{"id":175170,"date":"2021-11-29T17:28:06","date_gmt":"2021-11-29T20:28:06","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=175170"},"modified":"2021-11-29T17:28:08","modified_gmt":"2021-11-29T20:28:08","slug":"antas-contaminadas-revelam-um-cerrado-doente","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2021\/11\/29\/175170-antas-contaminadas-revelam-um-cerrado-doente.html","title":{"rendered":"Antas contaminadas revelam um Cerrado doente"},"content":{"rendered":"\n
\"\"<\/a>
Anta capturada por armadilha fotogr\u00e1fica. Pesquisa mostra que as antas est\u00e3o entre os animais mais afetados pelo uso desenfreado de agrot\u00f3xicos em \u00e1reas de Cerrado.\u00a0<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Quando iniciou o projeto de captura de antas no Cerrado do Mato Grosso do Sul para realizar o monitoramento por colar,\u00a0Patr\u00edcia M\u00e9dici \u2013 bi\u00f3loga e pesquisadora\u00a0do Instituto Nacional para a Conserva\u00e7\u00e3o da Anta Brasileira (Incab) \u2013 pretendia mapear a movimenta\u00e7\u00e3o e o uso do espa\u00e7o pelos animais para entender as principais amea\u00e7as \u00e0 esp\u00e9cie naquela regi\u00e3o. Al\u00e9m de\u00a0coletar amostras de sangue de animais capturados vivos, a equipe de Medici passou a monitorar atropelamentos de antas nas rodovias e realizar necropsia e coleta de amostras biol\u00f3gicas nos cad\u00e1veres frescos. N\u00e3o demorou para que os pesquisadores percebessem as m\u00e1s condi\u00e7\u00f5es em que os animais estavam.<\/p>\n\n\n\n

\u201cNotamos um estado corporal bastante depauperado nos animais se comparados \u00e0s antas que est\u00e1vamos acostumados a ver no Pantanal, que s\u00e3o bonitas, saud\u00e1veis, gordas, t\u00eam pelagem boa e alta capacidade de reprodu\u00e7\u00e3o\u201d, disse Medici, que \u00e9 exploradora da National Geographic, em entrevista \u00e0 reportagem. \u201cNo Cerrado era bem diferente: bichos magros, com costelas aparentes, algumas muta\u00e7\u00f5es como dedos a mais, dentes feios, les\u00f5es \u2013 tudo o que se possa imaginar em termos de situa\u00e7\u00f5es vis\u00edveis.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Por se tratar de uma regi\u00e3o de agricultura intensiva, os pesquisadores decidiram, ent\u00e3o, realizar testes toxicol\u00f3gicos no cora\u00e7\u00e3o, rim, f\u00edgado, sangue, unhas, ossos, conte\u00fado estomacal e fezes. \u201cCom as necropsias passamos a observar tamb\u00e9m muitas les\u00f5es internas nos \u00f3rg\u00e3os, particularmente f\u00edgados e rim.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Publicado na\u00a0revista\u00a0Wildlife Research<\/em>\u00a0em fevereiro deste ano, o estudo\u00a0come\u00e7ou em 2016 e levou cerca de dois anos e meio para ser conclu\u00eddo. Trata-se do primeiro relat\u00f3rio de detec\u00e7\u00e3o de pesticidas e metais em antas brasileiras.<\/p>\n\n\n\n

\u201cPesquisamos o que era mais utilizado na regi\u00e3o em termos de agroqu\u00edmicos, pesticidas fungicidas, herbicidas\u201d, diz Medici. \u201cCriamos uma lista e fomos em busca de laborat\u00f3rios para testar.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Os resultados apontaram 41% do total das antas analisadas contaminados por produtos qu\u00edmicos. Em algumas amostras de sangue, tecidos e \u00f3rg\u00e3os foram detectados n\u00edveis de agrot\u00f3xicos acima dos limites de ingest\u00e3o permitidos. Outra preocupa\u00e7\u00e3o foi a alta presen\u00e7a de subst\u00e2ncias proibidas no Brasil, como o pesticida aldicarbe, conhecido popularmente como chumbinho e banido pela Anvisa em 2012 por seu elevado potencial t\u00f3xico. Nas necropsias dos animais atropelados, 90% apresentaram altera\u00e7\u00f5es macrosc\u00f3picas \u2013 poss\u00edveis de serem vistas a olho nu \u2013 em rins e f\u00edgados.<\/p>\n\n\n\n

