{"id":177914,"date":"2022-06-08T09:49:46","date_gmt":"2022-06-08T12:49:46","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=177914"},"modified":"2022-06-08T09:49:52","modified_gmt":"2022-06-08T12:49:52","slug":"sera-possivel-enfrentar-a-crise-climatica-com-o-modelo-capitalista","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/06\/08\/177914-sera-possivel-enfrentar-a-crise-climatica-com-o-modelo-capitalista.html","title":{"rendered":"Ser\u00e1 poss\u00edvel enfrentar a crise clim\u00e1tica com o modelo capitalista?"},"content":{"rendered":"\n
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Ser\u00e1 poss\u00edvel enfrentar a crise clim\u00e1tica com o modelo capitalista? (Ilustra\u00e7\u00e3o: Luli Tolentino)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

O termo sustentabilidade apareceu pela primeira vez na literatura cient\u00edfica em 1713, em um livro sobre\u00a0ci\u00eancia\u00a0florestal assinado por um contador alem\u00e3o. Mas foi somente em 1987, no relat\u00f3rio\u00a0Nosso Futuro Comum<\/em>, da comiss\u00e3o Brundtland das Na\u00e7\u00f5es Unidas, que a ideia de desenvolvimento sustent\u00e1vel se popularizou. De l\u00e1 para c\u00e1, o conceito de que precisamos \u201catender \u00e0s necessidades do presente sem comprometer as oportunidades das gera\u00e7\u00f5es futuras\u201d se cristalizou.<\/p>\n\n\n\n

A preocupa\u00e7\u00e3o com a sustentabilidade virou assunto popular. Digite a palavra em ingl\u00eas (sustainability<\/em>) no Google e voc\u00ea ver\u00e1 mais resultados do que se buscar por \u201cJesus Christ\u201d. No Google Ngram Viewer, ferramenta que identifica o quanto determinada palavra aparece em livros, \u201csustentabilidade\u201d \u00e9 mais frequente do que \u201cSteve Jobs\u201d, empres\u00e1rio considerado t\u00e3o influente que a m\u00eddia chegou a questionar se seria mais conhecido do que\u00a0Jesus Cristo. De sab\u00f5es l\u00edquidos que anunciam no r\u00f3tulo que \u201ccuidam do\u00a0meio ambiente\u201d a latinhas de \u201c\u00e1gua mineral natural e social\u201d, cada vez mais empresas t\u00eam tomado para si a discuss\u00e3o levantada desde os anos 1980.<\/p>\n\n\n\n

Apesar disso, a\u00a0crise ambiental\u00a0nunca esteve t\u00e3o alarmante. Divulgado no \u00faltimo dia 4 de abril,\u00a0o terceiro e \u00faltimo tomo do sexto relat\u00f3rio do Painel Intergovernamental sobre Mudan\u00e7as Clim\u00e1ticas\u00a0(IPCC, na sigla em ingl\u00eas) mostrou que, se n\u00e3o mudarmos a forma como exploramos os recursos terrestres, veremos um aquecimento de 3,2\u00b0C no planeta at\u00e9 2100, mais que o dobro\u00a0do que foi estabelecido em 2015 no Acordo de Paris.<\/p>\n\n\n\n

Em 2019, o mundo emitiu 12% mais\u00a0gases de efeito estufa\u00a0do que em 2010, e 54% acima do registrado em 1990 \u2014 mesmo com melhor compreens\u00e3o da escala do problema, a \u00faltima d\u00e9cada teve o maior crescimento de emiss\u00f5es na hist\u00f3ria.<\/p>\n\n\n\n

\u201cTodo mundo defende desenvolvimento sustent\u00e1vel, quem n\u00e3o defende \u00e9 louco. Mas comecei a me perguntar: como uma\u00a0sociedade\u00a0t\u00e3o fraturada e desigual, e ao mesmo tempo t\u00e3o diversa, poderia construir um consenso?\u201d, questiona a pesquisadora Maria das Gra\u00e7as e Silva, professora do departamento de Servi\u00e7o Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em sua tese de doutorado, ela investigou a rela\u00e7\u00e3o entre o capitalismo e a sustentabilidade. E concluiu que n\u00e3o h\u00e1 como conciliar um desenvolvimento de fato sustent\u00e1vel com um modelo econ\u00f4mico baseado na necessidade de explora\u00e7\u00e3o de recursos \u2014 humanos e ambientais \u2014 para expans\u00e3o infinita.<\/p>\n\n\n\n

