{"id":174411,"date":"2021-10-25T16:27:45","date_gmt":"2021-10-25T19:27:45","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=174411"},"modified":"2021-10-25T16:27:48","modified_gmt":"2021-10-25T19:27:48","slug":"mortes-misteriosas-de-oncas-pintadas-no-pantanal-sob-investigacao","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2021\/10\/25\/174411-mortes-misteriosas-de-oncas-pintadas-no-pantanal-sob-investigacao.html","title":{"rendered":"Mortes misteriosas de on\u00e7as-pintadas no Pantanal sob investiga\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"\n
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Uma on\u00e7a-pintada macho emerge dos aguap\u00e9s \u00e0s margens de um afluente do rio Cuiab\u00e1, no Brasil. Com seu antigo territ\u00f3rio tomado pela pecu\u00e1ria, ataques de on\u00e7as ao gado se tornaram comuns. Em retalia\u00e7\u00e3o, alguns pecuaristas espalham agrot\u00f3xicos para envenenar os grandes felinos.
FOTO DE\u00a0NICK GARBUTT \/ BARCROFT MEDIA, GETTY IMAGES<\/strong><\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Sandro morreu quase um m\u00eas antes de seu corpo ser encontrado.<\/p>\n\n\n\n

Uma coleira de monitoramento por GPS levou os pesquisadores a seus restos mortais em uma \u00e1rea do Pantanal brasileiro conhecida como Passo do Lontra. Eles estavam monitorando a on\u00e7a-pintada macho adulto h\u00e1 quase um ano quando a coleira os alertou de que o animal havia parado de se movimentar em maio.<\/p>\n\n\n\n

As expedi\u00e7\u00f5es \u00e0\u00a0maior plan\u00edcie alagada tropical do mundo\u00a0requerem planejamento e financiamento criteriosos, ent\u00e3o apenas em junho os pesquisadores finalmente puderam ir a campo verificar o ocorrido e ficaram chocados com o que encontraram.<\/p>\n\n\n\n

Ao rastrear a coleira atrav\u00e9s de uma das mil propriedades agropecu\u00e1rias da regi\u00e3o, vasculhando a \u00e1rea que havia registrado as \u00faltimas movimenta\u00e7\u00f5es de Sandro, encontraram outra on\u00e7a-pintada \u2014 n\u00e3o aquela que monitoravam \u2014 morta no pasto.<\/p>\n\n\n\n

A apenas 50 metros de dist\u00e2ncia estava Sandro, com a coleira ainda intacta.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o havia marcas em seus corpos \u2014 nenhum sinal de luta, nenhum ferimento \u00e0 bala.<\/p>\n\n\n\n

\u201cEram duas on\u00e7as saud\u00e1veis mortas pr\u00f3ximas uma da outra\u201d, afirma Antonio Carlos Csermak Jr., veterin\u00e1rio e pesquisador do projeto Reproduction 4 Conservation (\u201cReprodu\u00e7\u00e3o para Conserva\u00e7\u00e3o\u201d, em tradu\u00e7\u00e3o livre, ou Reprocon, grupo que monitora on\u00e7as-pintadas. \u201cFoi quando come\u00e7amos a suspeitar que haviam sido envenenadas.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Tr\u00eas dias depois, quando os pesquisadores retornaram com a Pol\u00edcia Federal e agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov\u00e1veis (Ibama), que fiscaliza o cumprimento de leis e tratados ambientais federais, identificaram o \u00faltimo ponto no GPS onde Sandro permaneceu por um per\u00edodo significativo, provavelmente se alimentando. A quase 100 metros da primeira on\u00e7a-pintada, havia uma carca\u00e7a de boi. Ao redor havia outros 17 animais mortos espalhados: 14 abutres, dois gavi\u00f5es-carcar\u00e1 e um cachorro-do-mato.<\/p>\n\n\n\n

