{"id":158684,"date":"2020-04-10T17:00:00","date_gmt":"2020-04-10T20:00:00","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=158684"},"modified":"2020-04-09T22:27:38","modified_gmt":"2020-04-10T01:27:38","slug":"entre-carros-e-plantacoes-lobo-guara-luta-para-sobreviver-no-que-resta-do-cerrado","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2020\/04\/10\/158684-entre-carros-e-plantacoes-lobo-guara-luta-para-sobreviver-no-que-resta-do-cerrado.html","title":{"rendered":"Entre carros e planta\u00e7\u00f5es, lobo-guar\u00e1 luta para sobreviver no que resta do Cerrado"},"content":{"rendered":"\n

Perda de habitat e atropelamentos s\u00e3o algumas das amea\u00e7as que o maior can\u00eddeo da Am\u00e9rica do Sul enfrenta.<\/p>\n\n\n\n

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Apesar do nome, o lobo-guar\u00e1 n\u00e3o pertence ao g\u00eanero dos lobos, Canis, e tampouco \u00e9 pr\u00f3ximo das raposas, Vulpes, mas \u00e9 o \u00fanico inregrante do g\u00eanero Chrysocyon.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

O sol mal se esconde por detr\u00e1s dos pared\u00f5es do grandioso maci\u00e7o da Serra da Canastra quando Bolt, criatura esguia e solit\u00e1ria surge \u00e0 dist\u00e2ncia. Um pequeno ponto escuro a flanar mansamente em meio \u00e0 penumbra que j\u00e1 ocupa boa parte de seu caminhar, no sop\u00e9 da montanha. Bolt, um lobo-guar\u00e1 adulto, tem cerca de 85 cm de altura, aproximadamente 1,70 m de comprimento e pesa mais de 30 kg. \u00c9 um dos mais robustos de sua esp\u00e9cie. O crep\u00fasculo sinaliza o in\u00edcio da atividade di\u00e1ria dessa bela figura de movimentos elegantes, patas alongadas e pelagem marrom avermelhada. Depois de descansar durante o dia, a barriga ronca e Bolt sai em busca de alimento \u2013 em geral pequenos animais e vegetais como a chamada fruta-do-lobo que nasce nas lobeiras, arbustos t\u00edpicos daquela regi\u00e3o. A perambula\u00e7\u00e3o pode se estender por at\u00e9 10 horas nos limites do Parque Nacional da Serra da Canastra, sudoeste de Minas Gerais, criado para proteger as nascentes do rio S\u00e3o Francisco, cachoeiras, campos de altitude e remanescentes do Cerrado.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 cerca de 15 anos um grupo de pesquisadores coordenado pelo bi\u00f3logo Rog\u00e9rio Cunha de Paula vem constatando que Bolt e os demais de sua esp\u00e9cie que ali vivem passaram a arriscar-se na busca por alimento al\u00e9m dos limites do parque nacional, pr\u00f3ximo de propriedades rurais vizinhas da unidade de conserva\u00e7\u00e3o. Ele e outros lobos-guar\u00e1s vem sendo monitorados constantemente pela equipe do Projeto Lobos da Canastra, implantado em 2004 por Rog\u00e9rio de Paula e prontamente abra\u00e7ado pelo Instituto Pr\u00f3-Carn\u00edvoros e por acad\u00eamicos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de Bras\u00edlia (UnB), Pont\u00edficia Universidade Cat\u00f3lica do Rio Grande do Sul, Universidade de S\u00e3o Paulo e at\u00e9 mesmo do americano Insituto Smithsonian.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m de Bolt, mais 77 lobos-guar\u00e1s j\u00e1 foram capturados na Serra da Canastra e receberam colares radiotransmissores que permitem acompanhar a sua rotina. Os pesquisadores j\u00e1 sabem que o h\u00e1bito adquirido pelos animais \u2013 e a derrocada dos biomas onde sobrevivem \u2013 pode representar um risco de exterm\u00ednio da esp\u00e9cie.<\/p>\n\n\n\n

