Uma gigante sul-coreana produtora de\u00a0\u00f3leo de palma, extra\u00eddo de \u00e1rvores conhecidas popularmente no Brasil como dendezeiros, tem comprado trechos das maiores florestas tropicais remanescentes da \u00c1sia. E uma investiga\u00e7\u00e3o aponta que queimadas foram deliberadamente provocadas pela empresa nessas \u00e1reas.<\/strong><\/p>\n\n\n\n
Petrus Kinggo caminha pela densa floresta tropical<\/a> na Boven Digoel Regency, na regi\u00e3o de Papua, na Indon\u00e9sia. “Este \u00e9 o nosso minimercado”, diz ele, sorrindo. “Mas, ao contr\u00e1rio da cidade, aqui a comida e os medicamentos s\u00e3o gratuitos.”<\/p>\n\n\n\n
Leia tamb\u00e9m:<\/strong><\/p>\n\n\n
Kinggo \u00e9 um anci\u00e3o da tribo Mandobo. Seus ancestrais viveram nessas florestas por s\u00e9culos. Junto com a pesca e a ca\u00e7a, o amido do sagu extra\u00eddo das palmeiras que crescem na natureza fornecia \u00e0 comunidade seu alimento fundamental.<\/p>\n\n\n\n
Sua casa est\u00e1 em um dos lugares com maior biodiversidade do planeta, e a floresta tropical<\/a> \u00e9 sagrada e essencial para as tribos ind\u00edgenas.<\/p>\n\n\n\n
Sua decis\u00e3o mudaria sua comunidade para sempre.<\/p>\n\n\n\n
Produzido a partir da polpa de cor avermelhada encontrada no dendezeiro, o \u00f3leo de palma, conhecido no Brasil como azeite de dend\u00ea<\/a>, \u00e9 o \u00f3leo vegetal mais utilizado do mundo.<\/p>\n\n\n\n
Ele \u00e9 um ingrediente importante, por exemplo, na fabrica\u00e7\u00e3o de batom, porque \u00e9 capaz de reter a cor, n\u00e3o tem sabor e n\u00e3o derrete facilmente. \u00c9 encontrado em xampus, cereais matinais e macarr\u00e3o instant\u00e2neo, entre outros produtos.<\/p>\n\n\n\n
A Indon\u00e9sia \u00e9 o maior exportador mundial de \u00f3leo de palma, e a Papua \u00e9 sua mais nova fronteira agr\u00edcola.<\/p>\n\n\n\n
O arquip\u00e9lago experimentou uma das taxas de desmatamento mais r\u00e1pidas do mundo, e vastas \u00e1reas de floresta<\/a> foram derrubadas para abrir caminho para fileiras e mais fileiras de palmeiras.<\/p>\n\n\n\n
A Korindo controla mais terras em Papua do que qualquer outro conglomerado. E desmatou quase 60 mil hectares de florestas<\/a> dentro de concess\u00f5es concedidas pelo governo \u2014 uma \u00e1rea quase do tamanho da capital baiana Salvador \u2014, e a vasta planta\u00e7\u00e3o da empresa \u00e9 protegida pelas for\u00e7as de seguran\u00e7a do Estado.<\/p>\n\n\n\n
Empresas como a Korindo precisam limpar as terras nessas concess\u00f5es para possibilitar o plantio de novas palmeiras. Usar o fogo para fazer isso \u2014 a chamada t\u00e9cnica de “corte e queima” \u2014 \u00e9 ilegal na Indon\u00e9sia devido \u00e0 polui\u00e7\u00e3o do ar gerada e aos inc\u00eandios com alto risco de sair do controle.<\/p>\n\n\n\n
A Korindo nega ter provocado inc\u00eandios, dizendo que segue a lei. Um relat\u00f3rio de 2018 do principal organismo global de certifica\u00e7\u00e3o de madeira verde \u2014 o Forest Stewardship Council (FSC), do qual a Korindo \u00e9 membro \u2014 concluiu que n\u00e3o havia evid\u00eancias de que inc\u00eandios ilegais foram causados \u200b\u200bpela empresa.<\/p>\n\n\n\n
Mas de acordo com uma nova investiga\u00e7\u00e3o do grupo Forensic Architecture da Goldsmiths University em Londres e Greenpeace International, publicada hoje em conjunto com a BBC, h\u00e1 evid\u00eancias que indicam queimadas deliberadas durante o per\u00edodo de desmatamento.<\/p>\n\n\n\n
A investiga\u00e7\u00e3o encontrou evid\u00eancias de inc\u00eandios provocados em uma das concess\u00f5es de Korindo durante anos, em padr\u00f5es consistentes com um uso deliberado das queimadas.<\/p>\n\n\n\n
Foi usada uma t\u00e9cnica que combina an\u00e1lise espacial e arquitet\u00f4nica com modelagem avan\u00e7ada e t\u00e9cnicas de pesquisa para investigar viola\u00e7\u00f5es de direitos humanos e destrui\u00e7\u00e3o<\/a> ambiental.<\/p>\n\n\n\n