Csermak e seus colegas haviam ouvido h\u00e1 tempos que pecuaristas, frustrados com o gado morto por on\u00e7as-pintadas, usavam agrot\u00f3xicos para tentar resolver o problema. Quando os pecuaristas encontram um de seus animais morto, eles o cobrem de veneno, imaginando que a on\u00e7a voltaria para continuar se alimentando dele.<\/p>\n\n\n\n

Os agrot\u00f3xicos suspeitos de terem sido utilizados possuem carbofurano como princ\u00edpio ativo, uma neurotoxina t\u00e3o venenosa que foi banida ou amplamente restringida no Brasil, Canad\u00e1, Uni\u00e3o Europeia, Austr\u00e1lia e China, e seu uso \u00e9 proibido em planta\u00e7\u00f5es de alimentos nos Estados Unidos. A equipe do Reprocon e autoridades brasileiras suspeitam que o veneno est\u00e1 sendo contrabandeado pelas fronteiras sem fiscaliza\u00e7\u00e3o entre o Pantanal brasileiro e o Paraguai e a Bol\u00edvia. Mas nunca houve provas \u2014 at\u00e9 agora.<\/p>\n\n\n\n

Devido \u00e0 coleira de monitoramento de Sandro, foi poss\u00edvel encontrar seu corpo e coletar amostras de tecido \u2014 prov\u00e1veis evid\u00eancias de um crime. Pela primeira vez, a Pol\u00edcia Federal e o Ibama investigam a morte por envenenamento de duas on\u00e7as-pintadas no Pantanal.<\/p>\n\n\n\n

Acredita-se que aproximadamente metade das 170 mil\u00a0on\u00e7as-pintadas\u00a0ainda existentes na natureza estejam no Brasil. Com uma popula\u00e7\u00e3o aproximada de dois mil indiv\u00edduos, o Pantanal tem uma das maiores densidades de on\u00e7as-pintadas do mundo.<\/p>\n\n\n\n

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O Pantanal \u00e9 a maior \u00e1rea plan\u00edcie alagada do planeta e se estende pelo Brasil, Bol\u00edvia e Paraguai. \u00c9 o lar de mais de quatro mil esp\u00e9cies da flora e da fauna, incluindo a popula\u00e7\u00e3o de on\u00e7as-pintadas mais densa do mundo, mas cientistas e ativistas alertam que o ecossistema corre o risco de entrar em colapso.
FOTO DE\u00a0CARL DE SOUZA\/AFP, GETTY IMAGES<\/strong><\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

As on\u00e7as-pintadas est\u00e3o classificadas na\u00a0Lista Vermelha de Esp\u00e9cies Amea\u00e7adas da Uni\u00e3o Internacional para a Conserva\u00e7\u00e3o da Natureza (UICN)\u00a0como quase amea\u00e7adas de extin\u00e7\u00e3o, com uma popula\u00e7\u00e3o cada vez menor. A expans\u00e3o do desmatamento para abrir espa\u00e7o para atividades humanas, como a pecu\u00e1ria, eliminou ou fragmentou os\u00a0habitats<\/em>\u00a0das on\u00e7as-pintadas, deixando suas popula\u00e7\u00f5es isoladas e dificultando sua reprodu\u00e7\u00e3o. Uma \u00e1rea de distribui\u00e7\u00e3o menor implica menos acesso dos felinos \u00e0s presas, os quais ficam sem op\u00e7\u00e3o a n\u00e3o ser recorrer ao gado para sua sobreviv\u00eancia. E quando atacam o gado, os pecuaristas geralmente retaliam por qualquer meio dispon\u00edvel.<\/p>\n\n\n\n