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H\u00e1 muitas hist\u00f3rias m\u00edsticas sobre o olhar encantado e hipnotizante do lobo-guar\u00e1. Entre os xavantes, uma lenda conta de uma alde\u00e3 que, seduzida pelo animal, foge para a mata. Quando volta, maculada, os pais a jogam na fogueira a fim de tirar o fedor do lobo. O calor do fogo faz estourar o seio cheio de leite, que, por sua vez, molhou algumas \u00e1rvores que passaram a produzir a seiva, utilizada como rem\u00e9dio e para adornos e cerim\u00f4nias.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Grande can\u00eddeo sul-americano<\/h3>\n\n\n\n

Maior can\u00eddeo silvestre da Am\u00e9rica do Sul, o lobo-guar\u00e1 (Chrysocyon brachyurus) pode ser encontrado em grandes \u00e1reas abertas onde predomina a vegeta\u00e7\u00e3o campestre no territ\u00f3rio da Am\u00e9rica do Sul, em biomas como o Cerrado, Mata Atl\u00e2ntica, Pantanal e Pampa, mais ao sul. As f\u00eameas geram at\u00e9 tr\u00eas filhotes a cada gesta\u00e7\u00e3o e a expectativa de vida \u00e9 de 12 a 15 anos. Na lista de esp\u00e9cies amea\u00e7adas do Minist\u00e9rio do Meio Ambiente, o lobo-guar\u00e1 figura na categoria de Vulner\u00e1vel, embora conste tamb\u00e9m no cat\u00e1logo da Uni\u00e3o Internacional para a Conserva\u00e7\u00e3o da Natureza (IUCN) como Quase Amea\u00e7ada. N\u00fameros estimados baseados em estudos de algumas \u00e1reas de ocorr\u00eancia \u2013 caso da Serra da Canastra \u2013 contabilizam 24 mil indiv\u00edduos sobreviventes em todo o Brasil.<\/p>\n\n\n\n

A maior popula\u00e7\u00e3o de lobos-guar\u00e1s est\u00e1 na regi\u00e3o no Cerrado: s\u00e3o perto de 14 mil indiv\u00edduos. A Mata Atl\u00e2ntica abriga 9,5 mil lobos e o pantanal 1,1 mil. Apenas 11 sobrevivem no Pampa. \u201cCom a qualidade dos ambientes naturais reduzindo, o n\u00famero de lobos-guar\u00e1s tamb\u00e9m diminui. Muitos migram para outras regi\u00f5es e morrem pelo caminho\u201d, constata o bi\u00f3logo Rog\u00e9rio de Paula. A expans\u00e3o da fronteira agr\u00edcola e \u00e1reas de pastagens, o crescimento dos centros urbanos e zonas rurais e a minera\u00e7\u00e3o s\u00e3o algumas das principais causas da degrada\u00e7\u00e3o de vegeta\u00e7\u00e3o nativa.<\/p>\n\n\n\n

O pesquisador reconhece que o futuro da esp\u00e9cie est\u00e1 totalmente conectado \u00e0 manuten\u00e7\u00e3o das \u00e1reas de maior qualidade dos biomas e na recupera\u00e7\u00e3o da vegeta\u00e7\u00e3o nativa. \u201cHoje temos uma situa\u00e7\u00e3o muito pior para o lobo-guar\u00e1 do que sempre se acreditou\u201d, comenta de Paula. \u201cA toler\u00e2ncia da esp\u00e9cie a situa\u00e7\u00f5es adversas permite que o lobo-guar\u00e1 ocupe \u00e1reas com o m\u00ednimo de condi\u00e7\u00f5es.\u201d<\/p>\n\n\n\n

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Normalmente solit\u00e1rios, os lobos-guar\u00e1s se juntam para acasalar e criar fam\u00edlia. Quando os filhotes est\u00e3o pequenos, a m\u00e3e cuida deles na toca enquanto o pai sai para buscar alimento.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n
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Filhote de lobo-guar\u00e1 com cerca de 20 dias de idade. As crias nascem completamente pretas e adquirem a colora\u00e7\u00e3o avermelhada somente depois do segundo ou terceiro m\u00eas de vida.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