Assim como Silva, cientistas mundo afora v\u00eam debatendo a quest\u00e3o. \u201cExistem falhas fundamentais no capitalismo e na\u00a0economia\u00a0de mercado que precisamos encarar para fazer a sustentabilidade\u00a0funcionar\u201d, aponta o economista John Ikerd, professor em\u00e9rito da Universidade de Missouri, nos EUA, e especialista em agricultura e sustentabilidade. \u201cO que temos feito globalmente at\u00e9 agora \u00e9 priorizar a economia, comprometendo valores sociais e a rela\u00e7\u00e3o com a natureza para maximizar o crescimento econ\u00f4mico.\u201d<\/p>\n\n\n\n

“O que temos feito at\u00e9 agora \u00e9 priorizar a economia, comprometendo valores sociais e a rela\u00e7\u00e3o com a natureza para maximizar o crescimento econ\u00f4mico”<\/p>John Ikerd, economista e professor em\u00e9rito da Universidade de Missouri, nos EUA<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

O fluxo financeiro mostra a falta de prioridades. Segundo o relat\u00f3rio do IPCC, para alcan\u00e7ar a meta de estabilizar o\u00a0aquecimento da Terra\u00a0em 1,5\u00b0C, o financiamento clim\u00e1tico deveria ser de tr\u00eas a seis vezes maior do que \u00e9 hoje. O dinheiro existe, aponta o painel, mas sobram barreiras para a aplica\u00e7\u00e3o dos recursos.<\/p>\n\n\n\n

As consequ\u00eancias j\u00e1 come\u00e7am a ser sentidas \u2014 e o debate passa a ter tamb\u00e9m contornos sociais. Trag\u00e9dias como a que ocorreu\u00a0em Petrop\u00f3lis (RJ)\u00a0no fim de fevereiro, quando o excesso de chuvas provocou enchentes e deslizamentos e deixou mais de 240 mortos, t\u00eam se tornado comuns e tendem a piorar. \u201cViramos tudo de ponta-cabe\u00e7a, estamos usando n\u00e3o s\u00f3 recursos naturais, mas humanos tamb\u00e9m. N\u00e3o temos dois problemas diferentes [ambiental e social]<\/em>, eles s\u00e3o dimens\u00f5es do mesmo problema\u201d, continua Ikerd.<\/p>\n\n\n\n

Desse modo, ser\u00e1 poss\u00edvel alcan\u00e7ar as metas tra\u00e7adas para reduzir o impacto no planeta sem repensar o estilo de vida que nos trouxe at\u00e9 aqui?<\/p>\n\n\n\n

Desde Plat\u00e3o<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Embora o conceito tenha se popularizado somente nas \u00faltimas d\u00e9cadas, a tese de que a demanda por recursos naturais causaria impactos no meio ambiente remonta \u00e0s antigas civiliza\u00e7\u00f5es. No\u00a0s\u00e9culo 5 d.C.,\u00a0o fil\u00f3sofo Plat\u00e3o\u00a0j\u00e1 falava sobre os diferentes tipos de degrada\u00e7\u00f5es ambientais que resultavam de atividades como agricultura, moradia e\u00a0minera\u00e7\u00e3o. Ainda que n\u00e3o formulado nos moldes atuais, o tema evoluiu paralelamente a no\u00e7\u00f5es de progresso desde ent\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A\u00a0Revolu\u00e7\u00e3o Industrial\u00a0foi definitiva para consolidar a ideia de que o progresso humano estava relacionado ao crescimento econ\u00f4mico e material. No livro\u00a0Wealth of Nature: Environmental History and the Ecological Imagination<\/em>\u00a0(\u201cA Riqueza da Natureza: Hist\u00f3ria Ambiental e a Imagina\u00e7\u00e3o Ecol\u00f3gica\u201d, em tradu\u00e7\u00e3o livre), publicado em 1994 pela Oxford University Press e sem edi\u00e7\u00e3o no Brasil, o historiador Donald Worster descreve como a industrializa\u00e7\u00e3o provocou a maior revolu\u00e7\u00e3o no panorama global ao fazer as pessoas acreditarem que t\u00eam o direito de\u00a0dominar a ordem natural e transformar tudo em bens de consumo, que \u00e9 necess\u00e1rio e aceit\u00e1vel destruir o meio ambiente na busca por m\u00e1xima produ\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica, e que somente os produtos industrializados e comercializados no mercado t\u00eam valor.<\/p>\n\n\n\n

