{"id":157455,"date":"2020-03-05T11:39:00","date_gmt":"2020-03-05T14:39:00","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=157455"},"modified":"2020-03-04T23:44:24","modified_gmt":"2020-03-05T02:44:24","slug":"desequilibrio-dos-oceanos-e-ao-mesmo-tempo-causa-e-efeito-da-crise-climatica","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2020\/03\/05\/157455-desequilibrio-dos-oceanos-e-ao-mesmo-tempo-causa-e-efeito-da-crise-climatica.html","title":{"rendered":"Desequil\u00edbrio dos oceanos \u00e9, ao mesmo tempo, causa e efeito da crise clim\u00e1tica"},"content":{"rendered":"\n
\"\"\/
Baleia cachalote nada em meio ao Mar de Sarga\u00e7os pr\u00f3ximo \u00e0 ilha Dominica, no Mar do Caribe. Al\u00e9m de armazenar carbono, as baleias tamb\u00e9m agem como importantes fertilizadoras do ecossistema marinho \u2013 apenas uma baleia-azul pode defecar 3 ton por dia.
FOTO DE\u00a0BRIAN J. SKERRY\/NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

O oceano \u00e9 base de economias e meios de subsist\u00eancia locais, nacionais e globais. Hoje, cerca de 28% da popula\u00e7\u00e3o mundial vive\u00a0em regi\u00f5es costeiras. S\u00e3o mais de dois bilh\u00f5es de pessoas que dependem direta ou indiretamente dos ecossistemas marinhos, que fornecem aproximadamente 170 milh\u00f5es de toneladas de frutos do mar por ano, cerca de 15% de toda a prote\u00edna consumida pelos seres humanos, de acordo com o\u00a0Relat\u00f3rio Especial sobre o Oceano e a Criosfera em um Clima sob Mudan\u00e7a\u00a0(SROCC, na sigla em ingl\u00eas), produzido pelo Painel Intergovernamental para Mudan\u00e7as Clim\u00e1ticas (IPCC, na sigla em ingl\u00eas), institui\u00e7\u00e3o que visa auxiliar na formula\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas de prote\u00e7\u00e3o dos mares.<\/p>\n\n\n\n

Mas al\u00e9m de fonte de alimento, energia, lazer e at\u00e9 mat\u00e9ria-prima de compostos medicinais, os oceanos exercem papel fundamental na regula\u00e7\u00e3o do clima global, absorvendo CO2 e calor da atmosfera e evitando um aquecimento ainda maior. Atrav\u00e9s da circula\u00e7\u00e3o oce\u00e2nica, o calor \u00e9 distribu\u00eddo dos tr\u00f3picos para os polos e o fundo do mar, determinando os padr\u00f5es de chuvas e as temperaturas da superf\u00edcie, que, por sua vez, influenciam climas regionais. Os mares tamb\u00e9m circulam nutrientes que alimentam diferentes formas de vida marinha. Se hoje existe vida na Terra, \u00e9 gra\u00e7as \u00e0 quantidade de oxig\u00eanio produzida pelos oceanos e liberada na atmosfera \u2013 cerca de 70% do total. Mesmo assim, s\u00f3 ganharam relev\u00e2ncia h\u00e1 50 anos, depois de se tornarem a principal fonte de petr\u00f3leo em todo o mundo. Ao mesmo tempo, come\u00e7aram a surgir movimentos de conscientiza\u00e7\u00e3o e prote\u00e7\u00e3o dos mares e seus ecossistemas.<\/p>\n\n\n\n

