{"id":175341,"date":"2021-12-08T09:23:48","date_gmt":"2021-12-08T12:23:48","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=175341"},"modified":"2021-12-08T09:23:50","modified_gmt":"2021-12-08T12:23:50","slug":"mudanca-climatica-urbanista-cria-cidades-esponja-para-combater-enchentes","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2021\/12\/08\/175341-mudanca-climatica-urbanista-cria-cidades-esponja-para-combater-enchentes.html","title":{"rendered":"Mudan\u00e7a clim\u00e1tica: urbanista cria ‘cidades-esponja’ para combater enchentes"},"content":{"rendered":"\n
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Rio Wujiang em Zhejiang, na China, com as margens recentemente reformadas \u2014 Foto: Turenscape<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Yu Kongjian se lembra do dia em que quase morreu nas \u00e1guas do rio.<\/p>\n\n\n\n

As chuvas levaram o C\u00f3rrego da Areia Branca a inundar os campos de arroz da comunidade agr\u00edcola de Yu, na China. Na \u00e9poca com apenas 10 anos de idade, ele correu animado at\u00e9 as margens.<\/p>\n\n\n\n

Subitamente, a terra abaixo dos seus p\u00e9s desmoronou e o carregou para as \u00e1guas da enchente com rapidez assustadora. Mas os bancos de juncos e salgueiros reduziram a velocidade do fluxo do rio, permitindo que Yu se agarrasse \u00e0 vegeta\u00e7\u00e3o e sa\u00edsse das \u00e1guas.<\/p>\n\n\n\n

“Se o rio fosse como \u00e9 hoje, nivelado com paredes de concreto, certamente eu teria me afogado”, contou Yu \u00e0 BBC.<\/p>\n\n\n\n

Aquele foi um momento decisivo que traria impactos n\u00e3o apenas \u00e0 sua vida, mas para toda a China.<\/p>\n\n\n\n

Um dos urbanistas mais importantes da China e decano da prestigiosa faculdade de arquitetura e paisagismo da Universidade de Pequim, Yu Kongjian \u00e9 o profissional por tr\u00e1s do conceito de “cidade-esponja”, idealizado para gest\u00e3o de enchentes e que est\u00e1 sendo implementado por diversas cidades chinesas.<\/p>\n\n\n\n

Ele acredita que outros lugares podem adotar essa ideia – mesmo quando se questiona, por exemplo, se as cidades-esponja realmente podem funcionar em face das enchentes mais severas relacionadas \u00e0s mudan\u00e7as clim\u00e1ticas.<\/p>\n\n\n\n

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O Prof. Yu \u00e9 considerado o pai do conceito de cidades-esponja na China \u2014 Foto: Turenscape<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

‘N\u00e3o lute contra a \u00e1gua’<\/h2>\n\n\n\n

E se uma enchente pudesse ser algo que pud\u00e9ssemos abra\u00e7ar em vez de temer? Esta \u00e9 a ideia central da cidade-esponja do Prof. Yu Kongjian.<\/p>\n\n\n\n

A gest\u00e3o convencional das \u00e1guas de enchentes envolve a constru\u00e7\u00e3o de canos ou drenagens para conduzir a \u00e1gua da forma mais r\u00e1pida poss\u00edvel ou o refor\u00e7o das margens do rio com concreto, para garantir que elas n\u00e3o transbordem.<\/p>\n\n\n\n

Mas uma cidade-esponja faz o contr\u00e1rio. Ela procura absorver a \u00e1gua da chuva e retardar o escoamento pela superf\u00edcie.<\/p>\n\n\n\n

O processo ocorre em tr\u00eas lugares. O primeiro \u00e9 a fonte, onde, da mesma forma que uma esponja com muitos orif\u00edcios, a cidade tenta conter a \u00e1gua com v\u00e1rios lagos.<\/p>\n\n\n\n

O segundo \u00e9 ao longo do fluxo. Em vez de tentar canalizar a \u00e1gua rapidamente para longe em linhas retas, rios tortuosos com vegeta\u00e7\u00e3o ou v\u00e1rzeas reduzem a velocidade da \u00e1gua – da mesma forma que o c\u00f3rrego que salvou a vida de Yu. Eles oferecem mais um benef\u00edcio, que \u00e9 a cria\u00e7\u00e3o de \u00e1reas verdes, parques e habitats para animais, purificando a \u00e1gua escoada na superf\u00edcie com plantas que removem toxinas poluentes e nutrientes.<\/p>\n\n\n\n

O terceiro \u00e9 o sif\u00e3o, de onde a \u00e1gua \u00e9 esvaziada para um rio, lago ou para o mar. O Prof. Yu defende que essa \u00e1rea permane\u00e7a desocupada, evitando-se constru\u00e7\u00f5es nas \u00e1reas baixas. “Voc\u00ea n\u00e3o pode lutar contra a \u00e1gua. Voc\u00ea precisa deixar que ela escoe”, segundo ele.<\/p>\n\n\n\n