No per\u00edodo entre 1800 e 1970, quando a popula\u00e7\u00e3o mundial triplicou, a produ\u00e7\u00e3o aumentou 1730 vezes. O crescimento econ\u00f4mico global se manteve acima de 3% (com exce\u00e7\u00e3o dos per\u00edodos entre-guerras), alcan\u00e7ando 5,6% entre 1948 e 1971.<\/p>\n\n\n\n

Ainda no s\u00e9culo 18, come\u00e7aram a surgir questionamentos sobre as consequ\u00eancias de tamanho desenvolvimento \u2014 mas o foco de quais seriam os maiores riscos ou vil\u00f5es variou. Em 1798, o economista brit\u00e2nico Thomas Malthus lan\u00e7ou sua famosa tese sobre os riscos do crescimento populacional para a produ\u00e7\u00e3o de alimentos. No s\u00e9culo seguinte, a preocupa\u00e7\u00e3o se voltou para a depend\u00eancia do carv\u00e3o como matriz energ\u00e9tica. O mesmo serviu para o\u00a0petr\u00f3leo\u00a0quando este virou a principal fonte de energia no s\u00e9culo 20.<\/p>\n\n\n\n

A resposta do pensamento econ\u00f4mico dominante a tais questionamentos permanece em voga at\u00e9 hoje: diante da escassez de recursos, o mercado naturalmente reagiria para introduzir novas tecnologias que ajudassem a economizar ou substituir o produto. S\u00f3 que, na pr\u00e1tica, n\u00e3o \u00e9 bem assim.<\/p>\n\n\n\n

Cortando excessos<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Essa \u00e9 a teoria, por exemplo, por tr\u00e1s de conceitos modernos como o do\u00a0consumo consciente. \u201cQuando a gente fala em consumo consciente, \u00e9 importante lembrar que n\u00e3o existe vida sem consumo, e\u00a0n\u00e3o existe consumo sem impacto\u201d, explica o engenheiro ambien-al Bruno Yamanaka, especialista de conte\u00fados do Instituto Akatu, organiza\u00e7\u00e3o sem fins lucrativos que visa promover h\u00e1bitos mais conscientes de consumo. \u201cN\u00e3o significa deixar de consumir, mas fazer de forma melhor, com uma vis\u00e3o de que o ato de consumir est\u00e1 no contexto maior de um ciclo de processo de produ\u00e7\u00e3o com consequ\u00eancias positivas e negativas.\u201d<\/p>\n\n\n\n

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Atualmente, o consumo da humanidade \u00e9 1,8 vez maior do que a capacidade do planeta de fornecer recursos renov\u00e1veis e n\u00e3o renov\u00e1veis (Ilustra\u00e7\u00e3o: Luli Tolentino)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Atualmente, o consumo da humanidade \u00e9 1,8 vez maior do que a capacidade do planeta de fornecer recursos renov\u00e1veis e n\u00e3o renov\u00e1veis. Se nada mudar, em 2050 precisaremos de quase tr\u00eas planetas para sustentar nosso estilo de vida. Consumir conscientemente significaria evitar excessos: diminuindo o tempo no banho para\u00a0economizar \u00e1gua, aproveitando alimentos integralmente, optando por produtos dur\u00e1veis… Na pr\u00e1tica, por\u00e9m, acabou se tornando um modismo que mascara quest\u00f5es mais fundamentais quando o assunto \u00e9 sustentabilidade.<\/p>\n\n\n\n