\u201cAt\u00e9 ent\u00e3o, eram raros os institutos de pesquisa oceanogr\u00e1fica que se dedicavam \u00e0 investiga\u00e7\u00e3o dos oceanos. A partir dos anos 1960 e 1970 novos centros de oceanografia surgiram pelo mundo e tornaram a ci\u00eancia oceanogr\u00e1fica uma realidade, e uma necessidade, para compreendermos nosso planeta e como manej\u00e1-lo da melhor forma\u201d, avalia Marcos C\u00e9sar de Oliveira Santos, coordenador do Laborat\u00f3rio de Biologia da Conserva\u00e7\u00e3o de Mam\u00edferos Aqu\u00e1ticos e professor do Instituto Oceanogr\u00e1fico da Universidade de S\u00e3o Paulo (IO-USP). \u201cEm paralelo, movimentos conservacionistas se fizeram presentes globalmente com a preocupa\u00e7\u00e3o intr\u00ednseca sobre os efeitos de nossas a\u00e7\u00f5es sobre a natureza e as consequ\u00eancias para nossa sa\u00fade e bem-estar.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Pesquisas sobre os efeitos das mudan\u00e7as clim\u00e1ticas come\u00e7aram a ganhar espa\u00e7o justamente nesse contexto. Ap\u00f3s longos debates e estudos, principalmente na \u00faltima d\u00e9cada, o IPCC j\u00e1 reconhece como cientificamente comprovadas algumas consequ\u00eancias da crise clim\u00e1tica nos oceanos. Entre elas est\u00e3o o aumento da temperatura das \u00e1guas superficiais; o derretimento de gelo polar com consequente aumento do n\u00edvel do mar, amea\u00e7ando popula\u00e7\u00f5es costeiras; altera\u00e7\u00f5es de temperatura de correntes marinhas com efeitos no transporte de nutrientes e na produ\u00e7\u00e3o de oxig\u00eanio; e mudan\u00e7as nos ciclos oce\u00e2nicos que potencializam fen\u00f4menos como o El Ni\u00f1o e suas desastrosas consequ\u00eancias. O aumento de frequ\u00eancia e intensidade de eventos extremos como furac\u00f5es e tuf\u00f5es e a acidifica\u00e7\u00e3o nos oceanos tamb\u00e9m entram na lista \u2013 \u00e1guas mais \u00e1cidas afetam significativamente os recifes de corais, ecossistemas indispens\u00e1veis para manter o equil\u00edbrio dos oceanos.<\/p>\n\n\n\n

\"Recifes
Recifes de corais como o Kingman, localizado no meio do Oceano Pac\u00edfico, s\u00e3o importantes ber\u00e7\u00e1rios para v\u00e1rias esp\u00e9cies marinhas. Com a acidifica\u00e7\u00e3o dos oceanos causada pelo aumento das emiss\u00f5es de gases estufas, recifes podem morrer e afetar toda uma cadeia ecol\u00f3gica.
FOTO DE\u00a0BRIAN J. SKERRY\/NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

\u201cEsses sistemas s\u00e3o sustentados por uma sens\u00edvel intera\u00e7\u00e3o entre esp\u00e9cies que t\u00eam limites estreitos de toler\u00e2ncia \u00e0 varia\u00e7\u00e3o da acidez da \u00e1gua do mar. Como consequ\u00eancia, temos o fen\u00f4meno que conhecemos como branqueamento e at\u00e9 a morte dos corais\u201d, explica Santos. \u201cVale lembrar que os recifes de corais s\u00e3o o\u00e1sis de diversidade de esp\u00e9cies, gerando bens e servi\u00e7os para uma parcela consider\u00e1vel da popula\u00e7\u00e3o humana que depende desses ecossistemas para sobreviver.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Em 2019, uma forte onda de calor no mar causou um branqueamento em massa de corais em v\u00e1rios pontos da costa brasileira. \u201cNo Atol das Rocas, a primeira \u00e1rea marinha protegida do Brasil e que tem pouqu\u00edssima interfer\u00eancia humana, cerca de 88% das col\u00f4nias de corais branquearam, a maior incid\u00eancia j\u00e1 registrada para o local\u201d, conta a pesquisadora Anaide Wrublevski Aued, da Universidade Federal Fluminense. Para al\u00edvio dos cientistas, os recifes conseguiram se recuperar e, meses depois, as col\u00f4nias voltaram a apresentar a colora\u00e7\u00e3o natural.<\/p>\n\n\n\n

Aued \u00e9 a respons\u00e1vel t\u00e9cnica pela Pesquisa Ecol\u00f3gica de Longa Dura\u00e7\u00e3o das Ilhas Oce\u00e2nicas do Brasil, projeto que re\u00fane cerca de 80 pesquisadores de 10 institui\u00e7\u00f5es do pa\u00eds. Criado em 2013, ele monitora os recifes de corais e outras esp\u00e9cies como tubar\u00f5es e garoupas na ilha de Trindade, no Atol das Rocas e nos arquip\u00e9lagos de S\u00e3o Pedro e S\u00e3o Paulo e de Fernando de Noronha \u2013 este \u00faltimo, o \u00fanico com atividade tur\u00edstica permitida. Os locais foram escolhidos por serem considerados laborat\u00f3rios evolutivos naturais \u2013 por estarem distantes da costa, apresentam grande incid\u00eancia de esp\u00e9cies end\u00eamicas e favorecem o surgimento de outras novas. Como sofrem menos interfer\u00eancia humana, a verifica\u00e7\u00e3o de poss\u00edveis efeitos da crise clim\u00e1tica global \u00e9 mais certeira.<\/p>\n\n\n\n

