{"id":171511,"date":"2021-06-24T12:37:04","date_gmt":"2021-06-24T15:37:04","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=171511"},"modified":"2021-06-24T12:37:07","modified_gmt":"2021-06-24T15:37:07","slug":"tratado-historico-nao-protege-antartida-de-catastrofe-climatica","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2021\/06\/24\/171511-tratado-historico-nao-protege-antartida-de-catastrofe-climatica.html","title":{"rendered":"Tratado hist\u00f3rico n\u00e3o protege Ant\u00e1rtida de cat\u00e1strofe clim\u00e1tica"},"content":{"rendered":"\n
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Gelo do continente ant\u00e1rtico est\u00e1 derretendo<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Quando o Tratado da Ant\u00e1rtida entrou em vigor, 60 anos atr\u00e1s, seus signat\u00e1rios n\u00e3o podiam imaginar o \u00eaxito que teria. Nele, lideres mundiais acordaram em deixar livre de guerras, armas e dejetos nucleares, um continente inabitado, com o dobro do tamanho da Austr\u00e1lia.<\/p>\n\n\n\n

Eles declararam que a regi\u00e3o polar austral, formada por 98% de gelo e sem popula\u00e7\u00e3o nativa, n\u00e3o pertenceria a nenhum pa\u00eds, ficando dedicada \u00e0 ci\u00eancia colaborativa. Nas d\u00e9cadas seguintes, normas adicionais, impedindo companhias de explorarem minerais ou petr\u00f3leo, transformaram a Ant\u00e1rtida<\/a> na maior reserva natural do mundo.<\/p>\n\n\n\n

Mas agora a mudan\u00e7a clim\u00e1tica est\u00e1 minando essa hist\u00f3ria de sucesso. Cerca de 90% de toda a \u00e1gua doce superficial est\u00e1 presa na calota glacial ant\u00e1rtica, e, \u00e0 medida que o planeta se aquece, geleiras v\u00e3o se derretendo e se tornando menos est\u00e1veis. Seu colapso inundaria cidades costeiras como Nova York ou Jacarta.<\/p>\n\n\n\n

Os l\u00edderes mundiais se comprometeram a limitar o aquecimento global a bem menos de 2 \u00baC, em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 era pr\u00e9-industrial. No entanto, de acordo com o grupo de pesquisa Climate Action Tracker (CAT), sediado na Alemanha, suas atuais pol\u00edticas dever\u00e3o aquecer o planeta em quase 3 \u00baC.<\/p>\n\n\n\n

Por outro lado, um estudo publicado em maio pela revista Nature<\/em> revelou que tal acr\u00e9scimo de temperatura provocaria um “salto abrupto” na velocidade da perda de gelo na Ant\u00e1rtida, a qual, por sua vez, desencadearia uma eleva\u00e7\u00e3o do n\u00edvel do mar “r\u00e1pida e irrefre\u00e1vel”.<\/p>\n\n\n\n

“Um certo n\u00edvel de hipocrisia”<\/h2>\n\n\n\n

Um segundo estudo, publicado em por\u00a0Science Advances<\/em>, indica que o manto de gelo que sustenta o Glaciar Pine Island, de 175\u00a0mil km2, est\u00e1 se dissolvendo na \u00e1gua cada vez mais r\u00e1pido.<\/p>\n\n\n\n

Essa geleira responde por mais de um quarto da contribui\u00e7\u00e3o da Ant\u00e1rtida para a eleva\u00e7\u00e3o global do n\u00edvel marinho, e se derreter\u00e1 mais depressa ainda se cair em \u00e1guas c\u00e1lidas. “Se o r\u00e1pido recuo do manto de gelo continuar, ele poder\u00e1 desestabilizar o glaciar muito mais cedo do que esper\u00e1vamos”, alertam os autores.<\/p>\n\n\n\n

Segundo Alessandro Antonello, historiador da Universidade de Flinders, na Austr\u00e1lia, “o desafio ambiental central para a Ant\u00e1rtida, hoje, \u00e9 sem d\u00favida a mudan\u00e7a clim\u00e1tica”.<\/p>\n\n\n\n

No entanto, dos 54 signat\u00e1rios do tratado que protege a regi\u00e3o polar sul, os 29 com direito a voto incluem os maiores poluidores da hist\u00f3ria, como Estados Unidos e Alemanha, assim como emissores em crescimento veloz, como o Brasil, China e \u00cdndia. “H\u00e1 definitivamente um certo n\u00edvel de hipocrisia”, \u00e9 a conclus\u00e3o do autor de um livro sobre a pol\u00edtica ambiental na Ant\u00e1rtida.<\/p>\n\n\n\n