Embora existam conceitos similares em outras partes do mundo, a cidade-esponja destaca-se pelo uso de processos naturais para resolver os problemas das cidades, segundo o Dr. Nirmal Kishnani, especialista em projetos sustent\u00e1veis da Universidade Nacional de Singapura.<\/p>\n\n\n\n

“No momento, estamos desconectados… mas a ideia \u00e9 que precisamos encontrar nosso caminho de volta para nos considerarmos parte da natureza”, afirma ele.<\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

O Prof. Yu e sua empresa de paisagismo Turenscape ganharam muitos pr\u00eamios com esse conceito, que \u00e9 influenciado, em grande parte, pelos antigos m\u00e9todos de agricultura que ele aprendeu ao crescer na prov\u00edncia de Zhejiang, na costa leste da China, como a armazenagem de \u00e1gua da chuva em lagos para agricultura.<\/p>\n\n\n\n

“Ningu\u00e9m se afogava, nem mesmo na esta\u00e7\u00e3o das mon\u00e7\u00f5es. N\u00f3s simplesmente conviv\u00edamos com a \u00e1gua. N\u00f3s nos adapt\u00e1vamos \u00e0 \u00e1gua quando as cheias chegavam”, relembra ele.<\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

Yu se mudou para Pequim com 17 anos de idade, onde estudou paisagismo, tendo depois estudado design na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Quando ele retornou \u00e0 sua terra-natal, em 1997, a China j\u00e1 estava profundamente mergulhada no frenesi da constru\u00e7\u00e3o que ainda vemos at\u00e9 hoje.<\/p>\n\n\n\n

Perplexo com aquela “infraestrutura cinza e sem vida”, o Prof. Yu come\u00e7ou a defender uma filosofia urban\u00edstica baseada nos conceitos tradicionais chineses.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m das cidades-esponja, por exemplo, ele convocou a “grande revolu\u00e7\u00e3o dos p\u00e9s”, como ele chama o paisagismo r\u00fastico natural, ao contr\u00e1rio dos parques excessivamente bem cuidados, que ele compara com a ultrapassada pr\u00e1tica chinesa de amarrar os p\u00e9s das mulheres.<\/p>\n\n\n\n

O Prof. Yu acredita que as cidades costeiras da China – e de outros lugares com clima similar – adotaram um modelo insustent\u00e1vel de constru\u00e7\u00e3o de cidades. Para ele, “a t\u00e9cnica desenvolvida nos pa\u00edses europeus n\u00e3o se adapta ao clima das mon\u00e7\u00f5es. Essas cidades fracassam porque elas foram colonizadas pela cultura ocidental, copiando sua infraestrutura e seu modelo urbano.”<\/p>\n\n\n\n

Inicialmente, ele enfrentou a oposi\u00e7\u00e3o das pessoas, algumas das quais ficaram irritadas com suas cr\u00edticas veementes \u00e0 engenharia chinesa, incluindo projetos que s\u00e3o de orgulho nacional, como a barragem de Tr\u00eas Gargantas. Suas cr\u00edticas, aliadas \u00e0 sua forma\u00e7\u00e3o em Harvard e \u00e0 aprova\u00e7\u00e3o do Ocidente, valeram acusa\u00e7\u00f5es de trai\u00e7\u00e3o e de ser um “espi\u00e3o ocidental” prejudicando o desenvolvimento chin\u00eas.<\/p>\n\n\n\n

O Prof. Yu, que se considera filho da Revolu\u00e7\u00e3o Cultural, acha essa ideia rid\u00edcula.<\/p>\n\n\n\n

“Eu n\u00e3o sou ocidental, sou chin\u00eas tradicionalista”, afirma ele, aos risos. “Temos milhares de anos de experi\u00eancia, temos a solu\u00e7\u00e3o que ningu\u00e9m pode ignorar. Precisamos seguir os modelos chineses.”<\/p>\n\n\n\n

Yu habilmente apelou ao senso de patriotismo das autoridades chinesas em defesa das cidades-esponja, auxiliado pela cobertura da imprensa sobre suas ideias, ap\u00f3s os enormes desastres causados pelas enchentes em Pequim e Wuhan, nos \u00faltimos anos.<\/p>\n\n\n\n

O esfor\u00e7o trouxe resultados. Em 2015, com o apoio do presidente Xi Jinping, o governo anunciou um plano multimilion\u00e1rio e um objetivo ambicioso: at\u00e9 2030, 80% das \u00e1reas urbanas da china devem ter elementos de cidade-esponja e reciclar pelo menos 70% da \u00e1gua da chuva.<\/p>\n\n\n\n

Solu\u00e7\u00e3o m\u00e1gica?<\/h2>\n\n\n\n

Em todo o mundo, cada vez mais lugares est\u00e3o enfrentando dificuldades com o aumento das chuvas, um fen\u00f4meno que os cientistas relacionam \u00e0s mudan\u00e7as clim\u00e1ticas. \u00c0 medida que as temperaturas se elevam com o aquecimento global, cada vez mais umidade evapora na atmosfera, causando chuvas mais fortes.<\/p>\n\n\n\n