\"orcas\"\/
Orca ca\u00e7a arenques na costa da Noruega. Com o aumento da temperatura dos oceanos em decorr\u00eancia das emiss\u00f5es de gases estufa, cet\u00e1ceos como narvais, belugas e baleias-da-groenl\u00e2ndia t\u00eam, cada vez mais, ocupado regi\u00f5es mais frias ao norte onde h\u00e1 ocorr\u00eancia de orcas. O encontro provoca a fuga das novas esp\u00e9cies para as \u00e1guas mais rasas, onde encalham ou se emaranham em estruturas humanas de cultivo de peixe.
FOTO DE\u00a0PAUL NICKLEN\/NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Outra preocupa\u00e7\u00e3o dos cientistas \u00e9 a vulnerabilidade dos estoques pesqueiros sob impacto das mudan\u00e7as clim\u00e1ticas. Uma das previs\u00f5es \u00e9 a migra\u00e7\u00e3o de cardumes para regi\u00f5es mais frias, o que poder\u00e1 levar \u00e0 extin\u00e7\u00e3o local de esp\u00e9cies de peixes de elevado interesse econ\u00f4mico. A produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola tamb\u00e9m pode ser afetada. \u201cEm termos humanos, o desbalan\u00e7o clim\u00e1tico pelos oceanos pode fazer com que regi\u00f5es altamente importantes para agricultura deixem de ter a chuva necess\u00e1ria, provocando preju\u00edzos severos para as pessoas e a economia do pa\u00eds\u201d, explica Alexander Turra, professor do IO-USP e respons\u00e1vel pela C\u00e1tedra Unesco para Sustentabilidade dos Oceanos. \u201c\u00c9 fundamental ter planos n\u00e3o s\u00f3 setoriais econ\u00f4micos, mas tamb\u00e9m estrat\u00e9gicos de governo para minimizar preju\u00edzos e ampliar benef\u00edcios sob o ponto de vista de entender as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas como oportunidade.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Prote\u00e7\u00e3o Amea\u00e7ada<\/strong><\/h3>\n\n\n\n

N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel pensar em altera\u00e7\u00f5es nos sistemas clim\u00e1ticos sem antes compreender profundamente o funcionamento dos oceanos, seus processos biof\u00edsicos e as intera\u00e7\u00f5es de seus ecossistemas. Numa tentativa de coloc\u00e1-los como prioridade nos planos de mitiga\u00e7\u00e3o e combate \u00e0 crise clim\u00e1tica, a organiza\u00e7\u00e3o da 25\u00aa Confer\u00eancia das Partes para as Mudan\u00e7as Clim\u00e1ticas das Na\u00e7\u00f5es Unidas (COP-25), prevista inicialmente para acontecer no Chile e realizada em Madri, em dezembro de 2019, batizou o evento de Blue COP<\/em>, ou COP Azul. Apesar da inten\u00e7\u00e3o, cientistas lamentam a falta de resultados palp\u00e1veis nas negocia\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

