{"id":175757,"date":"2022-01-03T09:43:34","date_gmt":"2022-01-03T12:43:34","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=175757"},"modified":"2022-01-03T09:43:37","modified_gmt":"2022-01-03T12:43:37","slug":"a-vila-canadense-que-trocou-carvao-por-floresta-e-hoje-atrai-ciclistas-do-mundo-inteiro","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/01\/03\/175757-a-vila-canadense-que-trocou-carvao-por-floresta-e-hoje-atrai-ciclistas-do-mundo-inteiro.html","title":{"rendered":"A vila canadense que trocou carv\u00e3o por floresta e hoje atrai ciclistas do mundo inteiro"},"content":{"rendered":"\n
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A vila de Cumberland, que j\u00e1 foi uma cidade, trocou o carv\u00e3o pela prote\u00e7\u00e3o da floresta – ALAMY<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Era uma rara ensolarada e fresca manh\u00e3 de novembro, e eu havia acabado de pedalar em ziguezague, na subida de uma montanha, nos arredores da vila de Cumberland, na ilha de Vancouver, oeste do Canad\u00e1, recebendo lama atr\u00e1s de Jeremy Grasby, um ciclista da regi\u00e3o.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Paramos para descansar onde a floresta densa deu lugar a mudas rec\u00e9m-plantadas e abra\u00e7ou a ampla vista: as r\u00edgidas paredes das montanhas Beaufort atr\u00e1s de n\u00f3s e uma rica cobertura verde apoiada embaixo pelo luminoso Estreito da Georgia.<\/p>\n\n\n\n

O povo ind\u00edgena dos K’\u00f3moks chamava este lugar de “terra da abund\u00e2ncia”, e n\u00e3o \u00e9 dif\u00edcil entender por qu\u00ea. Eu poderia ter ficado ali, de p\u00e9, o dia todo absorvendo o sol do outono, mas Grasby tinha outros planos. Ele havia prometido me levar de volta para a vila numa rede de trilhas de mountain bike cheias de curvas, constru\u00edda e mantida por uma entidade sem fins lucrativos local chamada United Riders of Cumberland (Ciclistas Unidos de Cumberland, ou UROC).<\/p>\n\n\n\n

“Cada trilha reflete a personalidade e o estilo de pedalar de quem a construiu”, explicou Grasby enquanto cheg\u00e1vamos ao topo da \u00faltima colina e nos prepar\u00e1vamos para a primeira descida. “Tem trilhas cruas, duras, como a Roughneck, e leves, que fluem bem, como a Vanilla.”<\/p>\n\n\n\n

Est\u00e1vamos prontos no topo da trilha Blueprint, sinuosa e coberta de ra\u00edzes, cujo tra\u00e7ado parecia ter sido desenhado por algu\u00e9m com um lado s\u00e1dico. Depois de uma breve pausa para tomar \u00e1gua, Grasby partiu, lan\u00e7ando-se de forma destemida pelo meio das \u00e1rvores. Depois eu o encontrei, gentilmente esperando por mim numa pequena estrada, com um sorriso satisfeito no rosto.<\/p>\n\n\n\n

As florestas em torno de Cumberland est\u00e3o tomadas de trilhas para bicicletas. Implantadas ao longo dos \u00faltimos 20 anos, elas formam uma rede que, se colocadas juntas, somariam mais de 200 quil\u00f4metros. Esse polo de ciclismo de montanha em expans\u00e3o n\u00e3o passou despercebido. Uma meia-d\u00fazia de corridas anuais de prest\u00edgio s\u00e3o agora realizadas em sua malha de caminhos, e em 2020 a rede registrou um n\u00famero recorde de usu\u00e1rios, apesar da pandemia de covid-19.<\/p>\n\n\n\n

“As trilhas originais foram constru\u00eddas em terrenos particulares de propriedade de madeireiras”, disse Grasby. “Elas eram toleradas, mas n\u00e3o exatamente legais.”<\/p>\n\n\n\n