“Esta \u00e9 uma t\u00e9cnica robusta que, com um alto n\u00edvel de certeza, pode determinar se um inc\u00eandio \u00e9 intencional ou n\u00e3o”, disse a pesquisadora Samaneh Moafi. “Isso nos permite responsabilizar no tribunal as grandes corpora\u00e7\u00f5es que v\u00eam sistematicamente provocando inc\u00eandios<\/a> h\u00e1 anos.”<\/p>\n\n\n\n
O grupo analisou imagens de sat\u00e9lite para estudar o padr\u00e3o de desmatamento dentro de uma concess\u00e3o Korindo chamada PT Dongin Prabhawa.<\/p>\n\n\n\n
Eles usaram as imagens para identificar a chamada “taxa normalizada de queima”, comparando-a com dados de pontos de acesso na mesma \u00e1rea \u2014 fontes de calor intenso captadas por sat\u00e9lites da Nasa<\/a>, a ag\u00eancia especial americana \u2014 e no mesmo per\u00edodo, de 2011 a 2016.<\/p>\n\n\n\n
A Korindo recusou diversos pedidos de entrevista \u00e0 BBC, mas a empresa disse em um comunicado que todo o desmatamento<\/a> foi feito com maquin\u00e1rio pesado e n\u00e3o com fogo.<\/p>\n\n\n\n
A empresa afirmou que h\u00e1 muitos inc\u00eandios naturais na regi\u00e3o devido \u00e0 extrema seca e alegou que quaisquer inc\u00eandios<\/a> em suas concess\u00f5es foram iniciados por “moradores que ca\u00e7am ratos selvagens gigantes escondidos sob pilhas de madeira”.<\/p>\n\n\n\n
Mas moradores que vivem perto da concess\u00e3o de Papua disseram \u00e0 BBC que a empresa havia incendiado a regi\u00e3o por v\u00e1rios anos, durante per\u00edodos que coincidem com as descobertas da investiga\u00e7\u00e3o visual feita pelos especialistas.<\/p>\n\n\n\n
Sefnat Mahuze, um fazendeiro local, afirmou que viu funcion\u00e1rios da Korindo recolhendo sobras de madeira, “um material sem valor”. “Eles empilharam longas fileiras de talvez 100, 200 metros, jogaram gasolina sobre elas e acenderam o fogo”, relatou.<\/p>\n\n\n\n
Outro alde\u00e3o, Esau Kamuyen, disse que a fuma\u00e7a dos inc\u00eandios “fechou o mundo ao redor deles, desligando o c\u00e9u”.<\/p>\n\n\n\n
De acordo com o Greenpeace International, as empresas raramente s\u00e3o responsabilizadas por corte e queima, uma pr\u00e1tica que quase todos os anos cria uma n\u00e9voa de fuma\u00e7a na Indon\u00e9sia que pode acabar cobrindo toda a regi\u00e3o do Sudeste Asi\u00e1tico<\/a>, levando inclusive ao fechamento de aeroportos e escolas.<\/p>\n\n\n\n
Um estudo da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, estimou que os piores inc\u00eandios em d\u00e9cadas em 2015 est\u00e3o relacionados a mais de 90 mil mortes prematuras. Acredita-se tamb\u00e9m que os inc\u00eandios daquele ano produziram mais emiss\u00f5es de carbono em alguns meses do que a economia dos Estados Unidos inteira no mesmo per\u00edodo.<\/p>\n\n\n\n
Muitas das acusa\u00e7\u00f5es tribais contra Korindo foram investigadas por dois anos pelo FSC, o principal organismo global de certifica\u00e7\u00e3o de madeira verde. O logotipo em formato de \u00e1rvore desse regulador \u2014 encontrado em produtos de papel em todo o Reino Unido e na Europa \u2014 tem como objetivo informar aos consumidores que o produto \u00e9 obtido de empresas \u00e9tnicas e sustent\u00e1veis.<\/p>\n\n\n\n
O relat\u00f3rio do FSC sobre as den\u00fancias contra Korindo nunca foi publicado, ap\u00f3s amea\u00e7as de processos judiciais feitas pela empresa sul-coreana, mas a BBC teve acesso a uma c\u00f3pia dessa investiga\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
O relat\u00f3rio encontrou “evid\u00eancias al\u00e9m de qualquer d\u00favida razo\u00e1vel” de que:<\/p>\n\n\n\n
– a opera\u00e7\u00e3o de \u00f3leo de palma da Korindo destruiu 30 mil hectares de floresta<\/a> de alto n\u00edvel de conserva\u00e7\u00e3o, violando os regulamentos do FSC;<\/p>\n\n\n\n
