{"id":173201,"date":"2021-08-31T13:30:35","date_gmt":"2021-08-31T16:30:35","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=173201"},"modified":"2021-08-31T13:30:38","modified_gmt":"2021-08-31T16:30:38","slug":"conheca-a-minhoca-que-vive-nas-geleiras-um-paradoxo-cientifico","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2021\/08\/31\/173201-conheca-a-minhoca-que-vive-nas-geleiras-um-paradoxo-cientifico.html","title":{"rendered":"Conhe\u00e7a a minhoca que vive nas geleiras \u2014 um ‘paradoxo’ cient\u00edfico"},"content":{"rendered":"\n
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As minhocas do g\u00eanero\u00a0Mesenchytraeus<\/em>\u00a0cobrem a superf\u00edcie do Paradise Glacier, no sul do Monte Rainier, em Washington. Esses animais sobrevivem sob a temperatura do ponto de congelamento da \u00e1gua, o que \u00e9 um \u201cparadoxo\u201d cient\u00edfico.
FOTO DE\u00a0SCOTT HOTALING<\/strong><\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

\u00c0 primeira vista, uma geleira parece apenas um peda\u00e7o de gelo est\u00e9ril que n\u00e3o abriga vida. Mas h\u00e1 muito mais do que apenas gelo: as geleiras s\u00e3o lar de uma s\u00e9rie de min\u00fasculos organismos que constituem um rico ecossistema g\u00e9lido.<\/p>\n\n\n\n

Os seres mais not\u00e1veis s\u00e3o as minhocas\u00a0Mesenchytraeus solifugus<\/em>, que vivem na parte ocidental da Am\u00e9rica do Norte. Medindo cerca de 12 mil\u00edmetros de comprimento e com corpo fino como um fio dental, as\u00a0M.\u00a0solifugus\u00a0<\/em>formam pequenos pontos nas geleiras de todo o Noroeste do Oceano Pac\u00edfico, Col\u00fambia Brit\u00e2nica e Alasca. Um grande n\u00famero de min\u00fasculas minhocas pretas surge nas tardes e noites de ver\u00e3o para se alimentar de algas, micro-organismos e outros detritos na superf\u00edcie. Depois, ao amanhecer, eles se enterram de volta no gelo e, durante o inverno, desaparecem nas profundezas congelantes.<\/p>\n\n\n\n

Esses parentes distantes das minhocas sobrevivem em camadas de \u00e1gua gelada na neve e no gelo, conseguindo se desenvolver mesmo na temperatura do ponto de congelamento da \u00e1gua. Isso seria imposs\u00edvel para a maioria dos animais sem nenhum isolamento t\u00e9rmico, especialmente para os animais de sangue frio, como as minhocas. Ent\u00e3o, como as do g\u00eanero M.<\/em> solifugus <\/em>conseguem fazer isso? Cientistas descobriram algumas estrat\u00e9gias da esp\u00e9cie. Eles observam que as informa\u00e7\u00f5es sobre esses inusitados seres s\u00e3o surpreendentemente relevantes e urgentes.<\/p>\n\n\n\n

Daniel Shain, pesquisador da Universidade de Rutgers que estuda a\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus\u00a0<\/em>h\u00e1 25 anos afirma que aprender mais sobre como esses animais conseguem sobreviver sob temperaturas extremas pode expandir o conhecimento sobre a vida na Terra e muito mais.<\/p>\n\n\n\n

Mas, conforme as geleiras desaparecem, a esp\u00e9cie\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus\u00a0<\/em>tamb\u00e9m desaparecer\u00e1. \u201cQueremos descobrir o m\u00e1ximo poss\u00edvel sobre a\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus\u00a0<\/em>antes que entrem em extin\u00e7\u00e3o\u201d, disse\u00a0Shirley Lang, bi\u00f3loga do Haverford College, na Pensilv\u00e2nia. \u201cE n\u00e3o tenho d\u00favidas de que um dia deixar\u00e3o de existir\u201d, se as geleiras continuarem a derreter no n\u00edvel em que est\u00e3o derretendo atualmente.<\/p>\n\n\n\n