A sobreviv\u00eancia no Cerrado se tornou um desafio para o maior mam\u00edfero terrestre brasileiro. Nacionalmente, a anta \u00e9 classificada como vulner\u00e1vel \u00e0 extin\u00e7\u00e3o, mas no Cerrado ela encontra mais amea\u00e7as. O bioma tem hoje pequenos fragmentos que comp\u00f5em a metade do que restou do territ\u00f3rio original. Para se deslocar de um trecho de mata a outro, os animais encaram todo tipo de interfer\u00eancia humana: campos de agricultura e pecu\u00e1ria, ataques de c\u00e3es dom\u00e9sticos, rodovias, vilarejos, planta\u00e7\u00f5es de eucaliptos, fogo descontrolado, ca\u00e7a ilegal e contamina\u00e7\u00e3o por agrot\u00f3xicos e metais. As antas se deslocam por grandes dist\u00e2ncias e acabam se contaminando ao cheirar ou tocar o solo, beber \u00e1gua contaminada ou at\u00e9 mesmo se alimentar de pequenas quantidades de soja ou cana.<\/p>\n\n\n\n

\u201cO fato de termos detectado agroqu\u00edmicos nesse animal sem d\u00favida pode sugerir que outros animais silvestres e dom\u00e9sticos ali na regi\u00e3o, as pessoas, a \u00e1gua e o solo estejam contaminados tamb\u00e9m\u201d, alerta Medici. \u201cO contexto do Cerrado \u00e9 uma interface com as lavouras; o bicho vive apertadinho em min\u00fasculos fragmentos de mata aqui no Mato Grosso do Sul, obrigando a anta a utilizar o entorno para se locomover.\u201d<\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/a>
Avi\u00e3o lan\u00e7a agrot\u00f3xicos sobre planta\u00e7\u00e3o em Riach\u00e3o das Neves, na Bahia, no Cerrado do oeste baiano.\u00a0A pulveriza\u00e7\u00e3o feita com avi\u00f5es agr\u00edcolas \u00e9 proibida na Uni\u00e3o Europeia, mas ainda amplamente realizada no Brasil. A pr\u00e1tica \u00e9 a principal forma de contamina\u00e7\u00e3o ambiental por agrot\u00f3xico \u2013 pode alcan\u00e7ar rios, solo, \u00e1guas subterr\u00e2neas e at\u00e9 mesmo pastagens e outras cria\u00e7\u00f5es.
FOTO DE\u00a0MARIZILDA CRUPPE\/GREENPEACE<\/strong><\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Muito al\u00e9m das antas<\/strong><\/h3>\n\n\n\n

A ge\u00f3grafa Larissa Mies Bombardi \u2013 pesquisadora da Universidade de S\u00e3o Paulo e da Universidade Livre de Bruxelas\/VUB \u2013 elaborou, em seu p\u00f3s-doutorado, um atlas intitulado\u00a0Geografia do Uso de Agrot\u00f3xicos no Brasil e Conex\u00f5es com a Uni\u00e3o Europeia<\/em>,\u00a0o mais amplo estudo sobre o consumo de agrot\u00f3xicos no Brasil. Baseado em bancos oficiais de dados p\u00fablicos \u2013 de \u00f3rg\u00e3os como IBGE, Ibama e SUS \u2013, o documento lista informa\u00e7\u00f5es por regi\u00e3o, estados ou biomas.<\/p>\n\n\n\n