Uma carta enviada ao conselho do FSC em agosto, assinada por 19 grupos ambientais locais, afirma que os grupos n\u00e3o podiam mais contar com o organismo “para ser uma ferramenta de certifica\u00e7\u00e3o \u00fatil para promover a conserva\u00e7\u00e3o da floresta<\/a> e o respeito pelos direitos e meios de subsist\u00eancia da comunidade”.<\/p>\n\n\n\n
De modo geral, o governo indon\u00e9sio afirma que Papua \u00e9 uma parte integrante da na\u00e7\u00e3o, reconhecida pela comunidade internacional.<\/p>\n\n\n\n
A Prov\u00edncia, que \u00e9 metade da ilha da Nova Guin\u00e9, tornou-se parte da Indon\u00e9sia ap\u00f3s um pol\u00eamico referendo conduzido pela Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas (ONU) em 1969, no qual apenas 1.063 anci\u00e3os tribais foram selecionados para votar.<\/p>\n\n\n\n
Desde ent\u00e3o, o controle sobre os ricos recursos naturais de Papua se tornou um ponto problem\u00e1tico em um conflito separatista de longa dura\u00e7\u00e3o na regi\u00e3o. Ativistas chamam o referendo de 1969 de “ato sem escolha”.<\/p>\n\n\n\n
Militares indon\u00e9sios foram acusados \u200b\u200bpor ativistas de viola\u00e7\u00f5es graves dos direitos humanos em suas tentativas de reprimir a dissid\u00eancia em Papua e de proteger interesses comerciais.<\/p>\n\n\n\n
Observadores internacionais raramente t\u00eam acesso \u00e0 regi\u00e3o, “porque h\u00e1 algo que o Estado quer esconder”, segundo Andreas Harsono, pesquisador indon\u00e9sio da organiza\u00e7\u00e3o americana Human Rights Watch.<\/p>\n\n\n\n
“Eles est\u00e3o escondendo abusos de direitos humanos, degrada\u00e7\u00e3o ambiental, desmatamento”, disse ele. “E a marginaliza\u00e7\u00e3o dos povos ind\u00edgenas. Econ\u00f4mica, social e pol\u00edtica.”<\/p>\n\n\n\n
Em uma tentativa de reduzir a tens\u00e3o na regi\u00e3o, a Papua recebeu maior autonomia em 2001, e houve um aumento significativo de verbas do governo, com Jacarta prometendo levar prosperidade ao povo local e dizendo estar comprometida em resolver abusos de direitos pr\u00e9vios.<\/p>\n\n\n\n
Derek Ndiwaen era um dos membros da tribo Mandobo que, como Petrus Kinggo, recebia dinheiro da Korindo por suas terras. A irm\u00e3 dele, Elisabeth, estava ausente na \u00e9poca, trabalhando na cidade, e n\u00e3o soube da negocia\u00e7\u00e3o at\u00e9 voltar para casa.<\/p>\n\n\n\n
Segundo ela, Derek se envolveu em um conflito com outras tribos sobre a negocia\u00e7\u00e3o das terras. E ela acredita que tens\u00e3o teve um papel importante na morte dele.<\/p>\n\n\n\n
“Meu irm\u00e3o nunca tinha vendido seu orgulho ou a floresta”, diz ela, em meio \u00e0s l\u00e1grimas. “A empresa n\u00e3o trouxe prosperidade. O que eles fizeram foi conflito, e meu irm\u00e3o foi uma v\u00edtima.”<\/p>\n\n\n\n
Elisabeth afirma que seu irm\u00e3o tamb\u00e9m recebeu promessas de educa\u00e7\u00e3o gratuita para os filhos e de cuidados de sa\u00fade para a fam\u00edlia. Ambas nunca foram sido cumpridas.<\/p>\n\n\n\n
“A floresta acabou, e estamos vivendo na pobreza”, diz. “Depois que nossa floresta<\/a> foi vendida, voc\u00ea poderia pensar que ter\u00edamos uma vida boa. Mas n\u00e3o estamos.”<\/p>\n\n\n\n
A empresa interrompeu todo o desmatamento at\u00e9 que seja realizada uma avalia\u00e7\u00e3o das florestas<\/a> e do estoque de carbono dentro de suas concess\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n
Milhares de hectares da outrora vasta floresta tropical<\/a> da tribo Mandobo foram derrubados e substitu\u00eddos por fileiras organizadas de palmeiras. Outros 19 mil hectares agora dentro de uma concess\u00e3o de Korindo est\u00e3o reservados para limpeza.<\/p>\n\n\n\n
E quando anda pela floresta<\/a> agora, ele olha para dentro de si, e o dinheiro que obteve pesa sobre ele. “Perante Deus, pequei, enganei dez tribos”, disse ele.<\/p>\n\n\n\n
Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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