\u00c1reas nessas situa\u00e7\u00f5es, entretanto, s\u00e3o hoje muito escassas e pequenas no contexto do estudo da equipe de pesquisadores. Assim, se a velocidade de degrada\u00e7\u00e3o do Cerrado e do Pampa, al\u00e9m da ocupa\u00e7\u00e3o desordenada de \u00e1reas adequadas na Mata Atl\u00e2ntica continuarem no ritmo atual, a popula\u00e7\u00e3o de lobos-guar\u00e1s estar\u00e1 cada vez mais reduzida. \u201cOs caminhos em dire\u00e7\u00e3o \u00e0s extin\u00e7\u00f5es locais, como a observada nos campos sulinos, ser\u00e3o cada vez mais frequentes\u201d, reconhece. As estrat\u00e9gias de recupera\u00e7\u00e3o e conex\u00e3o de \u00e1reas adequadas s\u00e3o urgentes e necess\u00e1rias para manter o lobo-guar\u00e1 como uma das esp\u00e9cies mais emblem\u00e1ticas do Cerrado e do Brasil.<\/p>\n\n\n\n

Projeto exemplar<\/h3>\n\n\n\n

A recupera\u00e7\u00e3o dos territ\u00f3rios do lobo-guar\u00e1 \u00e9 um dos pilares do Projeto Lobos da Canastra. \u201cAo perder seus habitats, eles t\u00eam diminu\u00edda a qualidade de vida e a taxa de sobreviv\u00eancia\u201d, diz de Paula. \u201cO estresse \u00e9 potencializado provocando redu\u00e7\u00e3o da reprodu\u00e7\u00e3o e os animais tornam-se mais sens\u00edveis a doen\u00e7as e intemp\u00e9ries.\u201d O projeto abra\u00e7a outras atividades relevantes. Para al\u00e9m dos estudos de campo, h\u00e1 tamb\u00e9m um minucioso trabalho de educa\u00e7\u00e3o ambiental entre a popula\u00e7\u00e3o da Serra da Canastra. Desde o in\u00edcio de suas atividades com os lobos da regi\u00e3o em 1997, Rog\u00e9rio de Paula e seus colegas reconheceram a urg\u00eancia de conscientizar os moradores \u2013 especialmente os fazendeiros das vizinhan\u00e7as do parque nacional \u2013 para a import\u00e2ncia da conserva\u00e7\u00e3o desses animais. Aos olhos dos ruralistas, a esp\u00e9cie sempre representou uma amea\u00e7a constante a rondar as suas cria\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Com a degrada\u00e7\u00e3o dos territ\u00f3rios naturais e a consequente escassez de alimento, os lobos se viram for\u00e7ados a vasculhar o entorno do parque nacional em busca do que comer. Galinhas, por exemplo. H\u00e1, inclusive, relatos de indiv\u00edduos que adquiriram o h\u00e1bito de vasculhar latas de lixo em busca de restos de alimentos. As visitas cada vez mais frequentes dos lobos-guar\u00e1s \u00e0s propriedades desagradavam os fazendeiros e os conflitos eram inevit\u00e1veis. No final da d\u00e9cada de 1990 e in\u00edcio de 2000 a estimativa m\u00e9dia era de seis animais abatidos por ano na regi\u00e3o. \u201cHoje, a ca\u00e7a ao lobo ali \u00e9 extremamente rara. O trabalho de conscientiza\u00e7\u00e3o com os propriet\u00e1rios incentivando a coexist\u00eancia praticamente erradicou a matan\u00e7a dos lobos\u201d, orgulha-se Rog\u00e9rio de Paula.<\/p>\n\n\n\n