\u201cInfelizmente, e apesar dos oceanos estarem na agenda, n\u00e3o houve muitos avan\u00e7os, fora o reconhecimento do papel do ecossistema marinho \u2013 nada foi aprovado at\u00e9 agora para proteg\u00ea-los de verdade\u201d, analisa Ricardo Aguilar, bi\u00f3logo e pesquisador s\u00eanior da\u00a0Oceana, uma das ONGs mais ativas na defesa dos oceanos no mundo. \u201cTemos que aumentar a superf\u00edcie da \u00e1rea marinha protegida em todo o globo para chegar pelo menos aos 30% recomendados por cientistas, ONGs e a\u00a0Uni\u00e3o Internacional para a Conserva\u00e7\u00e3o da Natureza.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Se no \u00e2mbito global as medidas foram insuficientes, no nacional tamb\u00e9m desapontaram. \u201cOs objetivos do Brasil na COP-25 deveriam estar alinhados \u00e0s iniciativas tomadas inicialmente, desde o protocolo de Quioto de redu\u00e7\u00e3o das emiss\u00f5es de Gases de Efeito Estufa (GEE)\u201d, diz Alexander\u00a0Turra. \u201cO Brasil atuou de forma negativa, em especial tentando eliminar os par\u00e1grafos que falavam explicitamente da rela\u00e7\u00e3o entre os oceanos e as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas.\u201d Turra acredita que o Brasil precisa atuar de maneira muito mais contundente para fortalecer uma vis\u00e3o sist\u00eamica tanto para a mitiga\u00e7\u00e3o quanto para a adapta\u00e7\u00e3o \u00e0s mudan\u00e7as clim\u00e1ticas. \u201cO modo de fazer isso \u00e9 aproveitar a Confer\u00eancia dos Oceanos que ser\u00e1 realizada esse ano, em Lisboa, para reafirmar compromissos volunt\u00e1rios que venham a ser internalizados tanto a n\u00edvel nacional como regional, envolvendo o Atl\u00e2ntico Sul, Am\u00e9rica Latina e Caribe\u201d, completa.<\/p>\n\n\n\n

\"Pesquisadores
Pesquisadores brasileiros observam o p\u00f4r do sol da Ant\u00e1rtida. Em meados de fevereiro de 2020, a regi\u00e3o registrou a temperatura de 18,3\u00b0C, a maior desde o in\u00edcio das medi\u00e7\u00f5es em 1961. As intera\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas entre massas de ar e correntes oce\u00e2nicas no continente gelado influenciam o clima no mundo inteiro, especialmente na Am\u00e9rica do Sul.
FOTO DE\u00a0EDSON VANDEIRA<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

O pesquisador ressalta a necessidade de o Brasil colocar em pr\u00e1tica o\u00a0Plano Nacional de Adapta\u00e7\u00e3o \u00e0 Mudan\u00e7a do Clima\u00a0a fim de se antecipar aos impactos, em especial, nas zonas costeiras. Mas lembra que a crise clim\u00e1tica traz tamb\u00e9m um\u00a0campo de oportunidades\u00a0quando pensamos em uma economia de baixo carbono. \u201cTemos uma s\u00e9rie de problemas econ\u00f4micos que poder\u00e3o ser derivados das mudan\u00e7as clim\u00e1ticas\u201d, diz Turra. \u201cMas tem outro aspecto que s\u00e3o as oportunidades que surgem nesse cen\u00e1rio e que devemos buscar como sociedade, como o desenvolvimento de tecnologias e novas formas de uso dos recurso e intera\u00e7\u00e3o com o ambiente, que far\u00e3o com que a gente emita menos e sequestre mais carbono.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Entre as atividades econ\u00f4micas promissoras est\u00e1 justamente a produ\u00e7\u00e3o de energia limpa nos oceanos, seja gerada por ondas e mar\u00e9s ou por gradientes t\u00e9rmico e de salinidade, em que diferentes concentra\u00e7\u00f5es de calor e sal podem ser transformadas em eletricidade.<\/p>\n\n\n\n

\u201cNas regi\u00f5es costeiras isso tem que ser feito de forma alinhada \u00e0 conserva\u00e7\u00e3o e recupera\u00e7\u00e3o de habitats como manguezais, marismas e vegeta\u00e7\u00f5es submersas\u201d, alerta Turra. \u201cAlguns movimentos que est\u00e3o sendo feitos de forma a\u00a0diminuir a prote\u00e7\u00e3o dos manguezais para cultivo de camar\u00e3o, por exemplo, s\u00e3o totalmente contr\u00e1rios ao que se necessita para ampliar a capacidade dos oceanos de auxiliar o planeta nessa trajet\u00f3ria de uma economia de baixo carbono.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Florestas azuis: os grandes produtores de oxig\u00eanio<\/strong><\/h3>\n\n\n\n

As florestas azuis s\u00e3o ecossistemas de vegeta\u00e7\u00e3o marinha e costeira, incluindo sapais, manguezais, prados de ervas marinhas e florestas de algas. Alguns cientistas consideram ainda os fitopl\u00e2nctons como a principal floresta azul global. Embora ocupem menos de 10% da \u00e1rea de florestas terrestres, podem estocar a mesma quantidade de carbono. Essa vegeta\u00e7\u00e3o aqu\u00e1tica fornece uma s\u00e9rie de servi\u00e7os ecossist\u00eamicos vitais para outras esp\u00e9cies e para o homem. Estima-se que produzam metade de todo o oxig\u00eanio dispon\u00edvel na Terra.<\/p>\n\n\n\n