Uma delas \u00e9 o risco de individualizar um problema estrutural da sociedade. \u201cQuerem jogar para indiv\u00edduos a responsabilidade pela solu\u00e7\u00e3o da\u00a0crise clim\u00e1tica\u00a0global, quando o problema est\u00e1 no modo como produzimos as mercadorias, n\u00e3o como consumimos\u201d, opina a professora de servi\u00e7o social Josiane Soares Santos, da Universidade Federal de Sergipe (UFS). \u201cN\u00e3o se trata de achar que \u00e9 desimportante ter cuidados individuais ou de pequenos grupos com o descarte e o consumo de mercadorias, mas isso n\u00e3o vai evitar que sejam produzidas, porque seria incompat\u00edvel com o modelo\u00a0econ\u00f4mico de justificar uma coisa em nome da outra. Aumentar a produtividade significa aumentar a produ\u00e7\u00e3o de mercadorias para fazer a roda do consumo girar.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Outro risco \u00e9 causar a impress\u00e3o de que todos est\u00e3o em p\u00e9 de igualdade. \u201cVoc\u00ea n\u00e3o pode dizer que eu que sou trabalhadora tenho o mesmo poder de decis\u00e3o que as grandes corpora\u00e7\u00f5es. N\u00e3o somos abelhas nem formigas que seguem processos instintivos. N\u00f3s n\u00e3o s\u00f3 transformamos a natureza, mas a transformamos atrav\u00e9s da media\u00e7\u00e3o de rela\u00e7\u00f5es hier\u00e1rquicas e desiguais\u201d, critica a professora da UFPE.<\/p>\n\n\n\n

As rela\u00e7\u00f5es desiguais est\u00e3o no pr\u00f3prio padr\u00e3o de consumo. A Global Footprint Network, organiza\u00e7\u00e3o que mede a pegada ecol\u00f3gica da humanidade, calcula que s\u00e3o necess\u00e1rios 5,1 planetas para sustentar o estilo de vida de um estadunidense m\u00e9dio hoje em dia. J\u00e1 os brasileiros consomem o equivalente a 1,6 planeta e os indianos, 0,8. Afinal, por que tanta diferen\u00e7a?<\/p>\n\n\n\n

Ciclo de desigualdades<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Entramos, ent\u00e3o, no que especialistas chamam de desigualdade clim\u00e1tica ou\u00a0racismo ambiental<\/strong>. \u201cEsses movimentos de consumo sustent\u00e1vel s\u00e3o interessantes, mas \u00e9 preciso pensar em uma estrutura. Ao mesmo tempo que o sistema prega um tipo de pr\u00e1tica, ele n\u00e3o viabiliza isso para toda a sociedade, s\u00f3 para uma elite. \u00c9 s\u00f3 um pequeno grupo de pessoas que tem esse privil\u00e9gio\u201d, pontua o bi\u00f3logo Jackson Cruz Magalh\u00e3es, mestre em sustentabilidade pela Universidade de S\u00e3o Paulo (USP).<\/p>\n\n\n\n

Mas o consumo \u00e9 s\u00f3 a ponta de um conjunto de desigualdades, que v\u00e3o da falta de acesso a saneamento b\u00e1sico \u00e0 exposi\u00e7\u00e3o a poluentes e res\u00edduos t\u00f3xicos, em um ciclo social e ambiental nocivo que se retroalimenta. Em 1982, o soci\u00f3logo Benjamin Chavis, ativista do\u00a0movimento de direitos civis nos EUA, cunhou o termo racismo ambiental para descrever uma s\u00e9rie de problemas: discrimina\u00e7\u00e3o na cria\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas ambientais, aplica\u00e7\u00e3o injusta da legisla\u00e7\u00e3o, autoriza\u00e7\u00e3o do descarte de res\u00edduos t\u00f3xicos pr\u00f3ximo a comunidades perif\u00e9ricas e hist\u00f3rico de exclus\u00e3o de pessoas negras da lideran\u00e7a de movimentos ecol\u00f3gicos.<\/p>\n\n\n\n