Renato Raizer estava com o Reprocon quando o grupo colocou pela primeira vez a coleira de monitoramento em Sandro. Ele tamb\u00e9m esteve presente quando encontraram o corpo da on\u00e7a-pintada. Pecuarista que mant\u00e9m uma cria\u00e7\u00e3o de gado com o pai h\u00e1 12 anos, ele afirma que nunca mataria uma on\u00e7a-pintada, embora perca cerca de 50 animais para as on\u00e7as todos os anos (marcas de garras no pesco\u00e7o de um boi e\u00a0marcas de mordidas no cr\u00e2nio\u00a0s\u00e3o sinais de ataque de on\u00e7a).<\/p>\n\n\n\n

\u201cN\u00e3o tem muito o que fazer\u201d, conta ele. \u201cSe a propriedade \u00e9 pequena, talvez seja poss\u00edvel construir um cercado para manter seu gado durante a noite. Mas o que fazer se houver mil, duas mil, 15 mil, 80 mil cabe\u00e7as de gado? Voc\u00ea apenas arca com a perda. Pode ser uma propriedade minha, mas tamb\u00e9m \u00e9 o lar das on\u00e7as.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Mas nem todo mundo pensa assim. Antes de ser tomado pela pecu\u00e1ria, o pasto nativo onde Sandro e os outros animais foram encontrados era um ponto tur\u00edstico. Pessoas de todo o mundo visitavam o local, na esperan\u00e7a de ver uma on\u00e7a-pintada na mata. E geralmente conseguiam. Sua localiza\u00e7\u00e3o \u00e0s margens do rio Miranda significa que atra\u00eda mais on\u00e7as-pintadas do que a maioria das propriedades da regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Gian Peralta, guia de turismo de animais silvestres, alugou a propriedade entre 2012 e 2019, antes de ser comprada por seu atual propriet\u00e1rio. Enquanto trabalhou na regi\u00e3o, os neg\u00f3cios iam bem, afirma ele. Todos os dias ele avistava duas ou tr\u00eas on\u00e7as. \u00c0s vezes, ele as atra\u00eda usando um instrumento que imita os sons de on\u00e7as ao procurar por um companheiro. Outras vezes, n\u00e3o era necess\u00e1rio. Eram facilmente avistadas, descansando na margem do rio.<\/p>\n\n\n\n

Ele percebeu que havia algo errado no ano passado.<\/p>\n\n\n\n

\u201cQuando segui pela estrada de terra por onde as on\u00e7as sempre passavam, n\u00e3o vi mais nenhuma pegada\u201d, prossegue Peralta.<\/p>\n\n\n\n

Atualmente, ele continua trabalhando nas proximidades, ainda usando o rio Miranda como meio de transporte, mas Peralta conta que tem sorte quando v\u00ea uma on\u00e7a por dia. Geralmente passa v\u00e1rios dias sem avistar nenhuma.<\/p>\n\n\n\n

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A metros de uma on\u00e7a ferida, o gado da regi\u00e3o de Porto Jofre, no Pantanal, bebe \u00e1gua. \u00c0 medida que a pastagem para o gado invade o\u00a0habitat<\/em>\u00a0das on\u00e7as-pintadas, predadores e presas ficam cada vez mais pr\u00f3ximos.
FOTO DE\u00a0PHOTO BY MAURO PIMENTEL\/AFP, GETTY IMAGES<\/strong><\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Ao deixar a propriedade em 2019, ele alertou o antigo propriet\u00e1rio para n\u00e3o vend\u00ea-la ou alug\u00e1-la para algu\u00e9m que a utilizasse para a pecu\u00e1ria, mas ele n\u00e3o seguiu seu conselho. Peralta revela que assim que ouviu falar de on\u00e7as-pintadas mortas, sabia que havia sido naquela regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Assim que a hist\u00f3ria chegou ao notici\u00e1rio, come\u00e7aram os rumores. Alguns moradores e pecuaristas afirmam ter visto mais nove on\u00e7as-pintadas mortas na propriedade onde Sandro foi encontrado. Outros dizem que havia sete.<\/p>\n\n\n\n

