Cortando o extremo oeste da regi\u00e3o amaz\u00f4nica do Brasil, o rio Itaqua\u00ed chega ao remoto territ\u00f3rio ind\u00edgena do Vale do Javari \u2014 uma reserva extensa que abriga as comunidades ind\u00edgenas mais afastadas e isoladas do mundo. Especialistas em sa\u00fade e defensores dos direitos humanos est\u00e3o preocupados com um poss\u00edvel exterm\u00ednio de aldeias ind\u00edgenas inteiras diante da exposi\u00e7\u00e3o ao coronav\u00edrus. Eles est\u00e3o pedindo que o governo tome medidas urgentes para proteger as fronteiras dos territ\u00f3rios onde grupos extremamente vulner\u00e1veis vivem isolados. FOTO DE NICOLAS REYNARD, NAT GEO IMAGE COLLECTION<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\nOFICIAIS BRASILEIROS E ativistas de direitos humanos alertam para uma calamidade iminente de sa\u00fade p\u00fablica \u00e0 medida que as primeiras mortes ligadas ao coronav\u00edrus s\u00e3o relatadas entre popula\u00e7\u00f5es ind\u00edgenas extremamente vulner\u00e1veis na regi\u00e3o amaz\u00f4nica.<\/p>\n\n\n\n
Profissionais da sa\u00fade no estado de Roraima informaram em 9 de abril a morte de um adolescente Yanomami infectado pela covid-19, aumentando as preocupa\u00e7\u00f5es de que ele possa ter transmitido a doen\u00e7a para diversos amigos e vizinhos desde o in\u00edcio dos sintomas, h\u00e1 tr\u00eas semanas. O jovem havia estado diversas vezes em uma \u00e1rea repleta de garimpeiros e n\u00e3o se sabe de onde ou de quem ele contraiu a doen\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n
Esse caso marca a segunda morte de um ind\u00edgena no Brasil. Atualmente, s\u00e3o pelo menos sete casos confirmados entre as aldeias do pa\u00eds, distribu\u00eddas por tr\u00eas estados. Entre os infectados est\u00e3o quatro Kokamas, membros da mesma fam\u00edlia que contraiu a doen\u00e7a de um m\u00e9dico que atua no atendimento de sa\u00fade aos ind\u00edgenas e havia retornado recentemente de uma confer\u00eancia no sul do Brasil. O m\u00e9dico n\u00e3o cumpriu os protocolos de isolamento.<\/p>\n\n\n\n
No Par\u00e1, testes realizados ap\u00f3s o \u00f3bito solicitados pelos investigadores confirmaram que uma mulher Borari de 87 anos morreu em decorr\u00eancia da covid-19. Diversas pessoas compareceram ao funeral da mulher no fim de mar\u00e7o, sem saber que ela havia contra\u00eddo o v\u00edrus mortal e poderia transmitir a doen\u00e7a. A presen\u00e7a de centenas de pessoas na cerim\u00f4nia alimentou a preocupa\u00e7\u00e3o de que muitos outros casos possam surgir nos pr\u00f3ximos dias, o que pode sobrecarregar sistemas de sa\u00fade da regi\u00e3o que j\u00e1 s\u00e3o deficientes.<\/p>\n\n\n\n
\u201cDevido \u00e0 grande movimenta\u00e7\u00e3o de pessoas de um estado para outro na Amaz\u00f4nia, al\u00e9m da falta de pol\u00edticas p\u00fablicas, a covid-19 possui terreno f\u00e9rtil para a r\u00e1pida dissemina\u00e7\u00e3o entre as popula\u00e7\u00f5es que vivem na Amaz\u00f4nia, podendo causar desastres em curto e m\u00e9dio prazo\u201d, disse Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho, Rond\u00f4nia, e presidente do Conselho Indigenista Mission\u00e1rio do grupo cat\u00f3lico de direitos humanos.<\/p>\n\n\n\n
O Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal do Brasil alertou em 8 de abril para o \u201crisco de genoc\u00eddio\u201d em meio a alega\u00e7\u00f5es de que a Funai, \u00f3rg\u00e3o indigenista do Brasil, teve fraca atua\u00e7\u00e3o na conten\u00e7\u00e3o do cont\u00e1gio de coronav\u00edrus nas comunidades nativas. O Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal tamb\u00e9m reiterou o pedido de exonera\u00e7\u00e3o imediata de Ricardo Lopes Dias, mission\u00e1rio evang\u00e9lico indicado em fevereiro para chefiar a Coordena\u00e7\u00e3o-Geral de Povos Ind\u00edgenas Isolados e de Recente Contato da Funai.<\/p>\n\n\n\nOs habitantes de Moxihatetema, no cora\u00e7\u00e3o do territ\u00f3rio ind\u00edgena Yanomami, no estado de Roraima, sempre evitaram ao m\u00e1ximo o contato com pessoas de fora, inclusive com outros grupos de Yanomamis. Mas opera\u00e7\u00f5es ilegais de minera\u00e7\u00e3o de ouro foram observadas a uma dist\u00e2ncia equivalente a uma caminhada de dois dias a partir da aldeia. L\u00edderes ind\u00edgenas culpam a presen\u00e7a de garimpeiros pela primeira morte registrada de um Yanomami infectado pela covid-19 e temem que vilarejos como Moxihatetema possam ser exterminados se os garimpeiros n\u00e3o forem expulsos. FOTO DE GUILHERME GNIPPER TREVISAN\/HUTUKARA <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\nDias \u00e9 pastor veterano da Miss\u00e3o Novas Tribos, organiza\u00e7\u00e3o fundamentalista fundada em Los Angeles em 1942 com o objetivo de evangelizar aldeias isoladas da Am\u00e9rica do Sul. Sua nomea\u00e7\u00e3o para esse importante cargo da Funai levantou preocupa\u00e7\u00f5es de que ele afastaria o departamento de seu papel estrat\u00e9gico de proteger comunidades isoladas das for\u00e7as do mundo exterior.<\/p>\n\n\n\n
Ao longo de d\u00e9cadas de trabalho meticuloso, agentes de campo da Funai confirmaram a exist\u00eancia de 28 comunidades que vivem em isolamento extremo na Amaz\u00f4nia brasileira, podendo haver mais de 80. Desde 1987, a pol\u00edcia federal impede que pessoas de fora entrem nos territ\u00f3rios dos grupos isolados, principalmente para proteger os ind\u00edgenas de doen\u00e7as transmiss\u00edveis contra as quais eles t\u00eam pouca ou nenhuma defesa imunol\u00f3gica.<\/p>\n\n\n\n
Cr\u00edticos temem que Dias fa\u00e7a vista grossa para mission\u00e1rios e grupos que visam ao lucro e invadem as fronteiras dos territ\u00f3rios que abrigam essas comunidades, expondo-as ao cont\u00e1gio e desapropriando suas terras e tradi\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n
Dias contestou as alega\u00e7\u00f5es afirmando que seu departamento continua operando 21 postos avan\u00e7ados que controlam o acesso \u00e0s terras onde vivem os grupos isolados.<\/p>\n\n\n\n
\u201cO compromisso da Funai com a prote\u00e7\u00e3o dos Povos Ind\u00edgenas Isolados e de Recente Contato permanece firme\u201d, escreveu ele em um e-mail enviado \u00e0 National Geographic. \u201cEstamos seguindo as diretrizes das autoridades de sa\u00fade competentes e tomando provid\u00eancias para gerenciar essa crise global de sa\u00fade da melhor maneira poss\u00edvel.\u201d<\/p>\n\n\n\n