\u201cEsses habitats marinhos s\u00e3o fundamentais para a din\u00e2mica ecol\u00f3gica do oceano, fornecendo substrato, mat\u00e9ria org\u00e2nica, alimentos, ref\u00fagio e \u00e1reas de desova para muitas esp\u00e9cies, mas tamb\u00e9m mantendo o equil\u00edbrio qu\u00edmico do oceano\u201d, pontua Ricardo Aguilar, da Oceana. \u201cAlguns s\u00e3o conhecidos por absorver e fixar enormes quantidades de CO2, como o pl\u00e2ncton, os prados de ervas marinhas e as florestas de algas. O oceano armazena mais de 39 mil gigatoneladas de carbono, 20 vezes mais que a vegeta\u00e7\u00e3o terrestre.\u201d <\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 afetadas por outras tantas a\u00e7\u00f5es humanas como polui\u00e7\u00e3o, sobrepesca, eros\u00e3o, tr\u00e1fego mar\u00edtimo e o aumento de estruturas humanas nas encostas, as florestas azuis sofrer\u00e3o os efeitos da crise clim\u00e1tica. \u201cNem toda a floresta azul reagir\u00e1 da mesma maneira ao aquecimento global. Embora os prados de fitopl\u00e2ncton ou ervas marinhas possam ser fortemente afetados, algumas algas marrons podem se beneficiar dessas mudan\u00e7as clim\u00e1ticas e qu\u00edmicas, expandindo sua distribui\u00e7\u00e3o no curto prazo\u201d, avalia Aguilar. \u201cNo entanto, \u00e1guas mais quentes levam \u00e0 diminui\u00e7\u00e3o de produtividade [de oxig\u00eanio] de algumas algas importantes. As algas calc\u00e1rias dever\u00e3o sofrer as piores consequ\u00eancias \u2013 por causa do aumento da acidifica\u00e7\u00e3o, n\u00e3o conseguir\u00e3o construir suas estruturas, o que levar\u00e1 a significativas redu\u00e7\u00f5es, semelhantes aos corais.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Estudo publicado pela revista\u00a0Scientific Reports, analisou amostras de esp\u00e9cies de pl\u00e2nctons coletadas em 1872 e comparou com amostras atuais da mesma regi\u00e3o do Pac\u00edfico. O resultado revelou estruturas, em m\u00e9dia, 76% mais finas nas amostras recentes. As altera\u00e7\u00f5es foram atribu\u00eddas a mudan\u00e7as nos n\u00edveis de acidifica\u00e7\u00e3o oce\u00e2nica provocadas pela emiss\u00e3o de poluentes na atmosfera.<\/p>\n\n\n\n

Para Aguilar, \u00e9 fundamental que exista um plano espec\u00edfico de prote\u00e7\u00e3o desses ecossistemas. Segundo estudos da Oceana, entre 1% e 7% dos bosques de algas s\u00e3o perdidos a cada ano. \u201cPrecisamos desenvolver um plano mundial para as florestas azuis de preserva\u00e7\u00e3o, restaura\u00e7\u00e3o e mapeamento desses ecossistemas \u00fanicos que podem desempenhar um papel importante na luta contra as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas\u201d, completa Aguilar.<\/p>\n\n\n\n

Baleias e golfinhos: os fertilizadores dos mares<\/strong><\/h3>\n\n\n\n

Se os oceanos s\u00e3o enormes jardins aqu\u00e1ticos produtores de oxig\u00eanio e armazenadores de di\u00f3xido de carbono, os cet\u00e1ceos, grupo de mam\u00edferos que inclui baleias e golfinhos, s\u00e3o os jardineiros. Ao longo de mais de 50 milh\u00f5es de anos de evolu\u00e7\u00e3o, esses animais carism\u00e1ticos desempenharam pap\u00e9is fundamentais para a estrutura\u00e7\u00e3o e manuten\u00e7\u00e3o dos oceanos.<\/p>\n\n\n\n