\u201cSe olharmos o mapa de biomas, vemos que os munic\u00edpios com maior produ\u00e7\u00e3o de soja do pa\u00eds est\u00e3o no Cerrado, sobretudo no oeste da Bahia, regi\u00e3o central do Mato Grosso e caminhando para a Amaz\u00f4nia\u201d, explicou Bombardi em entrevista \u00e0 reportagem. \u201cMais da metade dos agrot\u00f3xicos utilizados no Brasil vai para a soja, isso j\u00e1 indica o quanto o Cerrado est\u00e1 impactado por agrot\u00f3xicos. A cana-de-a\u00e7\u00facar tamb\u00e9m \u00e9 das culturas que mais consomem agrot\u00f3xicos no pa\u00eds e uma grande parte da produ\u00e7\u00e3o se d\u00e1 tamb\u00e9m no Cerrado.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Segundo o estudo de Bombardi, os quatro cultivos campe\u00f5es de utiliza\u00e7\u00e3o de agrot\u00f3xicos no Brasil s\u00e3o a soja, o milho, a cana-de-a\u00e7\u00facar e o algod\u00e3o. Juntos, respondem por 80% de todo o produto aplicado. Proibida desde 2009 pela Uni\u00e3o Europeia, a pulveriza\u00e7\u00e3o a\u00e9rea, feita com avi\u00f5es agr\u00edcolas, ainda \u00e9 amplamente realizada no pa\u00eds e torna o uso de agrot\u00f3xicos ainda mais perigoso. Isso porque as subst\u00e2ncias lan\u00e7adas do alto se dispersam no ar, dando origem \u00e0 deriva, como \u00e9 chamada a por\u00e7\u00e3o de agrot\u00f3xico que n\u00e3o atinge o alvo. A deriva \u00e9 a principal forma de contamina\u00e7\u00e3o ambiental \u2013 pode alcan\u00e7ar rios, solo, \u00e1guas subterr\u00e2neas e at\u00e9 mesmo pastagens e outras cria\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

\u201cEu diria que, de uma forma geral, em todo o Brasil a popula\u00e7\u00e3o est\u00e1 cronicamente exposta a essas subst\u00e2ncias. A gente n\u00e3o tem uma fiscaliza\u00e7\u00e3o de res\u00edduos, n\u00e3o tem efetivamente uma fiscaliza\u00e7\u00e3o da condi\u00e7\u00e3o da \u00e1gua, dos alimentos, n\u00e3o tem como controlar a deriva, que \u00e9 uma pr\u00e1tica extremamente discut\u00edvel\u201d, diz Bombardi. \u201cNo Cerrado, tanto na soja quanto na cana, no milho e mesmo no eucalipto, a pulveriza\u00e7\u00e3o a\u00e9rea \u00e9 um grande canal de aplica\u00e7\u00e3o, tornando o ambiente todo vulner\u00e1vel. Os len\u00e7\u00f3is fre\u00e1ticos j\u00e1 est\u00e3o em grande parte contaminados no pa\u00eds. Sem d\u00favida o Cerrado \u00e9 um bioma ambientalmente comprometido por agrot\u00f3xicos.\u201d<\/p>\n\n\n\n

\u201cMais da metade dos agrot\u00f3xicos utilizados no Brasil vai para a soja, isso j\u00e1 indica o quanto o Cerrado est\u00e1 impactado por agrot\u00f3xicos.\u201d<\/h3>\n\n\n\n

POR\u00a0LARISSA MIES BOMBARDI<\/strong>UNIVERSIDADE DE S\u00c3O PAULO E UNIVERSIDADE LIVRE DE BRUXELAS\/VUB<\/p>\n\n\n\n