Mas a Pol\u00edcia Federal executou um mandado de busca na propriedade apenas em 5 de agosto, quase dois meses depois que as on\u00e7as foram encontradas. Como o caso havia sido amplamente divulgado, segundo Claudinei Santin, o agente que chefiava a investiga\u00e7\u00e3o, a pol\u00edcia tem certeza de que os propriet\u00e1rios e funcion\u00e1rios sabiam de sua chegada.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o havia nenhuma evid\u00eancia de outros animais mortos na propriedade e nada para provar a presen\u00e7a de agrot\u00f3xicos com carbofurano. A pol\u00edcia apreendeu os telefones celulares do administrador e locat\u00e1rio da propriedade que, segundo Santin, \u00e9 o principal suspeito.<\/p>\n\n\n\n

Um mandado de busca na casa do suspeito em Campo Grande tamb\u00e9m n\u00e3o revelou nada. A pol\u00edcia n\u00e3o conseguiu revistar os aposentos dos dois funcion\u00e1rios do suspeito porque j\u00e1 haviam se mudado para trabalhar em outra propriedade em uma \u00e1rea mais remota do Pantanal, \u00e0 qual a pol\u00edcia n\u00e3o teve acesso.<\/p>\n\n\n\n

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On\u00e7a-pintada nas margens do rio Cuiab\u00e1, no Pantanal. Al\u00e9m das mortes retaliat\u00f3rias por pecuaristas, as on\u00e7as enfrentam amea\u00e7as de perda e fragmenta\u00e7\u00e3o de\u00a0habitat<\/em>, al\u00e9m da ca\u00e7a ilegal para o tr\u00e1fico de animais silvestres.
FOTO DE\u00a0PHOTO BY BUDA MENDES\/GETTY IMAGES<\/strong><\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Uma an\u00e1lise de amostras de tecido das on\u00e7as est\u00e1 em andamento, embora a Pol\u00edcia Federal acredite que os testes provavelmente n\u00e3o detectar\u00e3o o carbofurano devido ao estado de decomposi\u00e7\u00e3o dos animais quando foram encontrados. No entanto a pol\u00edcia tem certeza de que os animais foram envenenados.<\/p>\n\n\n\n

\u201cDevido aos insetos mortos encontrados na carca\u00e7a bovina e \u00e0 distribui\u00e7\u00e3o dos animais mortos no local \u2014 quanto menor o animal, mais perto morreu da carca\u00e7a bovina\u2014 a equipe forense da Pol\u00edcia Federal concluiu que os animais morreram por envenenamento da carca\u00e7a\u201d, informou a nota da Pol\u00edcia Federal.<\/p>\n\n\n\n

E embora esta seja a primeira investiga\u00e7\u00e3o oficial de envenenamento de on\u00e7a, Santin revela que foram \u201calertados de ocorr\u00eancias semelhantes em outras propriedades no sul do Pantanal no estado de Mato Grosso do Sul\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Matar um animal em extin\u00e7\u00e3o e importar e utilizar uma subst\u00e2ncia t\u00f3xica proibida s\u00e3o pass\u00edveis de pena m\u00e1xima de reclus\u00e3o de cinco anos.<\/p>\n\n\n\n

\u201cAs maiores dificuldades na investiga\u00e7\u00e3o desse tipo de caso s\u00e3o a dist\u00e2ncia, extens\u00e3o, isolamento e dificuldade de acesso \u00e0s propriedades da regi\u00e3o\u201d, explica. \u201cE, neste caso, s\u00f3 descobrimos o envenenamento e a morte desses animais porque uma on\u00e7a-pintada estava sendo monitorada com uma coleira de telemetria por GPS.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Para outros, como Raizer, as coleiras possuem outras vantagens al\u00e9m da investiga\u00e7\u00e3o de crimes. Elas tamb\u00e9m podem dissuadir pecuaristas \u2014 por temerem poss\u00edveis repercuss\u00f5es judiciais \u2014 de envenenarem os animais.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: National Geographic Brasil<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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