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Estrada corta \u00e1reas de planta\u00e7\u00e3o no Cerrado. Uma das principais amea\u00e7as \u00e0 sobreviv\u00eancia do lobo-guar\u00e1 \u00e9 o risco de atropelamentos.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n
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Segundo o Ibama, a maioria dos lobos-guar\u00e1s atropelados s\u00e3o subadultos em fase de dispers\u00e3o. Estima-se que, em algumas popula\u00e7\u00f5es, os atropelamentos reduzem entre um ter\u00e7o e metade da produ\u00e7\u00e3o anual de filhotes.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Essa vit\u00f3ria foi, inclusive, reconhecida internacionalmente como exemplar em programas de conserva\u00e7\u00e3o com predadores. As informa\u00e7\u00f5es cient\u00edficas levantadas pelo Lobos da Canastra produziram estrat\u00e9gias de a\u00e7\u00e3o para a conserva\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie, n\u00e3o s\u00f3 na regi\u00e3o mineira, mas nacionalmente e em outros pa\u00edses como a Argentina e o Paraguai, onde os lobos-guar\u00e1s s\u00e3o encontrados em menor n\u00famero.<\/p>\n\n\n\n

Tempos de fartura<\/h3>\n\n\n\n

Quando as \u00e1reas naturais eram mais prof\u00edcuas os lobos-guar\u00e1s fartavam-se de uma grande variedade de plantas e pequenos animais silvestres, fato que os estudiosos constataram em territ\u00f3rios de pouca interfer\u00eancia humana, como os parques nacionais da Serra da Canastra e das Emas, este em Goi\u00e1s. Os guar\u00e1s s\u00e3o os \u00fanicos can\u00eddeos de grande porte que n\u00e3o ca\u00e7am em matilhas, nem comem grandes presas. Ao contr\u00e1rio, preferem uma rotina solit\u00e1ria e precisam de quantidades di\u00e1rias abundantes de alimento a fim de saciar as necessidades energ\u00e9ticas e manter a sa\u00fade em equil\u00edbrio. Animais mais fracos tornam-se vulner\u00e1veis, especialmente no mundo modificado dos homens. Com a prolifera\u00e7\u00e3o de zonas habitadas e redu\u00e7\u00e3o das \u00e1reas adequadas, \u00e9 nas propriedades que conseguem o suprimento energ\u00e9tico di\u00e1rio que lhes falta.<\/p>\n\n\n\n

\u201cEles precisam procurar mais e reduzir a variedade alimentar\u201d, diz Rog\u00e9rio de Paula. \u201cA fruta-do-lobo, esp\u00e9cie vegetal altamente adaptada que floresce em qualquer lugar e \u00e9poca do ano, adquiriu import\u00e2ncia relevante na sua dieta. Ela \u00e9 substanciosa e altamente energ\u00e9tica.\u201d<\/p>\n\n\n\n

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Rog\u00e9rio Cunha de Paula instala colar para monitoramento de um indiv\u00edduo por GPS. Bi\u00f3logo, de Paula pesquisa e desenvolve projetos de conserva\u00e7\u00e3o para os lobos-guar\u00e1s h\u00e1 mais de 20 anos.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/strong> <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n
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On\u00edvoro, o lobo-guar\u00e1 se alimenta de pequenos mam\u00edferos e aves, mas uma de suas comidas preferidos \u00e9 inclusive batizada em sua homenagem: a fruta da lobeira (Solanum lycocarpum), uma esp\u00e9cie arbustiva que cresce em ambientes \u00e1ridos.<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Do Projeto Lobos da Canastra nasceu outro programa de nome pomposo: O homem da Canastra e o lobo-guar\u00e1 \u2013 Estabelecendo um modelo de coexist\u00eancia com a fauna e preserva\u00e7\u00e3o do Cerrado. Criado em 2012, em linhas gerais, prop\u00f5e fazer da popula\u00e7\u00e3o daquela regi\u00e3o um exemplo de uso sustent\u00e1vel dos recursos naturais e de conv\u00edvio harmonioso com o lobo-guar\u00e1 e outras esp\u00e9cies importantes da fauna, como a on\u00e7a-parda (Puma concolor), a raposa do campo (Lycalopex vetulus) e a lontra (Lontra longicaudis).<\/p>\n\n\n\n