Agrot\u00f3xicos no Brasil<\/strong><\/h3>\n\n\n\n

O estudo liderado por Patr\u00edcia M\u00e9dici \u00e9 parte de uma \u00e1rea do conhecimento que come\u00e7a a despontar no Brasil e no mundo: o de doen\u00e7as e intoxica\u00e7\u00f5es de animais silvestres. Pesquisas nesse sentido s\u00e3o fundamentais para se conhecer o estado de sa\u00fade dos animais e como ele vai interferir na sobreviv\u00eancia das popula\u00e7\u00f5es a longo prazo. Mais do que isso, ao utilizar animais como indicadores, \u00e9 poss\u00edvel saber a quais agrot\u00f3xicos uma s\u00e9rie de outras esp\u00e9cies, inclusive os humanos, est\u00e3o expostos, e que medidas precisam ser tomadas. Esse entendimento de sa\u00fade integrada, em que a condi\u00e7\u00e3o dos animais silvestres est\u00e1 relacionada com a sa\u00fade dos animais dom\u00e9sticos, que por sua vez est\u00e1 ligada com a qualidade de vida do ambiente e do ser humano, formando uma cadeia de causas e consequ\u00eancias, \u00e9 chamado de \u2018contexto de sa\u00fade \u00fanica\u2019 ou \u2018sa\u00fade coletiva\u2019.<\/p>\n\n\n\n

\u201cEsses estudos s\u00e3o importantes e n\u00e3o servem s\u00f3 para agrot\u00f3xicos\u201d, avalia Medici. \u201cQuando a gente captura animais, realiza as necropsias e coleta todas as amostras \u2013 fazemos avalia\u00e7\u00e3o completa de sa\u00fade, hemograma, perfil bioqu\u00edmico, teste pra doen\u00e7as infecciosas, toxicologia, micropl\u00e1sticos. Isso traz uma vis\u00e3o bastante hol\u00edstica e completa.\u201d<\/p>\n\n\n\n

O m\u00e9dico, professor e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso Wanderlei Pignati explica que \u201ca anta desse Cerrado \u00e9 um bom monitoramento biol\u00f3gico para nos alertar que o ambiente est\u00e1 bastante contaminado\u201d. A equipe de Pignati tamb\u00e9m realiza estudos de contamina\u00e7\u00e3o por agroqu\u00edmicos em outras esp\u00e9cies, principalmente aves. \u201cN\u00e3o \u00e9 s\u00f3 a anta, mas p\u00e1ssaros que comem soja, milho, insetos. E isso vai diminuir a produ\u00e7\u00e3o de ovos dessas aves. Temos visto contamina\u00e7\u00e3o na \u00e1gua, no ar, na chuva, em sapo, minhoca, peixe, paca, tatu, tartaruga.”<\/p>\n\n\n\n

\u201cA maioria das \u00e1guas do Brasil nasce no Cerrado, inclusive dentro de planta\u00e7\u00f5es de soja, milho e algod\u00e3o no Mato Grosso. E, pelo c\u00f3digo florestal, pode-se desmatar 80% do Cerrado legalmente, ent\u00e3o optou-se pela morte do bioma\u201d, completa Pignati.<\/p>\n\n\n\n