Os mist\u00e9rios da esp\u00e9cie<\/h3>\n\n\n\n

As leis da biologia determinam que, com a queda das temperaturas, as rea\u00e7\u00f5es corporais se enfraquecem e os n\u00edveis de energia diminuem. Enquanto os animais de sangue quente precisam queimar energia para manter uma temperatura relativamente constante, os animais de sangue frio economizam energia e chegam a hibernar sob temperaturas muito frias. Mas esse n\u00e3o \u00e9 o caso da M.<\/em> solifugus<\/em>.<\/p>\n\n\n\n

\u201cOs n\u00edveis de energia dos indiv\u00edduos dessa esp\u00e9cie aumentam sob temperaturas mais baixas\u201d, revela Shain. \u201cE isso \u00e9 um paradoxo.\u201d<\/p>\n\n\n\n

A pesquisa de Shain e Lang, que concluiu seu trabalho de doutorado no laborat\u00f3rio de Shain, ajuda a explicar esse fen\u00f4meno em uma s\u00e9rie de\u00a0artigos\u00a0publicados\u00a0recentemente. Tudo est\u00e1 relacionado a uma mol\u00e9cula especial conhecida como ATP, abrevia\u00e7\u00e3o de adenosina trifosfato. A mol\u00e9cula ATP atua na circula\u00e7\u00e3o de energia nas c\u00e9lulas e potencializa a maioria das rea\u00e7\u00f5es no corpo. Isso ocorre atrav\u00e9s de uma enzima complexa, denominada ATP sintase, que \u00e9 teoricamente id\u00eantica em todos os organismos conhecidos. A mol\u00e9cula \u00e9 quase 100% eficiente no organismo das minhocas\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus\u00a0<\/em>\u2014 algo in\u00e9dito no mundo natural. E isso surpreendeu os bioqu\u00edmicos. \u201c\u00c9 um mecanismo extraordin\u00e1rio\u201d, diz Shain.<\/p>\n\n\n\n

Mas a M.<\/em> solifugus <\/em>tem um elemento adicional: uma altera\u00e7\u00e3o no DNA que cria a ATP sintase. Essa altera\u00e7\u00e3o parece acelerar a produ\u00e7\u00e3o de ATP. \u201cFunciona como um turbo\u201d, explica Shain.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 dif\u00edcil explicar essa evolu\u00e7\u00e3o, mas \u00e9 poss\u00edvel que a M.<\/em> solifugus <\/em>tenha roubado um peda\u00e7o de material gen\u00e9tico que foi detectado em fungos que vivem em altitudes elevadas. Esse suposto \u201croubo gen\u00e9tico\u201d \u00e9 particularmente incomum, porque o DNA roubado dificilmente se incorpora \u00e0 mitoc\u00f4ndria, onde a ATP \u00e9 produzida.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m do acr\u00e9scimo gen\u00e9tico, a M.<\/em> solifugus <\/em>tamb\u00e9m possui um \u201ctermostato\u201d celular alterado, que possibilita a produ\u00e7\u00e3o de ATP em temperaturas frias. As duas caracter\u00edsticas gen\u00e9ticas combinadas fazem com que a esp\u00e9cie <\/em>possua concentra\u00e7\u00f5es celulares de ATP muito mais elevadas do que a maioria dos animais. Isso ajuda a explicar como eles mant\u00eam seus n\u00edveis de energia no frio congelante.<\/p>\n\n\n\n

Lang planeja explorar ainda outra teoria que explique os altos n\u00edveis de energia das minhocas\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus<\/em>. Os indiv\u00edduos dessa esp\u00e9cie possuem muita melanina no organismo, que \u00e9 o mesmo pigmento que ajuda a proteger a pele humana da radia\u00e7\u00e3o ultravioleta. Mas na\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus<\/em>, a melanina pode ser encontrada em todo o corpo: no c\u00e9rebro, nos intestinos ou nos m\u00fasculos. Algumas pesquisas sugerem que a melanina seja capaz de\u00a0absorver energia da radia\u00e7\u00e3o solar em algumas situa\u00e7\u00f5es. Lang acredita que esse possa ser o caso da esp\u00e9cie e deseja estudar essa ideia.<\/p>\n\n\n\n