\u201cAtualmente, s\u00e3o cerca de 90 esp\u00e9cies [de cet\u00e1ceos] encontradas em todas as bacias oce\u00e2nicas, dos polos aos tr\u00f3picos, e em quatro bacias de \u00e1gua doce na Am\u00e9rica do Sul e na \u00c1sia\u201d, explica o professor do IO-USP Marcos C\u00e9sar de Oliveira Santos. \u201cDesse total, 47 esp\u00e9cies j\u00e1 foram reportadas em \u00e1guas brasileiras com padr\u00f5es de ocorr\u00eancia variando entre residentes [presentes o ano todo], migradores [visitantes ocasionais] e exploradores [raras visitas pela costa].\u201d<\/p>\n\n\n\n

Por se tratar de esp\u00e9cies do topo da cadeia alimentar, geralmente t\u00eam dietas diversificadas, mantendo o equil\u00edbrio das popula\u00e7\u00f5es de suas presas. Mas o maior servi\u00e7o prestado por esses mam\u00edferos marinhos \u00e9 a fertiliza\u00e7\u00e3o dos oceanos por meio das fezes, contribuindo para o enriquecimento do teor de nitrog\u00eanio e criando um ambiente ideal para prolifera\u00e7\u00e3o de organismos, em especial algas e fitopl\u00e2ncton. Uma \u00fanica baleia-azul pode defecar at\u00e9 tr\u00eas toneladas por dia, uma carga consider\u00e1vel de nutrientes.<\/p>\n\n\n\n

At\u00e9 o final do s\u00e9culo 19 as baleias foram ca\u00e7adas incessantemente, sempre com fins comerciais, como alimento ou por seu \u00f3leo, utilizado como combust\u00edvel para ilumina\u00e7\u00e3o e aquecimento de ruas e casas. Popula\u00e7\u00f5es baleeiras foram praticamente dizimadas. \u201cA aus\u00eancia de centenas de milhares de baleias nos oceanos implicou em uma dr\u00e1stica redu\u00e7\u00e3o na fertiliza\u00e7\u00e3o e tanto a produ\u00e7\u00e3o de oxig\u00eanio, quanto a absor\u00e7\u00e3o de CO2 pelos oceanos foram afetadas\u201d, diz Santos. \u201cA lenta recupera\u00e7\u00e3o dos estoques de baleias ap\u00f3s a redu\u00e7\u00e3o da ca\u00e7a em todo o mundo \u00e9 um importante sinal, elas t\u00eam muito mais valor vivas. Quanto mais baleias, mais oxig\u00eanio pode ser gerado, mais carbono pode ser absorvido nos oceanos. Devemos, portanto, investir em planejamentos de conserva\u00e7\u00e3o mundiais dos estoques de cet\u00e1ceos\u201d.<\/p>\n\n\n\n

E \u00e9 preciso agir r\u00e1pido. Baleias e golfinhos j\u00e1 v\u00eam respondendo \u00e0s mudan\u00e7as clim\u00e1ticas globais. H\u00e1 estudos que apontam para mudan\u00e7as de frequ\u00eancia de determinadas esp\u00e9cies, no \u00c1rtico, por exemplo. \u201cAlgumas popula\u00e7\u00f5es de narvais, belugas e de baleias-da-groenl\u00e2ndia, bastante sens\u00edveis ao aquecimento das \u00e1guas polares, est\u00e3o mudando suas \u00e1reas de uso para regi\u00f5es mais frias ao norte, onde ocorrem orcas\u201d, conta Santos. \u201cLidar com a presen\u00e7a das orcas nessas \u00e1reas pouco conhecidas para essas esp\u00e9cies tem gerado fugas para \u00e1guas mais rasas onde encalham ou morrem emaranhadas nas estruturas humanas de cultivo de peixe.\u201d Segundo o professor, outras esp\u00e9cies como baleia-azul, fin e jubarte passaram a ocupar essas \u00e1reas abandonadas pelas esp\u00e9cies que se mudaram para o norte, causando desequil\u00edbrios sem precedentes em um ecossistema onde as teias alimentares levaram milh\u00f5es de anos para se estabelecerem.<\/p>\n\n\n\n

