{"id":176119,"date":"2022-01-25T17:11:47","date_gmt":"2022-01-25T20:11:47","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=176119"},"modified":"2022-01-25T17:11:49","modified_gmt":"2022-01-25T20:11:49","slug":"tres-anos-apos-tragedia-de-brumadinho-indignacao-persiste","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/01\/25\/176119-tres-anos-apos-tragedia-de-brumadinho-indignacao-persiste.html","title":{"rendered":"Tr\u00eas anos ap\u00f3s trag\u00e9dia de Brumadinho, indigna\u00e7\u00e3o persiste"},"content":{"rendered":"\n
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Foram quase tr\u00eas anos at\u00e9 que a fam\u00edlia de Natalia de Oliveira recebeu o aguardado telefonema com a not\u00edcia de que o corpo da irm\u00e3, Lecilda de Oliveira, havia sido encontrado. Ela diesapareceu enquanto trabalhava em 25 de janeiro de 2019, atingida pela avalanche de rejeitos ap\u00f3s o rompimento da barragem da mina C\u00f3rrego do Feij\u00e3o, da Vale, em Brumadinho (MG). Outras 269 pessoas, incluindo duas gestantes, tamb\u00e9m morreram imediatamente.<\/p>\n\n\n\n

“A gente espera tanto esse telefonema, e quando ele vem, voc\u00ea vive tudo de novo”, diz Nat\u00e1lia \u00e0 DW Brasil. “A minha m\u00e3e tem 82 anos e tinha medo de morrer e n\u00e3o sepultar a filha.”<\/p>\n\n\n\n

Lecilda foi identificada por segmentos de seu corpo e enterrada em 30 de dezembro de 2021. Fam\u00edlias de seis v\u00edtimas ainda esperam para velar suas joias, como costumam chamar os que faleceram na trag\u00e9dia.<\/p>\n\n\n\n

Mesmo ap\u00f3s a identifica\u00e7\u00e3o da irm\u00e3, Nat\u00e1lia segue no comit\u00ea de buscas dos desaparecidos. “Todas as fam\u00edlias continuam unidas. \u00c9 um compromisso estabelecido, \u00e9 miss\u00e3o, e n\u00e3o sei largar eles pra tr\u00e1s. Todos ser\u00e3o encontrados”, afirma.<\/p>\n\n\n\n

Os 1.095 dias da Opera\u00e7\u00e3o Brumadinho dos bombeiros marcam o maior trabalho de busca e salvamento da hist\u00f3ria, segundo a corpora\u00e7\u00e3o. No momento, as atividades no local est\u00e3o paralisadas devido aos riscos trazidos pelas fortes chuvas na regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A \u00e1rea atingida pelos cerca de 10,5 milh\u00f5es de metros c\u00fabicos de rejeitos se estende por 270 hectares \u2013 o equivalente a 270 campos de futebol. A lama, que despencou de uma altura equivalente a um pr\u00e9dio de 28 andares e escorreu pelo vale a uma velocidade de 70 quil\u00f4metros por hora, praticamente n\u00e3o deu chance de sobreviv\u00eancia para quem encontrou pelo caminho.<\/p>\n\n\n\n

Ningu\u00e9m foi preso<\/h2>\n\n\n\n

Muitos familiares dos mortos n\u00e3o gostam de falar publicamente sobre o sofrimento que t\u00eam enfrentado. Eles dizem n\u00e3o se conformar com o que consideram impunidade: ningu\u00e9m foi preso at\u00e9 agora.<\/p>\n\n\n\n

“\u00c9 uma completa falta de justi\u00e7a. A Vale \u00e9 um CNPJ, n\u00e3o posso prender a Vale. Mas posso prender as pessoas [respons\u00e1veis]. Onde elas est\u00e3o? Como est\u00e3o vivendo nesses tr\u00eas anos? Ser\u00e1 que elas t\u00eam coragem de colocar a vida dos outros em risco, de matar outras pessoas?”, questiona Nat\u00e1lia.<\/p>\n\n\n\n

Ela diz o mesmo sobre a empresa alem\u00e3 T\u00dcV S\u00fcd, que emitiu um certificado de estabilidade da estrutura meses antes do colapso. “A T\u00dcV S\u00fcd tamb\u00e9m tem culpa, ela tamb\u00e9m causou [o rompimento]. A empresa nunca nos pediu desculpa, nunca assumiu ter a m\u00e3o suja de sangue. A \u00fanica maneira de ela pagar o mal que fez \u00e9 financeiramente. N\u00e3o existe repara\u00e7\u00e3o para uma perda familiar”, defende Nat\u00e1lia.<\/p>\n\n\n\n

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Imagem do dia do desastre de Brumadinho, 25 de janeiro de 2019<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Em janeiro de 2020,\u00a0o Minist\u00e9rio P\u00fablico (MP) de Minas Gerais apresentou uma den\u00fancia contra 16 pessoas ligadas \u00e0 Vale e \u00e0 T\u00dcV S\u00fcd\u00a0por homic\u00eddio doloso duplamente qualificado e por diversos crimes ambientais. Segundo os promotores, um conluio entre as empresas teria levado \u00e0 trag\u00e9dia em Brumadinho. A den\u00fancia foi aceita pela Justi\u00e7a estadual.<\/p>\n\n\n\n

