{"id":176132,"date":"2022-01-26T19:10:28","date_gmt":"2022-01-26T22:10:28","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=176132"},"modified":"2022-01-26T19:10:35","modified_gmt":"2022-01-26T22:10:35","slug":"por-que-o-monitoramento-do-cerrado-feito-pelo-inpe-nao-deveria-acabar","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/01\/26\/176132-por-que-o-monitoramento-do-cerrado-feito-pelo-inpe-nao-deveria-acabar.html","title":{"rendered":"Por que o monitoramento do Cerrado feito pelo Inpe n\u00e3o deveria acabar"},"content":{"rendered":"\n
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Por que o monitoramento do Cerrado feito pelo Inpe n\u00e3o deveria acabar (Foto: Paulo Q Maia\/Flickr)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

O Brasil sempre se destacou pelo pioneirismo e qualidade nos mapeamentos sistem\u00e1ticos da cobertura de vegeta\u00e7\u00e3o nativa e dos processos de\u00a0desmatamento. Gra\u00e7as \u00e0 lideran\u00e7a do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), possu\u00edmos um conjunto de ferramentas de monitoramento e s\u00e9ries hist\u00f3ricas que s\u00e3o fundamentais para entender as transforma\u00e7\u00f5es no territ\u00f3rio brasileiro e servir de subs\u00eddios \u00e0 formula\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas.<\/p>\n\n\n\n

Esse trabalho se iniciou na d\u00e9cada de 1990 com o monitoramento anual do desmatamento na\u00a0Amaz\u00f4nia Legal\u00a0realizado pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amaz\u00f4nia Legal por Sat\u00e9lite (Prodes) Amaz\u00f4nia, e foi ampliado com a cria\u00e7\u00e3o de outros sistemas tamb\u00e9m voltados para o\u00a0bioma, como alertas de desmatamento (DETER), degrada\u00e7\u00e3o florestal (DEGRAD) e corte seletivo de madeira (DETEX).<\/p>\n\n\n\n

Em 2016, o monitoramento do Inpe passou a focar tamb\u00e9m no\u00a0Cerrado, por meio do Prodes e do Deter Cerrado, cobrindo inclusive a vegeta\u00e7\u00e3o mais aberta. No entanto, com o t\u00e9rmino do financiamento internacional destinado ao Cerrado e sem o respaldo do Governo Federal, ao qual o Inpe est\u00e1 ligado, o monitoramento desse bioma pelo instituto dever\u00e1 ser encerrado em abril de 2022.<\/p>\n\n\n\n

Com uma \u00e1rea total de cerca de 2 milh\u00f5es de km\u00b2, o equivalente a 24% do territ\u00f3rio nacional, o Cerrado est\u00e1 presente em 11 estados brasileiros, do norte do\u00a0Paran\u00e1\u00a0ao sudeste do Par\u00e1, al\u00e9m do Distrito Federal (Figura 1). Em fun\u00e7\u00e3o da sua ampla extens\u00e3o e varia\u00e7\u00f5es de relevo e clima, nesse bioma s\u00e3o encontrados diversos tipos de vegeta\u00e7\u00e3o: campo limpo, campo sujo (tamb\u00e9m chamado de campo Cerrado), Cerrado\u00a0sensu stricto<\/em>, cerrad\u00e3o e\u00a0florestas, al\u00e9m de forma\u00e7\u00f5es vegetais espec\u00edficas, como campos de murundus, campos rupestres, veredas e palmeirais.<\/p>\n\n\n\n

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Figura 1. Localiza\u00e7\u00e3o do Cerrado, incluindo estados e bacias hidrogr\u00e1ficas sobrepostas (Foto: IBGE e ANA. Elaborado pela TNC Brasil)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