Ant\u00e1rtida: clima com efeitos diretos no Brasil<\/strong><\/h3>\n\n\n\n

Em 1959, em Washington, capital dos Estados Unidos, foi negociado o Tratado Ant\u00e1rtico, que entrou em vigor em 1961. O objetivo do acordo multilateral era permitir que os pa\u00edses utilizassem o continente Ant\u00e1rtico para fins pac\u00edficos, sem extra\u00e7\u00e3o comercial, com liberdade para pesquisas cient\u00edficas e coopera\u00e7\u00e3o, o que acontece at\u00e9 os dias atuais. Desde 1975\u00a0o Brasil \u00e9 signat\u00e1rio do tratado, que n\u00e3o delimita territ\u00f3rios e estabelece que nenhum pa\u00eds \u00e9 soberano \u2013 cada na\u00e7\u00e3o pode ocupar livremente espa\u00e7os na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

\u201c\u00c0s vezes, at\u00e9 pa\u00edses que t\u00eam problemas geopol\u00edticos dividem espa\u00e7os comuns e de forma harm\u00f4nica\u201d, comenta Luciano Ponzi Pezzi, meteorologista e pesquisador do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). \u201cPor causa do tratado, muita coisa l\u00e1 est\u00e1 intocada, em termos at\u00e9 de biodiversidade. \u00c9 uma regi\u00e3o cobi\u00e7ada devido ao petr\u00f3leo e aos metais em seu solo, mas muito fr\u00e1gil.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Pezzi estuda a Ant\u00e1rtida, com foco na zona de conflu\u00eancia Brasil-Malvinas, desde 2005. \u201c\u00c9 uma regi\u00e3o peculiar do Atl\u00e2ntico Sudoeste, \u00e9 o nosso quintal\u201d, explica. \u201cO que ocorre ali \u00e9 o encontro de duas grandes correntes: a do Brasil, quente [cerca de 18\u00b0C] e mais salina, que desce de norte para o sul paralelamente a costa brasileira e a das Malvinas, que \u00e9 mais fria [6 a 8\u00b0C] e menos salina. Nesse encontro h\u00e1 uma conflu\u00eancia que vai em dire\u00e7\u00e3o ao mar aberto, formando a frente subtropical.\u201d Os estudos mostraram que o encontro entre essas correntes marinhas modula toda a atmosfera, desde os ventos na superf\u00edcie at\u00e9 a alta toposfera.<\/p>\n\n\n\n

Os cientistas tamb\u00e9m estudam altera\u00e7\u00f5es na espessura e na extens\u00e3o do gelo marinho na Ant\u00e1rtida provocadas pelo aumento da temperatura no planeta e que podem ocasionar mudan\u00e7as nas trilhas de tempestades \u2013 os caminhos preferenciais dos ciclones extratropicais que s\u00e3o formados ali. Em meados de fevereiro de 2020,\u00a0a regi\u00e3o registrou a temperatura recorde de 18,3\u00b0C, 0,8 graus a mais do que 2015, at\u00e9 ent\u00e3o a maior desde o in\u00edcio das medi\u00e7\u00f5es em 1961. Os dados foram obtidos pela esta\u00e7\u00e3o argentina Esperanza, no extremo norte da pen\u00ednsula.<\/p>\n\n\n\n

Um estresse significativo como a crise clim\u00e1tica global em um local como a Ant\u00e1rtida pode refletir no clima de todo o mundo. \u201cDa\u00ed a import\u00e2ncia de se estudar cada vez mais essa regi\u00e3o, mesmo sendo um continente remoto e distante\u201d, continua Pezzi. \u201c\u00c9 importante entender a origem dos processos, como eles se transformam ao longo do tempo e espacialmente, \u00e0 medida em que viajam da Ant\u00e1rtica para a Am\u00e9rica do Sul, pois \u00e9 uma influ\u00eancia direta no clima do Brasil.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Resta encarar com urg\u00eancia a maior crise ambiental da nossa hist\u00f3ria com embasamento cient\u00edfico e vontade pol\u00edtica. Compreender as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas sob todas as suas formas e atua\u00e7\u00f5es em sistemas complexos e integrados da natureza e buscar a real sustentabilidade do planeta \u00e9, hoje, o \u00fanico caminho poss\u00edvel para a nossa sobreviv\u00eancia.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Adele Santelli – National Geographic <\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Ambientes marinhos produzem a maior parte do oxig\u00eanio da Terra, armazenam enormes quantidades de carbono, fornecem 15% da prote\u00edna consumida no mundo e regulam a temperatura global. Mesmo assim, ainda n\u00e3o foram contemplados em acordos internacionais. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":157456,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[1236,4338,191],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/157455"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=157455"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/157455\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":157457,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/157455\/revisions\/157457"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/157456"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=157455"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=157455"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=157455"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}