Mas em outubro de 2021, o\u00a0Superior Tribunal de Justi\u00e7a (STJ) anulou esse processo criminal\u00a0e passou o caso para a Justi\u00e7a Federal, ap\u00f3s analisar o pedido de defesa de F\u00e1bio Schvartsman, ent\u00e3o presidente da Vale. O processo foi enviado para reavalia\u00e7\u00e3o, e os denunciados, dessa forma, deixaram de ser r\u00e9us.<\/p>\n\n\n\n

\u00c0s v\u00e9speras do terceiro anivers\u00e1rio das mortes, o MP recorreu da decis\u00e3o. Os promotores argumentam que “os acusados agiram assumindo o risco de provocar mortes, pois antes da trag\u00e9dia efetuaram um c\u00e1lculo econ\u00f4mico envolvendo o valor das vidas que seriam perdidas com a ent\u00e3o prov\u00e1vel ruptura da barragem”. Os respons\u00e1veis estariam “cientes do estado cr\u00edtico da estrutura” e teriam se omitido, alega a a\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Na Alemanha, um outro\u00a0processo em andamento julga a responsabilidade da T\u00dcV Sud.<\/p>\n\n\n\n

Impactos duradouros<\/h2>\n\n\n\n

Ros\u00e2ngela Maria de Jesus, de 51 anos, nunca imaginou que a casa onde nasceu e cresceu seria tomada pelos rejeitos – tr\u00eas anos depois do rompimento. A constru\u00e7\u00e3o, \u00e0s margens do rio Paraopeba, no bairro Canto do Rio, em Brumadinho, foi atingida pela enchente que castigou a regi\u00e3o neste m\u00eas.<\/p>\n\n\n\n

Acostumada a ver a \u00e1gua invadir o local, Jesus conta que vivencia algo in\u00e9dito. “O rejeito veio junto com a enchente. Depois que seca a \u00e1gua, vai ficando um barro seco por cima. Ele tem brilho, e a gente n\u00e3o consegue tirar, parece que tem uma cola. \u00c9 bem fininho”, contou \u00e0 DW Brasil.<\/p>\n\n\n\n

Desde 11 de janeiro, ela dorme num abrigo providenciado pela Igreja Cat\u00f3lica na cidade, onde passou a cozinhar para as 80 pessoas acolhidas. “Sem chances de voltar pra casa, ainda tem muito min\u00e9rio pra ser tirado de l\u00e1 de dentro. Eu perdi toda a mob\u00edlia. Desde a trag\u00e9dia [de 2019],\u00a0o rio ficou muito assoreado. A gente nunca mais vai dormir sossegado”, diz, em refer\u00eancia ao\u00a0medo de novos rompimentos.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

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Casa de Ros\u00e2ngela de Jesus, em Brumadinho, atingida em janeiro por inunda\u00e7\u00e3o do rio Paraopeba, ainda contaminado por rejeitos da minera\u00e7\u00e3o<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

A quase 200 quil\u00f4metros do epicentro da trag\u00e9dia, em Curvelo, Eliana afirma travar uma batalha di\u00e1ria para se manter no s\u00edtio onde vive, pr\u00f3ximo ao Paraopeba. A polui\u00e7\u00e3o trazida pelos rejeitos aniquilou todas as atividades que geravam renda para a fam\u00edlia: pescaria profissional, cultivo de alimentos e cria\u00e7\u00e3o de animais.<\/p>\n\n\n\n

“Minha fam\u00edlia \u00e9 muito atingida. Perdemos toda a renda. Meu filho est\u00e1 em sofrimento mental, perdeu a vontade de viver”, disse por telefone \u00e0 DW Brasil. No dia em que falou com a reportagem, Eliana estava no hospital, aonde chegara de madrugada para salvar a vida do filho, de 28 anos.<\/p>\n\n\n\n

Ela recebeu por um ano um aux\u00edlio emergencial da Vale, mas \u00e1gua pot\u00e1vel para o consumo da fam\u00edlia nunca foi fornecida pela mineradora. O abastecimento desde ent\u00e3o \u00e9 feito por caminh\u00f5es da Copasa, que enchem um tanque na comunidade.<\/p>\n\n\n\n

“A gente \u00e9 obrigada a pagar por essa \u00e1gua que chega em casa suja. N\u00e3o \u00e9 seguro. A \u00e1gua \u00e9 fedida, escura”, afirma Eliana.<\/p>\n\n\n\n

Os assessores t\u00e9cnicos que atuam nos territ\u00f3rios atingidos confirmam o cen\u00e1rio ca\u00f3tico. “N\u00f3s vemos uma viol\u00eancia, viola\u00e7\u00f5es de direitos que acabam sendo invisibilizadas”, afirma o Instituto Guaicuy, uma das tr\u00eas assessorias t\u00e9cnicas independentes nomeadas pela Justi\u00e7a para apoiar moradores na busca por repara\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