O estudo sobre agrot\u00f3xicos liderado por Medici registra de forma contundente as consequ\u00eancias de um problema que n\u00e3o se restringe ao Cerrado. Em 2014, tr\u00eas exemplares de arara-azul foram a \u00f3bito na regi\u00e3o do Pantanal e encaminhados para o\u00a0Instituto Arara Azul. Exames toxicol\u00f3gicos revelaram envenenamento por altos n\u00edveis de Phosdrin\/Menvifos, produto encontrado em v\u00e1rios pesticidas, utilizados em especial pela pecu\u00e1ria. No in\u00edcio de 2019, 50 milh\u00f5es de abelhas morreram em um \u00fanico m\u00eas em diferentes cidades de Santa Catarina \u2013 o maior produtor de mel do Brasil, com 99% de produ\u00e7\u00e3o org\u00e2nica \u2013, em decorr\u00eancia da utiliza\u00e7\u00e3o do fipronil, inseticida proibido em diversos pa\u00edses. O produto, usado geralmente em fazendas de soja, \u00e9 comprovadamente letal para abelhas, polinizadores fundamentais para o ambiente. Em junho deste ano, 18 animais silvestres \u2013 entre on\u00e7as-pintadas, cachorros-do-mato, gavi\u00f5es e urubus \u2013 e uma vaca foram encontrados mortos na regi\u00e3o do Passo do Lontra, zona rural de Corumb\u00e1, no Pantanal sul-mato-grossense. A proximidade das carca\u00e7as e a forte presen\u00e7a de insetos mortos sugerem morte r\u00e1pida e em cadeia, provavelmente por envenenamento. Ibama e Pol\u00edcia Federal investigam as causas \u2013 a principal suspeita \u00e9 ingest\u00e3o ou contato com carbofurano, agrot\u00f3xico proibido no Brasil, mas que continua a ser utilizado em algumas fazendas.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

Desde 2016, o Brasil caminha em uma curva crescente acentuada de registros de agrot\u00f3xicos para comercializa\u00e7\u00e3o. Os\u00a0anos de 2019 e 2020 foram recordistas, alcan\u00e7ando os maiores n\u00fameros da hist\u00f3ria das medi\u00e7\u00f5es, iniciadas em 2005, de\u00a0acordo com levantamento realizado\u00a0pela Rep\u00f3rter Brasil. Entre os 967 compostos aprovados durante o governo Bolsonaro, h\u00e1 alguns banidos h\u00e1 duas d\u00e9cadas pela Uni\u00e3o Europeia, com base em estudos cient\u00edficos que comprovaram preju\u00edzos \u00e0 sa\u00fade humana e ao ambiente.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

\u201cA maioria das \u00e1guas do Brasil nasce no Cerrado, inclusive dentro de planta\u00e7\u00f5es de soja, milho e algod\u00e3o no Mato Grosso. E, pelo c\u00f3digo florestal, pode-se desmatar 80% do Cerrado legalmente, ent\u00e3o optou-se pela morte do bioma.\u201d<\/h3>\n\n\n\n

POR\u00a0WANDERLEI PIGNATI<\/strong>UNIVERSIDADE FEDERAL DO MATO GROSSO<\/p>\n\n\n\n

\u201cO que mais preocupa nessa aprova\u00e7\u00e3o desenfreada \u00e9 o fato de ser um mercado em ascens\u00e3o, num momento de encolhimento da economia; um setor que cresceu 25% em cinco anos no Brasil \u00e9 muito significativo\u201d, aponta Bombardi. \u201cNa verdade, o governo est\u00e1 leiloando esse crescimento e abrindo a possibilidade de diversas empresas disputarem esse mercado. \u00c9 uma aposta no aumento desse uso.\u201d<\/p>\n\n\n\n

A pesquisadora diz que \u2013 mesmo se comparado \u00e0 Austr\u00e1lia e EUA, pa\u00edses semelhantes por suas \u00e1reas continentais e extensas monoculturas \u2013 o Brasil ainda apresenta uma maior quantidade de agrot\u00f3xicos utilizada se avaliado o consumo m\u00e9dio superior por hectare.<\/p>\n\n\n\n

Doutor em sa\u00fade coletiva, Pignati explica que os problemas pelo uso excessivo de agrot\u00f3xicos no Brasil n\u00e3o se restringem \u00e0 contamina\u00e7\u00e3o de animais silvestres.<\/p>\n\n\n\n

\u201cO Brasil consome cerca de 20% dos agrot\u00f3xicos do mundo. J\u00e1 estamos na casa de 1,2 bilh\u00e3o de litros por ano\u201d, diz Pignati, que alerta: se cada litro usa, em m\u00e9dia, 100 litros de \u00e1gua para ser dilu\u00eddo, s\u00e3o 120 bilh\u00f5es de calda t\u00f3xica colocados na agricultura todo ano, na soja, milho, algod\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