As minhocas M.<\/em> solifugus <\/em>vivem apenas em geleiras costeiras e n\u00e3o podem ser encontrados em nenhum outro lugar do mundo, embora outra esp\u00e9cie semelhante tenha sido encontrada no Tibete, quase n\u00e3o existem informa\u00e7\u00f5es sobre ela. Embora a M.<\/em> solifugus <\/em>consiga sobreviver sob zero grau Celsius, n\u00e3o suporta temperaturas muito abaixo disso.<\/p>\n\n\n\n

O predador e a presa<\/h3>\n\n\n\n

Al\u00e9m de sua incr\u00edvel energia, a\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus\u00a0<\/em>tamb\u00e9m faz parte de um ecossistema sobre o qual se sabe muito pouco. Essas minhocas vivem com rot\u00edferos, tard\u00edgrados, algas, fungos e outras criaturas microsc\u00f3picas, como explica\u00a0Scott Hotaling, bi\u00f3logo da Universidade Estadual de Washington. A\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus<\/em>\u00a0tamb\u00e9m serve de alimento para aves.<\/p>\n\n\n\n

Hotaling e seus colegas observaram pelo menos cinco esp\u00e9cies de aves se alimentando da esp\u00e9cie. Os invertebrados s\u00e3o uma fonte vital de alimento em lugares como o Monte Rainier, onde tentilh\u00f5es os engolem em grandes quantidades e os servem de alimento aos seus filhotes, diz Hotaling.<\/p>\n\n\n\n

A presen\u00e7a das aves tamb\u00e9m pode explicar como esses pequenos anel\u00eddeos s\u00e3o capazes de se transportar de uma geleira para outra. Os animais t\u00eam diferen\u00e7as gen\u00e9ticas de acordo com as regi\u00f5es em que habitam. As esp\u00e9cies de Mesenchytraeus<\/em> do Alasca provavelmente s\u00e3o diferentes de muitas outras do noroeste do Pac\u00edfico, observa Shain.<\/p>\n\n\n\n

O trabalho de Hotaling sugere que as Mesenchytraeus<\/em> podem ser transportadas vivos, se fixando \u00e0 plumagem ou aos p\u00e9s das aves, ou talvez algumas sobrevivam \u00e0 viagem dentro do intestino de uma ave. Uma popula\u00e7\u00e3o de Mesenchytraeus<\/em> na Ilha de Vancouver, por exemplo, mostra uma rela\u00e7\u00e3o pr\u00f3xima com uma popula\u00e7\u00e3o no sul do Alasca. Isso sugere que um ou v\u00e1rios podem ter sido transportados para l\u00e1 por uma ave em um passado recente.<\/p>\n\n\n\n

Mas n\u00e3o h\u00e1 mais muito tempo para desvendar os mist\u00e9rios da\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus<\/em>. Algumas das geleiras em que j\u00e1 foram encontradas, como as geleiras Lyall e\u00a0Lewis, \u00a0no Parque Nacional North Cascades, em Washington, desapareceram. E h\u00e1 ainda outras geleiras que est\u00e3o come\u00e7ando a desaparecer. A geleira Nisqually, ao sul do Monte Rainier, outro\u00a0habitat<\/em>\u00a0da\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus<\/em>, recuou em\u00a0uma m\u00e9dia de aproximadamente 90 cent\u00edmetros a cada 10 dias entre 2003 e 2015.<\/p>\n\n\n\n

A geneticista evolutiva\u00a0Joanna Kelley\u00a0e Hotaling est\u00e3o trabalhando para sequenciar o genoma da\u00a0M.<\/em>\u00a0solifugus<\/em>, o que se mostrou dif\u00edcil. A dificuldade se deu, em parte, porque a taxa de melanina em seus organismos \u00e9 tanta que, ao se fixarem no DNA, interferem na tecnologia de sequenciamento do genoma.<\/p>\n\n\n\n

Elas esperam descobrir outros segredos sobre a esp\u00e9cie antes que seja tarde demais. \u201cSinto que preciso apressar as pesquisas sobre esses animais\u201d, conclui Hotaling.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: National Geographic Brasil<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"