Considerado um marco na justi\u00e7a ambiental,\u00a0um estudo de 2007 do soci\u00f3logo Robert Bullard\u00a0demonstrou que ra\u00e7a \u00e9 um fator mais importante do que status socioecon\u00f4mico para prever o local de descarte de res\u00edduos t\u00f3xicos, e que crian\u00e7as negras nos EUA tinham cinco vezes mais risco de intoxica\u00e7\u00e3o por chumbo do que as brancas.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

E o problema n\u00e3o \u00e9 restrito ao pa\u00eds norte-americano. No Brasil, um caso emblem\u00e1tico ocorre desde 2010, quando uma chuva de p\u00f3 brilhante caiu no bairro carioca Santa Cruz, o mais distante do centro do Rio, causando infec\u00e7\u00f5es respirat\u00f3rias e inflama\u00e7\u00f5es de pele na popula\u00e7\u00e3o local.<\/p>\n\n\n\n

O fen\u00f4meno, decorrente da produ\u00e7\u00e3o da maior exportadora de a\u00e7o do pa\u00eds, a Companhia Sider\u00fargica do Atl\u00e2ntico (hoje chamada Ternium), se repetiu diversas vezes, apesar das multas \u00e0 empresa \u2014 em 2010, foram R$ 1,8 milh\u00e3o; no ano seguinte, R$ 2,8 milh\u00f5es; e, em 2012, subiu para R$ 10,5 milh\u00f5es, al\u00e9m de R$ 4,5 milh\u00f5es em investimentos na comunidade e do plantio de 15 mil \u00e1rvores nas ruas afetadas pelo p\u00f3. Tr\u00eas anos depois, moradores ainda reclamavam das ocorr\u00eancias.<\/p>\n\n\n\n

Enquanto empresas pagarem para continuar poluindo, a conta das consequ\u00eancias clim\u00e1ticas n\u00e3o vai ser dividida igualmente. Segundo o \u00cdndice de Vulnerabilidade Clim\u00e1tica Maplecroft, os pa\u00edses com risco extremo de sofrer com os fen\u00f4menos do clima est\u00e3o no chamado Sul global: Rep\u00fablica Africana Central, Rep\u00fablica Democr\u00e1tica do Congo, Haiti, Lib\u00e9ria e Sud\u00e3o do Sul figuram no topo da lista. Na\u00e7\u00f5es da Am\u00e9rica do Norte, da Europa e da Oceania, por sua vez, t\u00eam baixo risco de vulnerabilidade.<\/p>\n\n\n\n

\u201cO Sul global vai sofrer mais, mas isso n\u00e3o se deve apenas \u00e0 geografia. O sofrimento se explica pela condi\u00e7\u00e3o social\u201d, destaca o ambientalista Marcio Astrini, secret\u00e1rio-executivo do Observat\u00f3rio do Clima (OC). \u201cQuem vai pagar a maior parte da conta do aquecimento global s\u00e3o os mais pobres. Mas quem consumiu mais o planeta foram eles? O que consome mais, construir uma casa de 5 mil metros quadrados ou um barraco? Quem mais provocou impacto n\u00e3o vai ser ref\u00e9m das consequ\u00eancias, ningu\u00e9m foge da seca no Nordeste em um [carro<\/em>] BMW.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Na vis\u00e3o de Magalh\u00e3es, \u00e9 fundamental entender que as quest\u00f5es ambientais n\u00e3o est\u00e3o desconectadas das sociais. \u201cE a\u00ed n\u00e3o faz sentido falar que economia, meio ambiente e sociedade estar\u00e3o no mesmo patamar em um trip\u00e9, se vivemos em um modelo que visa a explora\u00e7\u00e3o do que a natureza nos d\u00e1\u201d, afirma o pesquisador da USP, que estuda, entre outros temas, vulnerabilidade socioambiental.<\/p>\n\n\n\n

Por isso, ele refor\u00e7a a import\u00e2ncia de trazer as periferias e, especialmente, os povos origin\u00e1rios para o centro do debate. Por terem uma rela\u00e7\u00e3o mais \u00edntima com a natureza e valores diferentes daqueles de sociedades regidas por explora\u00e7\u00e3o e consumo, podem ajudar a repensar nossa estrutura econ\u00f4mica e estilo de vida.<\/p>\n\n\n\n