\u201cParte disso evapora e depois desce com a chuva, vai para o ar, contamina as casas vizinhas, as pessoas. Isso \u00e9 usado perto de granja, perto de pastagem. Ficam res\u00edduos nos cereais, inclusive na fibra de algod\u00e3o e nos nossos alimentos\u201d, continua Pignati. \u201cOutra parte vai para a \u00e1gua, para o len\u00e7ol fre\u00e1tico, para as \u00e1guas superficiais. Um ciclo imenso de contamina\u00e7\u00e3o, um dos desastres do agroneg\u00f3cio.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Em 2017, uma equipe liderada por\u00a0Pignati publicou\u00a0um mapa do uso de agrot\u00f3xicos por munic\u00edpios. O estudo estabelece correla\u00e7\u00f5es com indicadores de sa\u00fade, como intoxica\u00e7\u00e3o aguda, subaguda e cr\u00f4nica, considerando a toxicidade dos pesticidas e a exposi\u00e7\u00e3o como fatores determinantes para a incid\u00eancia das doen\u00e7as.<\/p>\n\n\n\n

Nas regi\u00f5es em que mais se utiliza agrot\u00f3xicos, maior \u00e9 o n\u00famero de casos de intoxica\u00e7\u00e3o aguda, c\u00e2ncer infanto-juvenil (at\u00e9 18 anos) e malforma\u00e7\u00e3o cong\u00eanita. \u201cAgora tem novos estudos que apontam para mais dist\u00farbios mentais e mostram onde est\u00e3o concentrados esses impactos. N\u00e3o \u00e9 s\u00f3 no homem, mas no boi, no su\u00edno. Grande parte dos agrot\u00f3xicos causam imunodepress\u00e3o [diminuem a imunidade], isso faz com que aumentem as doen\u00e7as em humanos e animais\u201d, avalia o pesquisador.<\/p>\n\n\n\n

Em meio ao n\u00famero alarmante de doen\u00e7as associadas ao uso excessivo de agrot\u00f3xicos, o\u00a0projeto de lei (PL) 6.299\/2002, conhecido como PL do Veneno, pretende facilitar o uso de agrot\u00f3xicos no Brasil. De autoria de Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecu\u00e1ria e Abastecimento no governo de Michel Temer, o PL prop\u00f5e\u00a0alterar o termo \u2018agrot\u00f3xico\u2019 para \u2018pesticida\u2019, o que pode gerar falsa sensa\u00e7\u00e3o de produto menos nocivo; colocar o minist\u00e9rio da Agricultura como \u00fanico respons\u00e1vel pelo registro das subst\u00e2ncias, retirando o poder de veto da Anvisa e Ibama; acabar com a regula\u00e7\u00e3o espec\u00edfica para propagandas dos produtos; e permitir a venda de algumas subst\u00e2ncias sem receitu\u00e1rio agron\u00f4mico, entre outras quest\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Em outubro, o presidente Jair Bolsonaro alterou\u00a0a regulamenta\u00e7\u00e3o da Lei dos Agrot\u00f3xicos, de 1989,\u00a0por meio do decreto n\u00ba 10.833. Agora, pesticidas podem ser liberados se houver um limite seguro de exposi\u00e7\u00e3o. O decreto tamb\u00e9m cria uma tramita\u00e7\u00e3o priorit\u00e1ria, que acelera o processo de aprova\u00e7\u00e3o de um agrot\u00f3xico.\u00a0A a\u00e7\u00e3o provocou cr\u00edticas de especialistas, que alertam para a subjetividade do termo ‘limite seguro’ e avisam que a mudan\u00e7a pode ter vindo justamente para compensar a paralisa\u00e7\u00e3o do PL do Veneno no Congresso.<\/p>\n\n\n\n