E os cientistas afirmam que essa situa\u00e7\u00e3o s\u00f3 ir\u00e1 piorar. No futuro, as chuvas ser\u00e3o mais intensas e severas que o normal.<\/p>\n\n\n\n

Mas, com tempestades mais fortes, a cidade-esponja ser\u00e1 realmente a solu\u00e7\u00e3o? Alguns especialistas n\u00e3o t\u00eam essa certeza.<\/p>\n\n\n\n

“As cidades-esponja podem ser boas apenas para tempestades pequenas ou suaves. Mas, com o clima extremo que estamos vendo agora, ainda precisamos combin\u00e1-las com infraestrutura como drenagem, canos e tanques”, segundo Faith Chan, especialista em gest\u00e3o de enchentes da Universidade de Nottingham Ningbo, na China.<\/p>\n\n\n\n

Ele tamb\u00e9m indica que, para cidades densamente povoadas, onde o espa\u00e7o dispon\u00edvel \u00e9 pouco, pode ser dif\u00edcil implementar algumas das ideias de Yu, como a destina\u00e7\u00e3o de terreno para inunda\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Mesmo gastando milh\u00f5es, a China ainda sofre enchentes catastr\u00f3ficas. No \u00faltimo ver\u00e3o, uma s\u00e9rie de enchentes matou 397 pessoas, afetou mais 14,3 milh\u00f5es e causou preju\u00edzos econ\u00f4micos de US$ 21,8 bilh\u00f5es (cerca de R$ 123 bilh\u00f5es), segundo estimativas das Na\u00e7\u00f5es Unidas.<\/p>\n\n\n\n

Mas o Prof. Yu insiste que a sabedoria da China antiga n\u00e3o pode estar errada e essas falhas s\u00e3o causadas pela execu\u00e7\u00e3o inadequada ou fragmentada da sua ideia pelas autoridades locais.<\/p>\n\n\n\n

A enchente ocorrida na cidade chinesa de Zhengzhou no \u00faltimo m\u00eas de julho, segundo ele, foi um exemplo cl\u00e1ssico. A cidade pavimentou seus lagos, de forma que n\u00e3o houve reten\u00e7\u00e3o de \u00e1gua suficiente quando a chuva come\u00e7ou.<\/p>\n\n\n\n

O rio principal havia sido canalizado com drenagens de concreto, fazendo com que a \u00e1gua flu\u00edsse com a velocidade “de uma descarga de vaso sanit\u00e1rio”, segundo o Prof. Yu. Al\u00e9m disso, constru\u00e7\u00f5es importantes como hospitais foram constru\u00eddas sobre terras baixas.<\/p>\n\n\n\n

“Uma cidade-esponja pode lidar com qualquer enchente – se n\u00e3o conseguir, n\u00e3o \u00e9 uma cidade-esponja. Ela precisa ser resiliente”, destaca ele.<\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

Vale para outros pa\u00edses?<\/h2>\n\n\n\n

Outra quest\u00e3o \u00e9 se o conceito de cidade-esponja realmente pode ser exportado.<\/p>\n\n\n\n

O Prof. Yu afirma que pa\u00edses sujeitos a enchentes, como Bangladesh, Mal\u00e1sia e Indon\u00e9sia, poder\u00e3o beneficiar-se do modelo e que alguns lugares como Singapura, R\u00fassia e os Estados Unidos come\u00e7aram a implementar conceitos similares.<\/p>\n\n\n\n

Mas grande parte da sucesso da prolifera\u00e7\u00e3o das cidades-esponja pela China provavelmente se deve ao governo centralizado e aos expressivos recursos estatais.<\/p>\n\n\n\n

O Prof. Yu afirma que uma cidade-esponja custaria apenas “um quarto” das solu\u00e7\u00f5es convencionais, se for feita corretamente. Ele argumenta que a constru\u00e7\u00e3o sobre terreno mais alto e a aloca\u00e7\u00e3o de terra para cheias, por exemplo, seria mais barata que a constru\u00e7\u00e3o de um sistema de canos e tanques.<\/p>\n\n\n\n

Muitos dos projetos da Turenscape destinam-se agora ao reparo de infraestrutura contra enchentes e custam milh\u00f5es. Esse dinheiro poderia ter sido economizado se as autoridades seguissem os princ\u00edpios da cidade-esponja desde o princ\u00edpio, segundo o Prof. Yu.<\/p>\n\n\n\n

Para ele, usar concreto para combater enchentes \u00e9 como “beber veneno para matar a sede… \u00e9 uma vis\u00e3o limitada. Precisamos alterar a forma como vivemos para nos adaptar ao clima. Se eles n\u00e3o adotarem a minha solu\u00e7\u00e3o, n\u00e3o ter\u00e3o sucesso.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: G1<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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