O caso do adolescente Yanomami infectado pelo v\u00edrus tocou num ponto sens\u00edvel entre l\u00edderes e ativistas das comunidades tribais. Cerca de 22 mil Yanomami vivem em comunidades long\u00ednquas na selva montanhosa e acidentada na fronteira com a Venezuela. Muitas de suas aldeias t\u00eam pouco ou nenhum contato com o exterior, mas sua extensa reserva vem sendo invadida ilegalmente por milhares de garimpeiros, o que representa uma grave amea\u00e7a para a aldeia. Os l\u00edderes Yanomami est\u00e3o h\u00e1 semanas pedindo aos oficiais que expulsem os mineradores. O jovem vivia uma comunidade ribeirinha invadida por uma s\u00e9rie de acampamentos de minera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\nOs Kayap\u00f3s, que vivem na bacia do rio Xingu, na regi\u00e3o central da Amaz\u00f4nia, lutam para preservar suas tradi\u00e7\u00f5es culturais diante da exposi\u00e7\u00e3o \u00e0s influ\u00eancias do mundo moderno. Nos \u00faltimos dias, os l\u00edderes Kayap\u00f3s negociaram a expuls\u00e3o de garimpeiros de seu territ\u00f3rio durante a crise do coronav\u00edrus. Em outros lugares, as patrulhas de vigil\u00e2ncia dos Kayap\u00f3s derrubaram \u00e1rvores para bloquear as estradas que d\u00e3o acesso \u00e0 sua reserva. FOTO DE FELIPE FITTIPALDI <\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n\u201cVoc\u00eas precisam trabalhar para evitar que a epidemia entre em nossas casas por meio dos caminhos abertos pelos invasores n\u00e3o ind\u00edgenas\u201d, alertou a Associa\u00e7\u00e3o Hutukara Yanomami em uma carta aberta em 19 de mar\u00e7o \u00e0s autoridades federais de sa\u00fade e assuntos ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n
Os ativistas est\u00e3o particularmente preocupados com o destino do assentamento de Moxihatetema, onde dezenas de habitantes evitam incessantemente o contato com pessoas de fora, inclusive com outras comunidades Yanomami. Os garimpeiros encontraram ouro h\u00e1 alguns anos, a apenas 29 quil\u00f4metros da aldeia, e ainda antes da amea\u00e7a da Covid-19, l\u00edderes Yanomami j\u00e1 temiam que a comunidade pudesse ser exterminada pelo cont\u00e1gio introduzido pelos mineradores.<\/p>\n\n\n\n
Imagens de sat\u00e9lite mostram que o surto de coronav\u00edrus praticamente n\u00e3o reduziu as opera\u00e7\u00f5es de minera\u00e7\u00e3o no territ\u00f3rio Yanomami, mas Dias diz que em breve seu departamento instalar\u00e1 mais dois postos avan\u00e7ados para controlar o fluxo de mineradores. Mesmo assim, o governo do presidente Jair Bolsonaro est\u00e1 fazendo press\u00e3o para legalizar a minera\u00e7\u00e3o em terras ind\u00edgenas em toda a Amaz\u00f4nia.<\/p>\n\n\n\n
\u201cO \u00fanico plano de conting\u00eancia\u201d<\/h3>\n\n\n\n Sobre as comunidades ind\u00edgenas remotas, especialistas afirmam que agora, mais do que nunca, mant\u00ea-las isoladas de pessoas de fora \u00e9 a melhor forma de proteg\u00ea-las. \u201cNa minha opini\u00e3o, o \u00fanico plano de conting\u00eancia que garantiria a sobreviv\u00eancia desses grupos \u00e9 a expuls\u00e3o dos invasores dessas \u00e1reas e a prote\u00e7\u00e3o de todas as terras onde h\u00e1 ind\u00edcios da presen\u00e7a de pessoas isoladas,\u201d disse Douglas Rodrigues, especialista em sa\u00fade de povos ind\u00edgenas da Universidade Federal de S\u00e3o Paulo. Rodrigues trabalha em comunidades nativas da Amaz\u00f4nia h\u00e1 40 anos. \u201cIsso \u00e9 um dever do governo brasileiro\u201d, afirma ele.<\/p>\n\n\n\n
Rodrigues observou que conter um cont\u00e1gio em uma aldeia ind\u00edgena tradicional com suas habita\u00e7\u00f5es comunit\u00e1rias \u00e9 praticamente imposs\u00edvel. \u201cFam\u00edlias inteiras moram juntas nas casas, com muitas pessoas, onde objetos e alimentos s\u00e3o amplamente compartilhados\u201d, explicou ele.<\/p>\n\n\n\n