Um dos argumentos para o uso excessivo \u00e9 a necessidade de produzir em grande escala, o que n\u00e3o seria poss\u00edvel sem as subst\u00e2ncias. Pignati discorda. \u201cN\u00f3s [Brasil] somos o maior produtor de a\u00e7\u00facar, \u00e1lcool, caf\u00e9, chocolate e arroz org\u00e2nicos do mundo\u201d, aponta o m\u00e9dico. \u201c\u00c9 poss\u00edvel produzir em larga escala sem uso de agrot\u00f3xico e fertilizantes qu\u00edmicos, que tamb\u00e9m s\u00e3o bastante problem\u00e1ticos, pois interferem nos ciclos das plantas e dos animais. \u00c9 preciso ter um outro modelo com controle biol\u00f3gico, rota\u00e7\u00e3o de cultura, uma s\u00e9rie de manejos.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Para o bi\u00f3logo Reuber Brand\u00e3o, professor da Universidade de Bras\u00edlia, \u201cos pa\u00edses que j\u00e1 perceberam a import\u00e2ncia da produ\u00e7\u00e3o org\u00e2nica est\u00e3o dominando o mercado. A tend\u00eancia \u00e9 que se a gente n\u00e3o tiver uma percep\u00e7\u00e3o mais avan\u00e7ada em rela\u00e7\u00e3o a atividade econ\u00f4mica agr\u00edcola no Brasil, vamos ficar parados no tempo e ter consequ\u00eancias econ\u00f4micas e do ponto de vista de respeito internacional ao produto brasileiro”.<\/p>\n\n\n\n

E a sa\u00fade das antas \u00e9 essencial para essa nova velha forma de pensar a produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola. \u201cA anta \u00e9 um importante dispersor de sementes; v\u00e1rias das plantas valiosas para o extrativismo de quem vive no Cerrado \u2013 como o pequi, o araticum, o jatob\u00e1 \u2013 precisam desses dispersores\u201d, disse Brand\u00e3o em entrevista \u00e0 reportagem. \u201cA anta \u00e9 o \u00faltimo dos grandes herb\u00edvoros que faz isso.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Monoculturas problem\u00e1ticas<\/h3>\n\n\n\n

Os malef\u00edcios das extensas monoculturas s\u00e3o conhecidos. No best-seller Primavera Silenciosa<\/em>, considerado um marco para o movimento ambientalista que surgia nos Estados Unidos nos anos 1960 e para o debate mundial sobre agrot\u00f3xicos, Rachel Carson escreveu: \u201cTal sistema de monocultura preparou o terreno para aumentos explosivos nas popula\u00e7\u00f5es de determinados insetos. O cultivo de um \u00fanico produto n\u00e3o se beneficia dos princ\u00edpios pelos quais a natureza opera: trata-se de agricultura como um engenheiro a concebe. […] \u00c9 \u00f3bvio, ent\u00e3o, que um inseto que vive no trigo pode elevar sua popula\u00e7\u00e3o a n\u00edveis muito mais altos em uma fazenda dedicada ao cultivo de trigo do que em outra em que o trigo \u00e9 entremeado a outros cultivos aos quais o inseto n\u00e3o se adapta\u201d.<\/p>\n\n\n\n