O resultado dessa variedade de forma\u00e7\u00f5es vegetais \u00e9 uma\u00a0biodiversidade\u00a0de animais e plantas extremamente rica, com altas taxas de endemismo (esp\u00e9cies que s\u00f3 ocorrem nesse bioma), sendo as\u00a0savanas\u00a0do Cerrado aquelas com maior riqueza de\u00a0plantas\u00a0do mundo. Apesar dessa import\u00e2ncia, apenas 8,2% do Cerrado encontra-se formalmente protegido em unidades de conserva\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Amea\u00e7as<\/strong><\/p>\n\n\n\n

O bioma sofre com altas taxas de convers\u00e3o da vegeta\u00e7\u00e3o nativa para uso agropecu\u00e1rio. Metade da vegeta\u00e7\u00e3o original do Cerrado j\u00e1 foi perdida, segundo\u00a0dados do Prodes Cerrado. As restri\u00e7\u00f5es de expans\u00e3o de cultivos na\u00a0Amaz\u00f4nia, decorrentes da Lei de Prote\u00e7\u00e3o da Vegeta\u00e7\u00e3o Nativa (Lei 12651\/2012, conhecida como C\u00f3digo Florestal), zoneamentos ecol\u00f3gicos-econ\u00f4micos e compromissos volunt\u00e1rios como a\u00a0Morat\u00f3ria da Soja\u00a0protegem ao menos em parte a Amaz\u00f4nia. Por outro lado, facilitaram a expans\u00e3o das\u00a0commodities<\/em>\u00a0agr\u00edcolas no Cerrado, um bioma historicamente menos sujeito a press\u00f5es internacionais para sua conserva\u00e7\u00e3o, apesar de ser um hotspot de biodiversidade e ber\u00e7\u00e1rio de\u00a0rios<\/a>\u00a0importantes.<\/p>\n\n\n\n

Nesse contexto, a aus\u00eancia de um mecanismo de suporte ao controle ambiental facilita o desmatamento do bioma. De 1985 at\u00e9 2020 essa convers\u00e3o ocorreu preferencialmente em \u00e1reas de savana (56%), de acordo com o\u00a0MapBiomas, mas essa perda n\u00e3o \u00e9 homog\u00eanea. A Figura 2 apresenta as \u00e1reas de concentra\u00e7\u00e3o do desmatamento no Cerrado, mostrando que nas \u00faltimas d\u00e9cadas essas transforma\u00e7\u00f5es foram mais intensas no centro do Mato Grosso, no oeste da Bahia, na por\u00e7\u00e3o sul do Maranh\u00e3o e do Piau\u00ed e no centro do Tocantins.<\/p>\n\n\n\n

Esses quatro \u00faltimos estados fazem parte da regi\u00e3o conhecida como Matopiba (uma combina\u00e7\u00e3o de suas iniciais), considerada a principal frente atual de expans\u00e3o de soja, milho e algod\u00e3o no Brasil, onde foram detectados 64% do desmatamento total do Cerrado em 2021, de acordo com o Prodes.<\/p>\n\n\n\n

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Figura 2. Mapa do Cerrado indicando as \u00e1reas de concentra\u00e7\u00e3o do desmatamento entre 1985-2020 por c\u00e9lulas de 20 km X 20 Km (Foto: MapBiomas, Cole\u00e7\u00e3o 6. Elaborado por TNC Brasil.)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Embora os holofotes da m\u00eddia e a aten\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o em geral estejam voltados sobretudo para a destrui\u00e7\u00e3o da Amaz\u00f4nia, a taxa anual de desmatamento do Cerrado em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 \u00e1rea total de remanescente florestal desse bioma foi, em m\u00e9dia, de 0,95% ao ano, nos \u00faltimos dez anos. Esse \u00edndice \u00e9 entre 2 e 12 vezes maior que o observado na Amaz\u00f4nia no mesmo per\u00edodo (Figura 3).<\/p>\n\n\n\n