Na aus\u00eancia de uma a\u00e7\u00e3o governamental s\u00f3lida, algumas comunidades est\u00e3o se organizando para impedir a dissemina\u00e7\u00e3o da pandemia. Ao longo do rio Xingu, na regi\u00e3o central da Amaz\u00f4nia, os Kayap\u00f3 chegaram a um acordo com os mineradores para que eles interrompam as opera\u00e7\u00f5es e se retirem de seu territ\u00f3rio. Ao longo do rio Tapaj\u00f3s, no estado do Par\u00e1, os Muduruku colocaram cartazes proibindo a entrada de visitantes n\u00e3o autorizados. As patrulhas de vigil\u00e2ncia redobraram seus esfor\u00e7os de prote\u00e7\u00e3o do Territ\u00f3rio Ind\u00edgena Raposa Serra do Sol em Roraima, inclusive os membros da patrulha est\u00e3o mantendo o distanciamento social entre si.<\/p>\n\n\n\n
Mas alguns relatos de outros lugares sugerem que mineradores, madeireiros e grileiros ilegais podem estar utilizando a crise da sa\u00fade como cobertura para intensificar incurs\u00f5es em territ\u00f3rios ind\u00edgenas. Nos \u00faltimos dias, o barulho de motosserras e m\u00e1quinas ecoaram nas florestas da aldeia Karipuna, no estado de Rond\u00f4nia. A Associa\u00e7\u00e3o do Povo Ind\u00edgena Karipuna disse que os membros da comunidade assistiram, desamparados e \u00e0 dist\u00e2ncia, forasteiros em a\u00e7\u00f5es de desflorestamento dentro dos limites de seu territ\u00f3rio.<\/p>\n\n\n\n
Em 31 de mar\u00e7o, Zezico Rodrigues, l\u00edder do povo Guajajara, foi encontrado morto a tiros fora de sua aldeia, no territ\u00f3rio ind\u00edgena de Arariboia, no Maranh\u00e3o. Os investigadores ainda n\u00e3o apresentaram um suspeito, mas os Guajajara travaram uma batalha contra madeireiros ilegais que j\u00e1 matou cinco de seus membros desde novembro do ano passado.<\/p>\n\n\n\n
Os apoiadores de Bolsonaro podem estar vendo um lado positivo na crise da sa\u00fade \u2014 uma oportunidade inesperada de afastar os grupos isolados e se apossar de seus recursos?<\/p>\n\n\n\n
\u201cEu acredito se tratar de uma possibilidade, considerando o fracasso do governo em implementar medidas de prote\u00e7\u00e3o para os povos ind\u00edgenas em tempo h\u00e1bil\u201d, disse Sydney Possuelo, veterano aposentado da Funai e principal articulador da antiga pol\u00edtica do Brasil de manter pessoas de fora longe das comunidades isoladas do Brasil \u2014 uma pol\u00edtica que ainda est\u00e1 em vigor, apesar da inten\u00e7\u00e3o declarada de Bolsonaro de integrar os grupos \u00e0 sociedade nacional e explorar as riquezas de suas terras.<\/p>\n\n\n\n
Fonte: National Geographic<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
\u201cA covid-19 possui terreno f\u00e9rtil para r\u00e1pida dissemina\u00e7\u00e3o entre as popula\u00e7\u00f5es que vivem na Amaz\u00f4nia\u201d, segundo presidente de grupo de direitos humanos. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":158772,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[32,3280,4278,676],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/158771"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=158771"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/158771\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":158775,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/158771\/revisions\/158775"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/158772"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=158771"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=158771"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=158771"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}