Para alcan\u00e7ar os objetivos os colaboradores do projeto passaram a utilizar material de comunica\u00e7\u00e3o e atividades educativas nas escolas e \u00e1reas rurais da Serra da Canastra. Entre as atividades inclu\u00edram o Cine Lobo, sess\u00f5es de filmes sobre os h\u00e1bitos da esp\u00e9cie e bate-papos em reuni\u00f5es comunit\u00e1rias. Destinado a atender essas necessidades foi idealizado o selo Sou Amigo do Lobo. As a\u00e7\u00f5es extrapolaram os limites da Canastra e se tornaram um projeto nacional que inclui um site de divulga\u00e7\u00e3o das atividades \u2013 com informa\u00e7\u00f5es em textos did\u00e1ticos e imagens para crian\u00e7as e adultos, al\u00e9m de um canal com v\u00eddeos no Youtube. Em outra frente de trabalho centenas de fam\u00edlias de moradores rurais ganharam galinheiros bem estruturados constru\u00eddos pelo projeto para proteger suas cria\u00e7\u00f5es, incluindo um galinheiro comunit\u00e1rio para uso de mais de 70 fam\u00edlias.<\/p>\n\n\n\n

F\u00e9 na sobreviv\u00eancia da esp\u00e9cie<\/h3>\n\n\n\n

Por todas as a\u00e7\u00f5es de conserva\u00e7\u00e3o a esperan\u00e7a de sobreviv\u00eancia do lobo-guar\u00e1, a longo prazo, \u00e9 muito forte na Serra da Canastra, cr\u00ea o bi\u00f3logo Rog\u00e9rio de Paula. \u201cA regi\u00e3o \u00e9 fonte de novos indiv\u00edduos que v\u00e3o se dispersando para colonizar mais \u00e1reas adjacentes. Essa coloniza\u00e7\u00e3o s\u00f3 d\u00e1 certo se o ambiente em volta das \u00e1reas for altamente adequado\u201d. O entorno do Parque Nacional da Serra da Canastra \u00e9 destinado ao plantio de milho, caf\u00e9, cana-de-a\u00e7\u00facar e soja em pequenas quantidades, al\u00e9m da base da economia da pecu\u00e1ria leiteira. Ou seja, campos naturais substitu\u00eddos pela pastagem com gram\u00edneas ex\u00f3ticas. Ainda que seja uma colcha de retalhos existem muitas \u00e1reas naturais misturadas com as modificadas dentro de pequenas propriedades rurais.<\/p>\n\n\n\n

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Lobo-guar\u00e1 em um \u00e1rea de campo limpo, uma das fitofisionomias do Cerrado, na regi\u00e3o da Serra da Canastra, em Minas Gerais.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n
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\u00c1rea de Cerrado desmatada para dar lugar a planta\u00e7\u00f5es. A supress\u00e3o de \u00e1rea nativa \u00e9 um dos maiores problemas para conserva\u00e7\u00e3o do lobo-guar\u00e1.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

A diversidade de tipos de ambientes, de acordo com o bi\u00f3logo, \u00e9 favor\u00e1vel \u00e0 presen\u00e7a da esp\u00e9cie em grandes quantidades, numa regi\u00e3o que det\u00e9m a maior densidade populacional desses animais em toda sua distribui\u00e7\u00e3o. \u201cA Serra da Canastra \u00e9 uma das \u00e1reas mais importantes para os lobos em toda a Am\u00e9rica do Sul. Abriga uma unidade de conserva\u00e7\u00e3o contornada por pequenas propriedades rurais de moradores que, hoje, permitem sua presen\u00e7a, convivendo em harmonia com a esp\u00e9cie\u201d, observa Rog\u00e9rio. Ele acredita que, se o lobo-guar\u00e1 desaparecer em todas as outras regi\u00f5es, um remanescente populacional tem chances de se manter na Serra da Canastra, salvando a esp\u00e9cie da extin\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A dinastia Bolt<\/h3>\n\n\n\n

