileiros \u00e9 tr\u00eas vezes maior que a m\u00e9dia nacional e atinge cifras especialmente altas em algumas etnias. Um dos casos mais conhecidos \u00e9 o dos guarani kaiow\u00e1, de Mato Grosso do Sul.<\/p>\n\n\n\n

Por\u00e9m, para Huber, o caso dos suruwah\u00e1s \u00e9 bem distinto do dos guarani kaiow\u00e1. Enquanto estes vivem em territ\u00f3rios pequenos e sob disputa contante com fazendeiros, os suruwah\u00e1s “t\u00eam terra demarcada, t\u00eam bom espa\u00e7o, ca\u00e7am, t\u00eam soberania alimentar completa, grandes ro\u00e7ados, comida abundante, ou seja, t\u00eam todos os meios para viver bem na terras deles”.<\/p>\n\n\n\n

Tanto \u00e9 assim, diz ela, que a popula\u00e7\u00e3o suruwah\u00e1 tem crescido desde que a etnia foi contatada pela primeira vez por mission\u00e1rios cat\u00f3licos, no fim dos anos 1970.<\/p>\n\n\n\n

Huber diz que os suruwah\u00e1s ficam chateados quando s\u00e3o tratados como “suicidas” e rebatem apontando para os problemas da sociedade brasileira majorit\u00e1ria. “Eles dizem: ‘a gente toma veneno quando est\u00e1 com raiva, mas voc\u00eas t\u00eam um problema imenso de partilha de riquezas e lidam com esses conflitos bebendo cacha\u00e7a e se esfaqueando.”<\/p>\n\n\n\n

\"Mission\u00e1rios\"\/
Mission\u00e1rios cat\u00f3licos entre ind\u00edgenas do Alto Rio Negro, no Amazonas<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Mais importante, diz Huber, \u00e9 que “os suruwah\u00e1s nunca pediram ajuda externa para lidar com essa pr\u00e1tica e n\u00e3o t\u00eam ideia do que seja a fun\u00e7\u00e3o da psicologia na nossa sociedade”. Ela questiona ainda a presen\u00e7a das ind\u00edgenas ligadas \u00e0 Jocum na expedi\u00e7\u00e3o e diz que outras pessoas poderiam atuar como int\u00e9rpretes.<\/p>\n\n\n\n

Huber diz que Inikiru e Muwaji “est\u00e3o fora da aldeia, em processo de forma\u00e7\u00e3o mission\u00e1ria, h\u00e1 uma d\u00e9cada”, e critica o uso de recursos p\u00fablicos para transportar “pessoas com hist\u00f3rico de proselitismo religioso” at\u00e9 o territ\u00f3rio.<\/p>\n\n\n\n

Estado e miss\u00f5es religiosas<\/h2>\n\n\n\n

Para J\u00falio Jos\u00e9 Ara\u00fajo J\u00fanior, procurador que coordena o Grupo de Trabalho do MPF sobre Povos Ind\u00edgenas e Regime Militar, o caso ilustra uma “etapa avan\u00e7ada da tentativa de colocar o Estado a servi\u00e7o de interesses de miss\u00f5es religiosas”. O procurador diz que miss\u00f5es religiosas “manejam conceitos importantes, como a no\u00e7\u00e3o de dignidade humana, para favorecer a imposi\u00e7\u00e3o de uma vis\u00e3o de mundo”.<\/p>\n\n\n\n

Para a psicanalista Vera Iaconelli, doutora em Psicologia pela Universidade de S\u00e3o Paulo (USP), a psican\u00e1lise parte do pressuposto de que “todo sujeito tem um direito inalien\u00e1vel de acabar com a pr\u00f3pria vida”, e a pior forma de lidar com quem est\u00e1 pensando em se matar \u00e9 trat\u00e1-lo “com um discurso moralizante” pr\u00f3prio de v\u00e1rias religi\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Ela afirma que o suic\u00eddio tem sentidos diferentes em cada cultura e que, para abordar o tema em uma comunidade ind\u00edgena, \u00e9 preciso “entender onde est\u00e3o suas feridas e que tipo de sofrimento eles podem estar vivendo coletivamente”.<\/p>\n\n\n\n

“Nesses ambientes, o psicanalista tem mais a escutar do que a falar. E n\u00e3o necessariamente ele precisa entrar l\u00e1: pode ser um interlocutor de pessoas de confian\u00e7a da comunidade, ajudando-as a pensar essas quest\u00f5es.”<\/p>\n\n\n\n

Para ela, convidar religiosos para lidar com sa\u00fade mental “\u00e9 como chamar veterin\u00e1rios para cuidar de uma crise termonuclear”. “N\u00e3o tem nada a ver.”<\/p>\n\n\n\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Membros de uma organiza\u00e7\u00e3o mission\u00e1ria crist\u00e3 pr\u00f3xima \u00e0 ministra Damares Alves participar\u00e3o nesta semana de uma viagem organizada pelo governo federal ao territ\u00f3rio de um dos povos ind\u00edgenas com menos la\u00e7os com a sociedade brasileira majorit\u00e1ria: os suruwah\u00e1s, do Amazonas. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":156996,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[32,1525,1126],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/156994"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=156994"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/156994\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":156998,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/156994\/revisions\/156998"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/156996"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=156994"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=156994"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=156994"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}