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Figura 3. Varia\u00e7\u00e3o anual da perda percentual de vegeta\u00e7\u00e3o nativa do Cerrado e da Amaz\u00f4nia ao longo dos \u00faltimos dez anos. (Foto: Prodes Cerrado e Prodes Amaz\u00f4nia\/Elaborado por TNC Brasil)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Juntam-se ao desmatamento as\u00a0queimadas\u00a0reiteradas e de largas propor\u00e7\u00f5es que nos \u00faltimos 20 anos atingiram quase um ter\u00e7o da vegeta\u00e7\u00e3o nativa do Cerrado. O fogo intenso e de grande amplitude resultante de a\u00e7\u00f5es antr\u00f3picas interfere com o ciclo natural de queima do bioma, de frequ\u00eancia e intensidade moderadas, afetando a capacidade de rebrota, essencial para a manuten\u00e7\u00e3o dos mosaicos de vegeta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

As consequ\u00eancias<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Os efeitos dessa perda acelerada do Cerrado v\u00e3o al\u00e9m dos impactos na biodiversidade. Os solos do Cerrado s\u00e3o em sua maioria profundos e por vezes\u00a0estocam grandes quantidades de carbono, apresentando um importante potencial de mitigar os impactos das\u00a0mudan\u00e7as clim\u00e1ticas\u00a0atuais e futuras. Al\u00e9m disso, o Cerrado \u00e9 um bioma onde as esp\u00e9cies de arbustos e \u00e1rvores investem muito em suas ra\u00edzes. Em virtude das caracter\u00edsticas clim\u00e1ticas e de solo na regi\u00e3o do bioma, onde as\u00a0chuvas\u00a0s\u00e3o mal distribu\u00eddas ao longo do ano e existe um longo per\u00edodo de seca, a vegeta\u00e7\u00e3o existente apresenta adapta\u00e7\u00f5es para resistir a essa condi\u00e7\u00e3o, como ra\u00edzes profundas.<\/p>\n\n\n\n

Estudos mostram que algumas fitofisionomias do Cerrado podem estocar at\u00e9 tr\u00eas vezes mais carbono nas ra\u00edzes do que estocam acima do solo. Por exemplo, \u00e1reas gram\u00edneo-lenhosas podem estocar 4 toneladas por hectare de carbono acima do solo, por\u00e9m 14 toneladas abaixo. J\u00e1 \u00e1reas com aspectos mais sav\u00e2nicos podem guardar entre 11 e 24 toneladas de carbono acima do solo e entre 24 e 33\u00a0abaixo. O Cerrado \u00e9, assim, o segundo bioma brasileiro em estoque de\u00a0carbono, perdendo apenas para a Amaz\u00f4nia. Um estoque enorme que precisa ser monitorado.<\/p>\n\n\n\n

O Cerrado tamb\u00e9m abriga as nascentes de grandes rios como Araguaia\/Tocantins, Paraguai e S\u00e3o Francisco, e \u00e9 cortado por seis das oito grandes bacias hidrogr\u00e1ficas do pa\u00eds (Figura 3): Amaz\u00f4nica, Araguaia\/Tocantins, Atl\u00e2ntico Norte\/Nordeste, S\u00e3o Francisco, Atl\u00e2ntico Leste e Paran\u00e1\/Paraguai. Al\u00e9m disso, nele est\u00e3o localizados tr\u00eas dos principais aqu\u00edferos brasileiros: Bambu\u00ed, Urucuia e Guarani. O\u00a0bioma possui, portanto, um papel essencial na recarga de aqu\u00edferos\u00a0e na vaz\u00e3o de importantes rios brasileiros como Paran\u00e1, Araguaia\/Tocantins e S\u00e3o Francisco contribuindo com cerca de 50%, 62% e 94% da vaz\u00e3o desses rios, respectivamente.<\/p>\n\n\n\n

