{"id":162080,"date":"2020-08-14T12:30:58","date_gmt":"2020-08-14T15:30:58","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=162080"},"modified":"2020-08-14T00:39:09","modified_gmt":"2020-08-14T03:39:09","slug":"exploracao-de-ouro-na-amazonia-provoca-surtos-de-malaria-entre-povos-indigenas","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2020\/08\/14\/162080-exploracao-de-ouro-na-amazonia-provoca-surtos-de-malaria-entre-povos-indigenas.html","title":{"rendered":"Explora\u00e7\u00e3o de ouro na Amaz\u00f4nia provoca surtos de mal\u00e1ria entre povos ind\u00edgenas"},"content":{"rendered":"\n

A preocupante conex\u00e3o entre desmatamento, minera\u00e7\u00e3o e mal\u00e1ria pode desencadear surtos mais graves ainda em 2020.<\/p>\n\n\n\n

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O Garimpo do Juma, uma mina de ouro no rio Juma, em Apu\u00ed, se espalha por mais de 10 hectares e foi escavado a 25 metros de profundidade. O desmatamento, consequ\u00eancia da minera\u00e7\u00e3o, \u00e9 irrevers\u00edvel.
FOTO DE EMILIANO MANCUSO, CONTRASTO\/RED\u200bUX<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Enxames de mosquitos surgem logo depois das queimadas na floresta.<\/p>\n\n\n\n

Quando ateiam fogo nas \u00e1rvores, uma fileira ap\u00f3s outra, os garimpeiros escavam minas profundas na \u00e1rea desmatada para extrair ouro. Muitas dessas escava\u00e7\u00f5es invadem terras protegidas que ficam pr\u00f3ximas \u00e0s regi\u00f5es de queimada, destruindo ainda mais a cobertura florestal da qual diversas pessoas dependem para viver. As crateras no formato de caverna se enchem de \u00e1gua, que fica ainda mais estagnada depois que as minas s\u00e3o abandonadas. \u00c9 assim que as doen\u00e7as transmitidas por mosquitos, como a mal\u00e1ria, come\u00e7am a se propagar com mais facilidade.<\/p>\n\n\n\n

\u201cTodo esse ac\u00famulo de \u00e1gua se transforma em local perfeito para reprodu\u00e7\u00e3o\u201d, explica Marcia Castro, diretora do departamento de sa\u00fade global e popula\u00e7\u00e3o da Universidade de Harvard. \u201cDesde a d\u00e9cada de 1980, \u00e9 poss\u00edvel encontrar diversos exemplos na Amaz\u00f4nia de aberturas de minas que desencadearam picos de transmiss\u00e3o de mal\u00e1ria.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Essa conex\u00e3o \u2014 entre desmatamento e doen\u00e7as \u2014 chamou a aten\u00e7\u00e3o de especialistas da Amaz\u00f4nia e moradores locais este ano. As taxas de desmatamento recorde do ano passado na regi\u00e3o aumentaram novamente no primeiro semestre de 2020 e a previs\u00e3o \u00e9 que esse n\u00famero n\u00e3o diminua, considerando que a temporada de queimadas florestais est\u00e1 come\u00e7ando e falta agilidade por parte do governo para monitorar a destrui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Com o pre\u00e7o do ouro em alta, valendo mais de R$ 10 mil (US$ 2 mil) a on\u00e7a, o mais alto em dez anos, a explora\u00e7\u00e3o ilegal do metal, geralmente em \u00e1reas de conserva\u00e7\u00e3o e terras ind\u00edgenas, provavelmente deixar\u00e1 a Amaz\u00f4nia repleta de criadouros que favorecem a reprodu\u00e7\u00e3o de mosquitos \u2014 e mais uma crise de sa\u00fade p\u00fablica para controlar.<\/p>\n\n\n\n

Conex\u00e3o entre desmatamento, minera\u00e7\u00e3o e mal\u00e1ria<\/h3>\n\n\n\n

Embora qualquer tipo de desmatamento possa aumentar a taxa de dissemina\u00e7\u00e3o de doen\u00e7as transmitidas por mosquitos, os po\u00e7os deixados pela explora\u00e7\u00e3o ilegal de ouro est\u00e3o criando condi\u00e7\u00f5es ideais para a reprodu\u00e7\u00e3o do mosquito Anopheles, hospedeiro da mal\u00e1ria, diz Rachel Lowe, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.<\/p>\n\n\n\n