O arranjo n\u00e3o era sustent\u00e1vel. Para resolver o problema, Grasby e outros ciclistas fundaram a UROC em 2008, com a inten\u00e7\u00e3o de obter um entendimento com as madeireiras a respeito da constru\u00e7\u00e3o de trilhas e do acesso \u00e0 floresta.<\/p>\n\n\n\n

“O ciclismo de montanha sempre atraiu n\u00e3o-conformistas e aqueles com personalidades fortes”, Grasby me disse enquanto volt\u00e1vamos para o The Riding Fool, um albergue que ele possui na vila desde o in\u00edcio da d\u00e9cada de 2000. “Cumberland n\u00e3o mudou; mas, para garantirmos acesso cont\u00ednuo \u00e0s trilhas que constru\u00edmos, n\u00f3s t\u00ednhamos de nos organizar. Os ciclistas viraram pol\u00edticos. Construir trilhas \u00e9 uma coisa, falar em sua defesa \u00e9 outra.”<\/p>\n\n\n\n

Comprar para proteger<\/h2>\n\n\n\n

Um acordo formal sobre uso da terra foi assinado entre a UROC e as madeireiras em 2015. Ele marcou um enorme passo para a comunidade e seus ciclistas de montanha, que havia muito tempo j\u00e1 se consideravam guardi\u00f5es da floresta.<\/p>\n\n\n\n

Eles n\u00e3o eram, por\u00e9m, os \u00fanicos defensores do meio ambiente em Cumberland. Localizada entre o vale Comox e as altas montanhas Beaufort, no centro-leste da ilha de Vancouver, essa pequena comunidade, de apenas 4.300 pessoas, h\u00e1 muito se definiu como uma “vila na floresta”.<\/p>\n\n\n\n

Em 2000, um grupo de moradores, preocupado que a extensiva extra\u00e7\u00e3o de madeira amea\u00e7ada seu para\u00edso verde, juntou-se e formou a Cumberland Community Forest Society (Sociedade Comunit\u00e1ria da Floresta de Cumberland, ou CCFS). Em vez de negociar pelo acesso ao terreno com as madeireiras, a CCFS concluiu que a forma mais eficaz de proteger a floresta da extra\u00e7\u00e3o de madeira era comprar parte dela. Era um plano ambicioso, mas em 2005, depois de cinco anos de intensa angaria\u00e7\u00e3o de fundos, a sociedade acumulou dinheiro suficiente para adquirir uma parcela de 72 hectares de floresta perto da vila, por 1,2 milh\u00e3o de d\u00f3lares canadenses (cerca de R$ 5 milh\u00f5es). Eles imediatamente deram a \u00e1rea de presente para Cumberland, para que se tornasse uma “floresta comunit\u00e1ria”.<\/p>\n\n\n\n

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O ciclismo de montanha atraiu pessoas do mundo todo e transformou Cumberland – ALAMY<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Inspirada por seu sucesso inicial, a CCFS seguiu adiante, com novas compras de terras. Em 2016, eles compraram uma \u00e1rea de 40 hectares chamada Space Nugget, e em 2020 adquiriram 91 hectares em torno de um riacho rico em salm\u00f5es chamado Perseverance Creek. Hoje, enquanto a ind\u00fastria de madeira continua a explorar a \u00e1rea, os mais de 200 hectares comprados pela CCFS criaram um protegido anel de biodiversidade em torno da vila que p\u00f4de amadurecer naturalmente.<\/p>\n\n\n\n

O surgimento de duas organiza\u00e7\u00f5es de base complementares em Cumberland, ao mesmo temo, n\u00e3o foi coincid\u00eancia. “A vila tinha uma caracter\u00edstica anterior de ser corajosa”, explicou Meaghan Cursons, diretora-executiva da CCFS. “O pessoal que foi atra\u00eddo para a comunidade nos anos 1980 e 1990 tinha o mesmo tipo de caracter\u00edstica. N\u00f3s n\u00e3o viemos aqui para elitizar, viemos para ampliar. N\u00f3s t\u00ednhamos o mesmo amor pelo car\u00e1ter trabalhador, cru, avan\u00e7ado deste lugar.”<\/p>\n\n\n\n