Portanto, n\u00e3o s\u00f3 o desmatamento, mas tamb\u00e9m as altera\u00e7\u00f5es no uso de recursos h\u00eddricos associadas \u00e0 multiplica\u00e7\u00e3o de sistemas de irriga\u00e7\u00e3o para manuten\u00e7\u00e3o do agroneg\u00f3cio podem afetar a seguran\u00e7a h\u00eddrica de v\u00e1rias regi\u00f5es brasileiras, assim como a energ\u00e9tica. Isso porque a produ\u00e7\u00e3o hidrel\u00e9trica nacional \u00e9 fortemente dependente das \u00e1guas do Cerrado.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m dos aspectos ambientais, o Cerrado apresenta grande import\u00e2ncia social. S\u00e3o 126\u00a0terras ind\u00edgenas\u00a0ocupando 4,3% do territ\u00f3rio, 44 territ\u00f3rios quilombolas, al\u00e9m de in\u00fameras comunidades tradicionais, incluindo geraizeiros (Geral \u00e9 o nome recebido pelo Cerrado no norte de\u00a0Minas Gerais\u00a0e Oeste da Bahia), quebradeiras de coco baba\u00e7u (no Maranh\u00e3o, Piau\u00ed e Tocantins), vazanteiros (nas margens do rio S\u00e3o Francisco), apanhadores de flores sempre-vivas (na serra do Espinha\u00e7o, em Minas Gerais), dentre outras n\u00e3o menos importantes, mas pouco conhecidas, que det\u00eam um enorme conhecimento tradicional da biodiversidade e que dependem da manuten\u00e7\u00e3o do bioma para sua sobreviv\u00eancia.<\/p>\n\n\n\n

Deve-se ponderar tamb\u00e9m que os benef\u00edcios advindos da ocupa\u00e7\u00e3o agr\u00edcola do Cerrado para a economia brasileiras s\u00e3o evidentes e incontest\u00e1veis, mas, para que isso ocorra sob bases sustent\u00e1veis, proporcionando o m\u00e1ximo de benef\u00edcios com o m\u00ednimo de impactos, \u00e9 fundamental a gera\u00e7\u00e3o de dados e informa\u00e7\u00f5es t\u00e9cnicas sobre esse bioma para subsidiar o planejamento territorial e a tomada de decis\u00e3o, evitando maiores danos socioambientais.<\/p>\n\n\n\n

O monitoramento garante a proced\u00eancia de produtos das cadeias de soja, milho e algod\u00e3o, uma vez que o desmatamento e as atividades ilegais atreladas a essas cadeias podem ser identificados com o uso de ferramentas como Prodes e Deter Cerrado. A continuidade do monitoramento do desmatamento \u00e9, portanto, importante para exportadores e importadores, a exemplo da Uni\u00e3o Europeia, que hoje j\u00e1 adota crit\u00e9rios socioambientais bem mais exigentes para importar produtos.<\/p>\n\n\n\n

Felizmente, o monitoramento do Cerrado n\u00e3o ser\u00e1 de todo perdido. Caso o governo realmente encerre o Prodes e o Deter Cerrado, o MapBiomas, iniciativa n\u00e3o governamental que se iniciou em 2015 para mapeamento da din\u00e2mica do uso da terra usando ferramentas de computa\u00e7\u00e3o em rede e intelig\u00eancia artificial,\u00a0anunciou que lan\u00e7ar\u00e1 imediatamente um sistema de alertas de desmatamento do bioma.<\/p>\n\n\n\n

No entanto, por diferen\u00e7as metodol\u00f3gicas, o MapBiomas n\u00e3o \u00e9 capaz de substituir o Prodes Cerrado. Al\u00e9m da disrup\u00e7\u00e3o da s\u00e9rie hist\u00f3rica, a desmobiliza\u00e7\u00e3o dos especialistas envolvidos nesse mapeamento representar\u00e1 uma enorme perda em termos do papel estrat\u00e9gico do Inpe na gera\u00e7\u00e3o de informa\u00e7\u00e3o de qualidade para o territ\u00f3rio brasileiro.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Galileu<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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