Entre 2017 e 2019, a extra\u00e7\u00e3o de ouro destruiu 10,2 mil hectares de terra em tr\u00eas territ\u00f3rios ind\u00edgenas \u2014 Munduruku, Ianom\u00e2mi e Caiap\u00f3 \u2014 localizados na Amaz\u00f4nia Legal, \u00e1rea sociogeogr\u00e1fica que inclui todos os nove estados da bacia amaz\u00f4nica criada pelo governo brasileiro em 1948 para ajudar a planejar o desenvolvimento econ\u00f4mico e social da regi\u00e3o. Trata-se de uma \u00e1rea equivalente a 14 mil campos de futebol, de acordo com a organiza\u00e7\u00e3o sem fins lucrativos Amazon Conservation.<\/p>\n\n\n\n

Em terras munduruku, o desmatamento causado pela explora\u00e7\u00e3o de ouro mais que dobrou entre 2018 e 2019, destruindo dois mil hectares no ano passado.<\/p>\n\n\n\n

A perda de \u00e1rvores continuou em 2020 e se estende al\u00e9m dessas terras ind\u00edgenas. O desmatamento em toda a Amaz\u00f4nia cresceu 25% no primeiro semestre do ano, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) \u2014 estat\u00edstica confirmada de forma independente pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaz\u00f4nia, institui\u00e7\u00e3o de pesquisa sem fins lucrativos que estuda conserva\u00e7\u00e3o e sustentabilidade.<\/p>\n\n\n\n

O instituto tamb\u00e9m constatou que 43% desse desmatamento ocorreu no estado do Par\u00e1, na regi\u00e3o norte do Brasil. Em junho, m\u00eas que marca o in\u00edcio da esta\u00e7\u00e3o seca na Amaz\u00f4nia, \u00e9poca em que os inc\u00eandios se espalham com mais facilidade, 22% do desmatamento da Amaz\u00f4nia Legal ocorreu em \u00e1reas de conserva\u00e7\u00e3o e 3% em terras ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n

Entretanto, o governo do estado do Par\u00e1 afirma que a taxa de transmiss\u00e3o de mal\u00e1ria em \u00e1reas de minera\u00e7\u00e3o aumentou 17,8% no primeiro semestre de 2020. Essa taxa, no entanto, pode ser muito maior, pois muitos casos n\u00e3o s\u00e3o notificados. De forma mais ampla, as doen\u00e7as transmitidas por mosquitos em geral aumentaram 32% na regi\u00e3o de Itaituba em compara\u00e7\u00e3o com o mesmo per\u00edodo de 2019. Nas terras ind\u00edgenas do estado, esse n\u00famero \u00e9 de 46,7%.<\/p>\n\n\n\n

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Vista a\u00e9rea do acampamento informal de minera\u00e7\u00e3o de ouro Esperan\u00e7a IV, pr\u00f3ximo ao territ\u00f3rio ind\u00edgena Menkragnoti, em Altamira, estado do Par\u00e1, em 28 de agosto de 2019.
FOTO DE JOAO LAET, AFP\/GETTY<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Interrompendo o ciclo da mal\u00e1ria<\/h3>\n\n\n\n

As condi\u00e7\u00f5es nas \u00e1reas de extra\u00e7\u00e3o clandestina s\u00e3o parte do problema. \u00c1reas maiores desmatadas para a cria\u00e7\u00e3o de pasto tamb\u00e9m podem causar a propaga\u00e7\u00e3o da mal\u00e1ria, mas s\u00e3o as \u00e1reas menores de terra desmatada utilizadas para minera\u00e7\u00e3o que apresentam maior risco de dissemina\u00e7\u00e3o da doen\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n

\u201cEles est\u00e3o confinados, mas geralmente h\u00e1 pessoas morando perto, que ficam altamente expostas a todas as mudan\u00e7as ambientais\u201d, diz Castro. \u201cAs condi\u00e7\u00f5es favorecem a forma\u00e7\u00e3o de ainda mais criadouros, aumentando a densidade dos mosquitos e, consequentemente, a propaga\u00e7\u00e3o de doen\u00e7as.\u201d<\/p>\n\n\n\n

O uso de redes mosquiteiras e outras medidas preventivas praticamente n\u00e3o existem e, embora o Brasil conte com o SUS, sistema p\u00fablico de sa\u00fade, o acesso ao atendimento m\u00e9dico em \u00e1reas remotas da Amaz\u00f4nia \u00e9 praticamente imposs\u00edvel, observa Andr\u00e9 Siqueira, infectologista e pesquisador da Funda\u00e7\u00e3o Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro. Mesmo se houvesse cl\u00ednicas ou hospitais pr\u00f3ximos, os garimpeiros provavelmente n\u00e3o buscariam tratamento m\u00e9dico devido ao car\u00e1ter ilegal de seu trabalho.<\/p>\n\n\n\n