Para Pignati, \u201cs\u00e3o as monoculturas que acabam com os insetos, e sobra aquele 1% resistente, dif\u00edcil de controlar\u201d, diz. \u201c\u00c9 preciso procurar uma alternativa. Precisamos fazer uma transi\u00e7\u00e3o agroecol\u00f3gica, para um modelo diferente desse que temos e que a Uni\u00e3o Europeia, o grande comprador de org\u00e2nicos do mundo, j\u00e1 vem fazendo em rela\u00e7\u00e3o aos alimentos.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Segundo ele, \u00e9 preciso haver monitoramento constante da \u00e1gua, do solo e dos alimentos e transpar\u00eancia na divulga\u00e7\u00e3o para a popula\u00e7\u00e3o de dados e pesquisas, sobre o que est\u00e1 contaminado, de doen\u00e7as que est\u00e3o aumentando, promovendo uma vigil\u00e2ncia sanit\u00e1ria participativa. \u201c\u00c9 uma cadeia de divulga\u00e7\u00e3o, de democracia, de conhecimento que vai fazer parte dessa vigil\u00e2ncia \u00e0 sa\u00fade. A gente precisa avan\u00e7ar na real diminui\u00e7\u00e3o do uso de agrot\u00f3xicos e n\u00e3o ter os governos federal e estadual dominados pelo mercado, deixando a sa\u00fade em terceiro, quarto lugar.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Planejar a\u00e7\u00f5es de curto, m\u00e9dio e longo prazos s\u00e3o essenciais diminuir efetivamente o uso dessas subst\u00e2ncias. Proibir a pulveriza\u00e7\u00e3o a\u00e9rea e as subst\u00e2ncias j\u00e1 banidas em comunidades onde a discuss\u00e3o sobre uso indiscriminado de agrot\u00f3xicos j\u00e1 avan\u00e7ou, como \u00e9 o caso dos pa\u00edses da Uni\u00e3o Europeia, e fomentar uma transi\u00e7\u00e3o do atual modelo de agricultura para um modelo agroecol\u00f3gico est\u00e3o entre os princ\u00edpios do\u00a0PL 6.670\/2016, a Pol\u00edtica Nacional de Redu\u00e7\u00e3o de Agrot\u00f3xicos (PnaRA), que chegou a ser aprovada em comiss\u00e3o especial da C\u00e2mara dos Deputados em 2018, de onde seguiria para vota\u00e7\u00e3o em plen\u00e1rio no ano seguinte. Mas, desde ent\u00e3o, o PL est\u00e1 parado.<\/p>\n\n\n\n

Para Bombardi, as medidas s\u00e3o fundamentais, contudo, a complexidade da quest\u00e3o pede mudan\u00e7as mais profundas. \u201cTemos que repensar qual o pacto social que queremos fazer, porque ter uma economia lastreada no agroneg\u00f3cio n\u00e3o tem trazido um ganho para o conjunto da sociedade\u201d, diz ela. \u201cTemos visto o pre\u00e7o do alimento aumentar, a fome aumentar, e a produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola n\u00e3o tem significado produ\u00e7\u00e3o de alimentos. O alimento n\u00e3o pode ser commodity. Ele tem sido uma moeda de troca, como \u00e9 o petr\u00f3leo, como \u00e9 o min\u00e9rio de ferro, e a\u00ed os pre\u00e7os dos alimentos flutuam a favor do mercado. E quem ganha? As grandes tradings, as grandes empresas que controlam esse comercio mundial, as grandes farmac\u00eauticas, que tamb\u00e9m produzem agrot\u00f3xicos, e quem controla as propriedades da terra. Mas o conjunto da sociedade n\u00e3o est\u00e1 ganhando, nem do ponto de vista social, nem do ambiental.\u201d<\/p>\n\n\n\n

No contexto das grandes crises ambientais vividas hoje pela humanidade, colocar em risco os ativos ambientais e servi\u00e7os ecossist\u00eamicos do pa\u00eds pode ser classificado como insanidade. Reavaliar nossas pr\u00e1ticas e valores para construir caminhos mais sustent\u00e1veis e inclusivos exige um planejamento de longo prazo, mas que precisa come\u00e7ar agora.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: National Geographic Brasil<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Os resultados apontaram 41% do total das antas analisadas contaminados por produtos qu\u00edmicos. Em algumas amostras de sangue, tecidos e \u00f3rg\u00e3os foram detectados n\u00edveis de agrot\u00f3xicos acima dos limites. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":175171,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[169,4447,79],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/175170"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=175170"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/175170\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":175173,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/175170\/revisions\/175173"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/175171"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=175170"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=175170"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=175170"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}