At\u00e9 o fim de 2021, o instituto enviou \u00e0 Vale 273 of\u00edcios solicitando atendimento a atingidos, que pedem reconhecimento de direitos como pagamento emergencial, fornecimento de \u00e1gua ou ra\u00e7\u00e3o, por exemplo.<\/p>\n\n\n\n

“N\u00f3s presenciamos muito adoecimento, indigna\u00e7\u00e3o, revolta. A r\u00e9 do processo, a Vale, acaba sendo a \u00faltima ditadora das regras do jogo”, afirma o corpo t\u00e9cnico.<\/p>\n\n\n\n

Questionada pela DW Brasil, a Vale respondeu que faz entregas emergenciais via caminh\u00e3o pipa e de \u00e1gua mineral em cerca de 620 n\u00facleos familiares. S\u00e3o atendidos quem n\u00e3o possu\u00eda \u00e1gua encanada e fazia capta\u00e7\u00e3o diretamente do Paraopeba; usu\u00e1rios de po\u00e7os artesianos e cisternas a at\u00e9 100 metros da margem do rio, de Brumadinho a Pomp\u00e9u.<\/p>\n\n\n\n

Eliana, que mora a 200 metros da margem, n\u00e3o compreende esse crit\u00e9rio adotado. Impedida de usar a \u00e1gua contaminada pelos rejeitos do Paraopeba e cansada de reclamar, a moradora diz sofrer diversas tentativas de intimida\u00e7\u00e3o. “A Vale sabe o que causou na nossa vida. Os funcion\u00e1rios dela v\u00e3o na nossa casa, fazem muitas perguntas, v\u00e3o embora e depois voltam para negar o direito. Eles fazem tudo o que podem pra maltratar a gente”, denuncia.<\/p>\n\n\n\n

Sensa\u00e7\u00e3o de inseguran\u00e7a<\/h2>\n\n\n\n

Nat\u00e1lia de Oliveira diz ter acreditado que as mortes da irm\u00e3 e das outras v\u00edtimas trariam mudan\u00e7as. “A gente se agarrou na hist\u00f3ria de que essas pessoas fizeram esse sacrifico de morrer aqui pra mudar a hist\u00f3ria da minera\u00e7\u00e3o. Mas a cada dia chega uma not\u00edcia de que outras barragens podem romper, de que outras fam\u00edlias podem passar por isso”, afirma.<\/p>\n\n\n\n

Com as fortes chuvas neste m\u00eas, uma vistoria feita pelo MP em Minas Gerais constatou que, das 31 estruturas supervisionadas por apresentarem algum grau de emerg\u00eancia, 18 ter\u00e3o que passar por interven\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Uma alerta emitido pela Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Antropologia (ABA), Associa\u00e7\u00e3o Nacional de P\u00f3s-Gradua\u00e7\u00e3o e Pesquisa em Ci\u00eancias Sociais (ANPOCS), Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Ci\u00eancia Pol\u00edtica (ABCP) e Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) pede provid\u00eancias.<\/p>\n\n\n\n

Para os especialistas, os sucessivos rompimentos, transbordamentos, “obras emergenciais” e amea\u00e7as de colapso de dezenas de barragens s\u00e3o exemplos dos riscos que envolvem o afrouxamento das regras ambientais no pa\u00eds.<\/p>\n\n\n\n

“Minas \u00e9 um dos estados pioneiros na chamada flexibiliza\u00e7\u00e3o do licenciamento ambiental”, diz a nota. “O avan\u00e7o da minera\u00e7\u00e3o a qualquer custo, enfim, que se sustenta na pilhagem, no abuso de poder e na eleva\u00e7\u00e3o de estruturas de engenharia erguidas para al\u00e9m dos limites t\u00e9cnicos aceit\u00e1veis, coloca o meio ambiente e a vida da popula\u00e7\u00e3o em risco”, argumenta.<\/p>\n\n\n\n

Para Maria Teresa Corujo, ativista e ex-conselheira da C\u00e2mara de Atividades Miner\u00e1rias do Conselho Ambiental de Minas Gerais, que denunciou v\u00e1rias ilegalidades durante o processo de licenciamento que autorizou a amplia\u00e7\u00e3o das atividades da Vale em Brumadinho um m\u00eas antes da trag\u00e9dia, as mudan\u00e7as esperadas n\u00e3o vieram.<\/p>\n\n\n\n

“As duas trag\u00e9dias, Mariana e Brumadinho, n\u00e3o trouxeram qualquer seguran\u00e7a quanto ao que \u00e9 certificado pelas mineradoras. Pelo contr\u00e1rio. Estamos diante de situa\u00e7\u00f5es suspeitas quanto ao risco de barragens. Estamos cada vez mais preocupados”, afirma.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Deutsche Welle<\/p>\n\n\n\n

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