Em vez disso, os garimpeiros, que geralmente desconhecem as medidas de preven\u00e7\u00e3o e tratamento de doen\u00e7as como a mal\u00e1ria, \u201cacabam se automedicando, tomando uma dose mais baixa do medicamento e permanecendo infectados por v\u00e1rios dias, ou tomando rem\u00e9dios antimal\u00e1ricos para qualquer febre que eventualmente tenham\u201d, diz Siqueira.<\/p>\n\n\n\n

A movimenta\u00e7\u00e3o desses garimpeiros pela floresta faz com que a mal\u00e1ria tamb\u00e9m circule. A transmiss\u00e3o da doen\u00e7a n\u00e3o ocorre diretamente de pessoa para pessoa. Mas se um mosquito picar uma pessoa j\u00e1 infectada com mal\u00e1ria, ele pode carregar o parasita que causa a doen\u00e7a e transmiti-lo a outras pessoas. A doen\u00e7a pode ser transmitida para as pessoas que moram nas cidades onde os garimpeiros vivem e eventualmente retornam, ou para os ind\u00edgenas que vivem nas regi\u00f5es pr\u00f3ximas da Amaz\u00f4nia<\/p>\n\n\n\n

Karo Munduruku viveu na Reserva Ind\u00edgena Praia do Mangue a vida toda. A reserva est\u00e1 localizada nos arredores de Itaituba, munic\u00edpio do Par\u00e1 chamado de \u2018cidade pepita\u2019 pelos moradores. Os garimpeiros ilegais come\u00e7aram a invadir as terras munduruku muito antes de ele ter nascido.<\/p>\n\n\n\n

\u201cNunca vou me acostumar com a destrui\u00e7\u00e3o que eles deixam para tr\u00e1s\u201d, diz ele.<\/p>\n\n\n\n

Com a aten\u00e7\u00e3o voltada para o n\u00famero crescente de casos e mortes por covid-19 no pa\u00eds, e com as a\u00e7\u00f5es do governo federal que enfraqueceram as leis de prote\u00e7\u00e3o \u00e0 Amaz\u00f4nia, Munduruku teme que o desmatamento comece a afetar a sa\u00fade de sua fam\u00edlia. Ele se recorda de seus dois irm\u00e3os mais novos sofrendo durante semanas com febre, calafrios, suores noturnos e n\u00e1useas quando contra\u00edram mal\u00e1ria anos atr\u00e1s. Ele n\u00e3o quer que isso aconte\u00e7a novamente.<\/p>\n\n\n\n

A migra\u00e7\u00e3o na regi\u00e3o amaz\u00f4nica tamb\u00e9m aumentou nos \u00faltimos anos, com os venezuelanos entrando e saindo do Brasil e de outros pa\u00edses da Am\u00e9rica do Sul para escapar da crise econ\u00f4mica e pol\u00edtica de seus pa\u00edses. Um viajante que contrai mal\u00e1ria na Amaz\u00f4nia brasileira pode, mais tarde, desencadear um surto da doen\u00e7a em outro pa\u00eds.<\/p>\n\n\n\n

\u201cIsso pode fazer com que a transmiss\u00e3o recomece\u201d, diz Lowe, cuja pesquisa est\u00e1 voltada para a forma como a intera\u00e7\u00e3o dos fatores ambientais e socioecon\u00f4micos define o risco de transmiss\u00e3o de doen\u00e7as. E devido \u00e0 conex\u00e3o global entre pessoas e doen\u00e7as, \u00e9 crucial encontrar uma maneira de livrar o mundo desse desequil\u00edbrio entre sa\u00fade humana e meio ambiente.<\/p>\n\n\n\n

Para que a regi\u00e3o recupere o equil\u00edbrio, Castro acredita ser necess\u00e1ria uma transforma\u00e7\u00e3o total. O modelo de desenvolvimento na Amaz\u00f4nia, ela diz, sempre foi de explora\u00e7\u00e3o de recursos naturais, desde o aumento da extra\u00e7\u00e3o de borracha no in\u00edcio da d\u00e9cada de 1900 at\u00e9 a corrida do ouro que continua at\u00e9 hoje. Considerar os povos ind\u00edgenas e outros grupos tradicionais que vivem na Amaz\u00f4nia \u00e9 o primeiro passo para a cria\u00e7\u00e3o de um modelo que permita o uso e a prote\u00e7\u00e3o dos recursos naturais da floresta.<\/p>\n\n\n\n

\u201cAs pessoas sabem como utilizar a floresta de forma sustent\u00e1vel e h\u00e1 diversos dados que mostram que \u00e9 poss\u00edvel tornar a Amaz\u00f4nia lucrativa e produtiva sem aumentar o desmatamento\u201d, diz ela. \u201cSe estamos enfrentando esses problemas hoje, \u00e9 porque nosso modelo falhou completamente.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Fonte: National Geographic Brasil<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"