Essa coragem vem da hist\u00f3ria de Cumberland como uma cidade mineradora de carv\u00e3o. O min\u00e9rio foi descoberto na \u00e1rea pela primeira vez em 1850, mas levou tr\u00eas d\u00e9cadas e o ardiloso industrial escoc\u00eas Robert Dunsmuir para trazer o ouro negro para a superf\u00edcie. Em 1898, Cumberland foi registrada como cidade e, durante o quarto de s\u00e9culo seguinte, o “rei carv\u00e3o” reinou.<\/p>\n\n\n\n

Em seu auge, em 1910, Cumberland produziu milh\u00f5es de toneladas de carv\u00e3o por ano, e a cidade teve uma popula\u00e7\u00e3o de 13 mil pessoas, incluindo a segunda maior Chinatown (comunidade chinesa) na costa oeste da Am\u00e9rica do Norte.<\/p>\n\n\n\n

Por\u00e9m, tomada por disputas sindicais, a ind\u00fastria mineradora da ilha de Vancouver era suja e perigosa. Centenas foram mortos em explos\u00f5es de g\u00e1s, e em 1912 quest\u00f5es de seguran\u00e7a e a falta de reconhecimento sindical provocaram uma amarga greve de dois anos.<\/p>\n\n\n\n

A produ\u00e7\u00e3o de carv\u00e3o entrou em decl\u00ednio depois da Grande Depress\u00e3o (anos 1930), e na d\u00e9cada de 1940 havia se tornado min\u00fascula. Desprovida de for\u00e7a econ\u00f4mica, Cumberland registrou-se novamente como uma vila, e a \u00faltima mina local foi fechada em 1966.<\/p>\n\n\n\n

Decl\u00ednio e renascimento<\/h2>\n\n\n\n

Nos anos 1970 e 1980, a vila arrastou-se, mal conseguindo sobreviver, com o desenvolvimento econ\u00f4mico mudou para mais ao leste, para os centros de Courtenay e Comox, que vinham crescendo. Corretores imobili\u00e1rios n\u00e3o davam aten\u00e7\u00e3o \u00e0 vila, e moradores locais eram vistos como caprichosos ou simplesmente esquisitos. Mas o pequeno n\u00facleo de artistas, hippies e ciclistas de Cumberland n\u00e3o estregava os pontos.<\/p>\n\n\n\n

“Sentimos que precis\u00e1vamos provar nosso valor como comunidade, porque hav\u00edamos sido tratados como pobres-coitados, localizados no lado errado dos trilhos”, disse Cursons sobre o renascimento de Cumberland no s\u00e9culo 21. “N\u00f3s quer\u00edamos que as comunidades vizinhas e os visitantes soubessem que n\u00f3s t\u00ednhamos uma hist\u00f3ria a contar.”<\/p>\n\n\n\n

Apesar de a vila ter trocado o carv\u00e3o pela natureza, ela ainda exalta seu passado industrial. Um museu local, repleto de informa\u00e7\u00f5es, cont\u00e9m a r\u00e9plica de um antigo po\u00e7o de minera\u00e7\u00e3o, e v\u00e1rios cartazes expostos pela cidade contam em detalhes a hist\u00f3ria das antigas opera\u00e7\u00f5es mineradoras.<\/p>\n\n\n\n

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O renascimento de Cumberland levou a uma valoriza\u00e7\u00e3o dos im\u00f3veis da cidade na \u00faltima d\u00e9cada – ALAMY<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Apesar disso, a grande atra\u00e7\u00e3o nos dias de hoje \u00e9 o mountain biking. Converse com um ciclista nesta \u00e1rea, e ele provavelmente vai lhe dizer que a ilha de Vancouver \u00e9 um dos melhores lugares do mundo para ciclistas. O segredo est\u00e1 na terra: a consist\u00eancia do solo \u00famido no ch\u00e3o da floresta que o torna bom para pedalar.<\/p>\n\n\n\n