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Tratado entrou em vigor em 1961 a fim de preservar regi\u00e3o para fins cient\u00edficos<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

O\u00e1sis em tempos de Guerra Fria<\/h2>\n\n\n\n

O Tratado da Ant\u00e1rtida foi assinado em 1959 por 12 pa\u00edses cujos cientistas atuavam na regi\u00e3o, entrando em vigor dois anos mais tarde. O consenso entre os signat\u00e1rios era que a regi\u00e3o deveria ser “uma reserva natural, devotada \u00e0 paz e \u00e0 ci\u00eancia”.<\/p>\n\n\n\n

Para superpot\u00eancias como os EUA e a Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica, contudo \u2013 que nas pr\u00f3ximas tr\u00eas travariam guerras por procura\u00e7\u00e3o na \u00c1frica, Am\u00e9rica do Sul e \u00c1sia \u2013 a Ant\u00e1rtida se transformou num local de coopera\u00e7\u00e3o, oferecendo raro al\u00edvio para as tens\u00f5es nucleares da Guerra Fria.<\/p>\n\n\n\n

Em outros espa\u00e7os diplom\u00e1ticos, os representantes dessas na\u00e7\u00f5es “batiam no peito e urlavam”, explica o glaciologista Sridhar Anandakrishnan, da americana Penn State University. Durante os encontros do Tratado da Ant\u00e1rtida, contudo, eles “conversavam de modo formal, oficial e aberto”.<\/p>\n\n\n\n

A coopera\u00e7\u00e3o inclu\u00eda poder reabastecer os avi\u00f5es das equipes cient\u00edficas nas bases de outros pa\u00edses, coisa essencial numa paisagem t\u00e3o hostil, e partilhar descobertas. Os cientistas recolheram dados clim\u00e1ticos datando de centenas de milhares de anos atr\u00e1s, e em 1985 descobriram um perigoso buraco na camada de oz\u00f4nio acima da \u00e1rea.<\/p>\n\n\n\n

Quem trabalha na Ant\u00e1rtida o faz “por raz\u00f5es altru\u00edsticas”, assegura Anandakrishnan, que participou de 23 miss\u00f5es cient\u00edficas no local, desde 1985: “Estamos l\u00e1 por algo que esperamos ser maior do que n\u00f3s mesmos, e que esteja a servi\u00e7o da sociedade.”<\/p>\n\n\n\n

Vida marinha em perigo<\/h2>\n\n\n\n

As regi\u00f5es polares est\u00e3o se aquecendo mais rapidamente do que o resto da Terra. Ao contr\u00e1rio do Polo Norte, contudo, que se tornou foco de tens\u00f5es geopol\u00edticas \u00e0 medida que a fus\u00e3o do gelo revela ricos recursos, o Polo Sul tem poucos minerais ou combust\u00edveis para serem explorados, o que tem contribu\u00eddo para proteg\u00ea-lo da aten\u00e7\u00e3o das ind\u00fastrias extrativas.<\/p>\n\n\n\n

No entanto, a Ant\u00e1rtida \u00e9 ampla, e suficientemente similar a \u00e1reas geol\u00f3gicas vizinhas para abrigar mais recursos. Combinada a sua paisagem in\u00f3spita, por\u00e9m, onde o gelo espesso e o clima rigoroso tornam custosa qualquer extra\u00e7\u00e3o comercial, a proibi\u00e7\u00e3o de minera\u00e7\u00e3o e perfura\u00e7\u00e3o pelo Tratado, em 1976, manteve a regi\u00e3o livre de qualquer tipo de explora\u00e7\u00e3o, al\u00e9m da cient\u00edfica. A interdi\u00e7\u00e3o \u00e9 por prazo indefinido e s\u00f3 ser\u00e1 revista em 2048.<\/p>\n\n\n\n

Contudo o quadro \u00e9 menos otimista para as \u00e1guas circundantes. “O colapso clim\u00e1tico est\u00e1 alterando drasticamente o pr\u00f3prio cen\u00e1rio da Ant\u00e1rtida”, adverte Laura Meller, ecologista e especialista polar da Greenpeace Nordic, autora de bens sucedidas campanhas para manter a zona livre de minas e perfuradoras. “Para a vida na \u00e1gua em torno do continente, \u00e9 uma transforma\u00e7\u00e3o dr\u00e1stica.”<\/p>\n\n\n\n