Bolt talvez seja o maior exemplo a confirmar as expectativas do bi\u00f3logo. Recebeu esse nome por dois motivos distintos. Um deles foi homenagear o atleta jamaicano Usain Bolt, cujas caracter\u00edsticas s\u00e3o a resist\u00eancia e as pernas compridas como as do lobo-guar\u00e1. O outro porque quando o animal foi capturado pela primeira vez, em 2013, chovia torrencialmente na Serra da Canastra, com grande incid\u00eancia de raios (bolt, em ingl\u00eas). \u201cNa noite em que Bolt caiu na armadilha brincamos dizendo que ele nos foi enviado em um dos raios\u201d, relembra Rog\u00e9rio de Paula.<\/p>\n\n\n\n

De todos os exemplares monitorados pelos pesquisadores do Projeto Lobo da Canastra Bolt foi eleito o mais simb\u00f3lico pela persist\u00eancia. \u00c9 tamb\u00e9m o maior macho em peso e altura j\u00e1 capturado pela equipe em toda a Am\u00e9rica do Sul. Ao rastrear via r\u00e1dio-colar a rotina de Bolt em 2014, os pesquisadores notaram que ele havia se fixado em determinado ponto da Canastra por cerca de 15 dias. \u201cAchamos que tinha morrido, porque ele sempre foi muito ativo. Depois passou a se movimentar um pouco a cada dia. Algo estava errado\u201d, pensou Rog\u00e9rio de Paula. Ao recaptur\u00e1-lo, oito meses mais tarde, para a troca da bateria do colar radiotransmissor, a constata\u00e7\u00e3o: uma das patas fora quebrada abaixo do tornozelo e estava calcificada dificultando seu perambular.<\/p>\n\n\n\n

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Lobo-guar\u00e1 em trecho de campo rupestre na Serra da Canastra, ecossistema muito favor\u00e1vel para a presen\u00e7a dos animais.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n
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Com uma audi\u00e7\u00e3o muito agu\u00e7ada, as longas orelhas se movimentam independentes entre si, como antenas parab\u00f3licas.
FOTO DE ADRIANO GAMBARINI<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Mesmo assim, Bolt conseguia descer diariamente do alto do parque nacional, por um caminho pedregoso e extremamente \u00edngreme, para al\u00e9m dos limites da unidade de conserva\u00e7\u00e3o, sempre margeando o rio S\u00e3o Francisco. Estava explorando \u00e1reas pr\u00f3ximas \u00e0s fazendas. Mancava muito, deixando clara sua insist\u00eancia em conservar-se vivo a todo custo. Buscava alimento nas fazendas \u2013 mangas, bananas, goiabas e galinhas, presa f\u00e1cil para os lobos-guar\u00e1s.<\/p>\n\n\n\n

Era a \u00e9poca em que Bolt, assim como os demais companheiros solit\u00e1rios, deveria estar capturando animais silvestres. Com a fratura, por\u00e9m, n\u00e3o tinha mais a agilidade necess\u00e1ria para a ca\u00e7a. Viu-se obrigado a atravessar propriedades rurais para conseguir de comida, mesmo tendo de arriscar-se em meio a personagens amea\u00e7adores para um lobo-guar\u00e1: humanos, c\u00e3es, ve\u00edculos. Caminhando com dificuldade em busca da vida, ampliou ainda mais seu territ\u00f3rio de explora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Em 2015 a bateria do rastreador de Bolt acabou e ele desapareceu para sempre do radar dos bi\u00f3logos. Era j\u00e1 um idoso com 10 ou 12 anos de idade, coxeando muito, com secre\u00e7\u00e3o nos olhos e dentes gastos. Teria morrido? Sua f\u00eamea, entretanto \u2013 carinhosamente batizada de Rose e rastreada h\u00e1 anos \u2013 foi capturada, \u00e0 \u00e9poca, para uma avalia\u00e7\u00e3o veterin\u00e1ria. Estava prenha e lactante. Bolt deixou herdeiros na Serra da Canastra. Sua valiosa parcela no esfor\u00e7o de garantir a longevidade da esp\u00e9cie.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: National Geographic Brasil<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"