Desde o hist\u00f3rico acordo para o uso da terra legitimou a rede de trilhas em 2015, Cumberland tornou-se um destino para ciclistas do mundo inteiro. Uma pedalada para fora do caminho principal, e voc\u00ea est\u00e1 voando no meio de uma rica floresta temperada. As trilhas atra\u00edram cerca de 70 mil usu\u00e1rios em 2020 – e n\u00e3o apenas ciclistas. A rede da UROC coincide com \u00e1reas da Floresta Comunit\u00e1ria, e as trilhas s\u00e3o de uso m\u00faltiplo. Algumas cont\u00eam sinaliza\u00e7\u00f5es hist\u00f3ricas relacionadas ao passado industrial da regi\u00e3o. Al\u00e9m de ciclistas, elas atraem naturalistas, grupos escolares, fam\u00edlias, e caminhantes.<\/p>\n\n\n\n

Integridade sob risco?<\/h2>\n\n\n\n

A crescente popularidade de Cumberland como um centro de recrea\u00e7\u00e3o teve impacto na economia local. Apesar de seu pequeno tamanho, a vila agora tem uma pequena cervejaria, v\u00e1rias butiques de roupas, uma loja de chocolates e uma reputa\u00e7\u00e3o na ilha como lugar com bons shows de m\u00fasica. Por outro lado, os pre\u00e7os de im\u00f3veis quadruplicaram em menos de uma d\u00e9cada, e a demografia local, historicamente dominada por trabalhadores, est\u00e1 mudando. Alguns moradores temem uma elitiza\u00e7\u00e3o, enquanto outros sugerem que Cumberland deveria evitar a popularidade e continuar abra\u00e7ando sua pr\u00f3pria esquisitice.<\/p>\n\n\n\n

“Como muitas outras comunidades, o ritmo de crescimento de Cumberland superou nossa capacidade de planejar em termos de comunidade”, admitiu Cursons. “Mas, enquanto crescemos em tamanho e reputa\u00e7\u00e3o, n\u00f3s tamb\u00e9m percebemos que uma comunidade forte precisa da prote\u00e7\u00e3o das coisas que n\u00f3s valorizamos, como nosso patrim\u00f4nio, a natureza, a \u00e1gua e aquele car\u00e1ter de pobre coitado corajoso que \u00e9 a base da nossa identidade coletiva.”<\/p>\n\n\n\n

Independentemente disso, durante minha curta estadia em Cumberland, todo morador com quem eu falei professou um profundo carinho pelo lugar. “Eu amo Cumberland porque eu sinto que ainda temos uma oportunidade significativa de formar nossa hist\u00f3ria coletiva”, disse Cursons, que vive na vila h\u00e1 26 anos. “Nossas a\u00e7\u00f5es, nossos esfor\u00e7os volunt\u00e1rios, nossa criatividade e nossas paix\u00f5es ainda fazem a diferen\u00e7a na forma como a comunidade est\u00e1 mudando e se desenvolvendo.”<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 dif\u00edcil discordar. Enquanto eu levava de volta a minha bicicleta de aluguel para a loja e entrada em um restaurante de tacos para jantar, eu n\u00e3o pude evitar um sentimento de admira\u00e7\u00e3o por esta cidade que virou vila que trocou a minera\u00e7\u00e3o de carv\u00e3o pelo ciclismo de montanha e levantou milh\u00f5es de d\u00f3lares para comprar uma floresta. Isso mostra como pequenas comunidades ainda podem tomar o controle de sua paisagem e que a\u00e7\u00f5es volunt\u00e1rias de base podem substituir uma ind\u00fastria suja com algo que \u00e9 mais sustent\u00e1vel e divertido.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"