Esp\u00e9cies como a merluza-negra ainda est\u00e3o sendo ca\u00e7adas de forma n\u00e3o sustent\u00e1vel no Oceano Austral, que circunda o continente gelado. P\u00e1ssaros marinhos, como o albatroz e o petrel, ficam presos nas enormes redes, como presa acidental que \u00e9 descartada.<\/p>\n\n\n\n

A pesca de krill tamb\u00e9m cresce rapidamente, tendo sido capturadas 400\u00a0mil toneladas em 2019. Elemento vital do ecossistema ant\u00e1rtico, de que se alimentam pinguins, focas, peixes e baleias, os min\u00fasculos crust\u00e1ceos, que s\u00f3 sobrevivem numa faixa de temperatura muito estreita, s\u00e3o um amortecedor para a mudan\u00e7a clim\u00e1tica<\/a>.<\/p>\n\n\n\n

Segundo pesquisa publicada em 2019 pela Nature<\/em> em 2019, o krill armazena di\u00f3xido de carbono ao se alimentar do fitopl\u00e2ncton da superf\u00edcie e expelir grande quantidade de pelotas fecais para o fundo do oceano, num processo que captura de 5 a 12 gigatoneladas de CO2 por ano.<\/p>\n\n\n\n

O Tratado da Ant\u00e1rtida protege o ecossistema terrestre, mas n\u00e3o a vida marinha, a qual \u00e9 regulada por uma comiss\u00e3o relacionada, que entrou em exerc\u00edcio em 1982. Esta estabelece limites para a pesca de krill, embora sem computar a perda de popula\u00e7\u00e3o devido \u00e0 mudan\u00e7a clim\u00e1tica.<\/p>\n\n\n\n

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Pinguins e outras esp\u00e9cies que v\u00e3o \u00e0 terra para procriar est\u00e3o nas “zonas cinzentas” do Tratado<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

“O inv\u00f3lucro que vai sufocar uma foca em 10 mil anos”<\/h2>\n\n\n\n

Menos definido \u00e9 como o acordo protege os animais que passam o maior tempo no mar, mas v\u00eam \u00e0 terra para procriar, como pinguins e focas. “H\u00e1 uma \u00e1rea cinzenta”, reconhece Ricardo Roura, especialista nas regi\u00f5es polares e consultor-chefe da Coaliz\u00e3o da Ant\u00e1rtida e do Oceano Austral (ASOC, na sigla em ingl\u00eas), que representa os grupos conservacionistas na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Essa indefini\u00e7\u00e3o legal tamb\u00e9m se aplica ao turismo: a regi\u00e3o recebe cerca de 70 mil visistantes por ano, geralmente no ver\u00e3o. Embora sejam relativamente poucos, em rela\u00e7\u00e3o ao tamanho do continente, eles costumam frequentar as mesmas dezenas de locais, que concentram o seu impacto.<\/p>\n\n\n\n

E o lixo n\u00e3o desaparece na Ant\u00e1rtida: ela \u00e9 t\u00e3o fria, seca e desprovida de predadores, que \u00e9 improv\u00e1vel os res\u00edduos se decomporem antes de a geleira finalmente se derreter e eles serem carregados para o oceano.<\/p>\n\n\n\n

Os cientistas j\u00e1 est\u00e3o vivenciando uma mudan\u00e7a de paradigma na forma de lidar com os dejetos, observa o glaciologista Anandakrishnan: “Voc\u00ea come\u00e7a a se dizer: ‘Ser\u00e1 que eu quero mesmo jogar o inv\u00f3lucro de doce aqui, para sufocar uma foca daqui a 10 mil anos?’.”<\/p>\n\n\n\n

\u00c0 medida que cresce o n\u00famero dos turistas, por\u00e9m, pode ficar cada vez mais complicado impor as prote\u00e7\u00f5es do Tratado. A Ant\u00e1rtida n\u00e3o disp\u00f5e de for\u00e7as policiais e, sem um governo soberano, continua indefinido quem pagaria pelos danos causados por visitantes estrangeiros, no evento de desastres de grande escala, como o vazamento de \u00f3leo de um navio encalhado.<\/p>\n\n\n\n

Como um exemplo de coopera\u00e7\u00e3o global, o Tratado da Ant\u00e1rtida continua \u00edmpar, embora certos especialistas sejam c\u00e9ticos de que ele poderia ser replicado atualmente. “Seria visto como globaliza\u00e7\u00e3o, o que ele \u00e9 de fato”, explica Anandakrishnan. “A chance de ele ser aprovado hoje em dia seria menor do que a de uma bola de neve no inferno.”<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Deutsche Welle<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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