Redefini\u00e7\u00e3o de valores<\/strong><\/p>\n\n\n\n

\u201cN\u00f3s temos sociedades hoje que s\u00e3o baseadas em transa\u00e7\u00f5es. Sentimos que precisamos ter mais do que realmente precisamos por causa do sistema econ\u00f4mico\u201d, opina o economista Ikerd. \u201cS\u00e3o sociedades em que sua import\u00e2ncia \u00e9 medida por quanto dinheiro ou status social voc\u00ea tem, que por sua vez \u00e9 definido pelas poucas pessoas que alcan\u00e7am tais metas. Temos sociedades com pessoas que anseiam por ser coisas que elas n\u00e3o podem ser.\u201d<\/p>\n\n\n\n

A discuss\u00e3o \u00e9 quase filos\u00f3fica, aponta o especialista. Para ele, existe um conceito subjacente \u00e0 sustentabilidade que \u00e9 o da exist\u00eancia de um prop\u00f3sito para estarmos aqui. Caso contr\u00e1rio, ningu\u00e9m precisaria se importar com o\u00a0futuro da humanidade. Pensar em desenvolvimento sustent\u00e1vel passaria necessariamente por reconsiderar a atribui\u00e7\u00e3o de valores no contexto social \u2014 seja olhando para o micro, de fato repensando nossas pr\u00f3prias aspira\u00e7\u00f5es e rela\u00e7\u00e3o com nosso entorno, seja analisando o macro.<\/p>\n\n\n\n

Em uma palestra no TEDx S\u00e3o Sebasti\u00e3o de 2016, o ocean\u00f3logo Wilson Cabral, professor do Instituto Tecnol\u00f3gico de Aeron\u00e1utica\u00a0(ITA), criticou, entre outros pontos, o fato de o principal referencial para medir o desenvolvimento ser o Produto Interno Bruto (PIB). Isso porque o aumento no PIB n\u00e3o necessariamente significa uma melhora nas condi\u00e7\u00f5es de vida da popula\u00e7\u00e3o. \u201cVeja um exemplo, se eu reduzir o consumo de cigarro, reduzo o PIB. Se eu reduzir a ind\u00fastria b\u00e9lica, reduzirei o PIB. Ou seja, vou decrescer. Mas ser\u00e1 mesmo que decresce se a gente reduzir a ind\u00fastria b\u00e9lica? A gente precisa come\u00e7ar a mexer um pouco mais com esses valores e a entender o que est\u00e1 por tr\u00e1s disso\u201d, disse Cabral na palestra.<\/p>\n\n\n\n

Isso vai ao encontro do que outros especialistas pensam. \u201cCrescimento econ\u00f4mico n\u00e3o significa mais qualidade de vida para as pessoas, pois depende da distribui\u00e7\u00e3o desse crescimento. Olhar s\u00f3 para o PIB \u00e9 uma maneira reducionista de olhar para a vida\u201d, observa o soci\u00f3logo Masoud Movahed, da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA.<\/p>\n\n\n\n

O cen\u00e1rio econ\u00f4mico atual d\u00e1 uma ideia dessa desigualdade, com a infla\u00e7\u00e3o para 2022 prevista em 5,7% em economias avan\u00e7adas e em 8,7% em pa\u00edses emergentes, de acordo com o Fundo Monet\u00e1rio Internacional (FMI). J\u00e1 o desemprego deve ficar em 5,9% na m\u00e9dia mundial. Entre os motivos estariam o decrescimento da economia global provocado pela pandemia de Covid-19 e pela\u00a0guerra na Ucr\u00e2nia. No dia 19 de abril, o FMI reduziu a previs\u00e3o de crescimento econ\u00f4mico mundial de 4,4% para 3,6%.<\/p>\n\n\n\n

A\u00a0situa\u00e7\u00e3o da fome tamb\u00e9m piorou: os dados mais recentes das Na\u00e7\u00f5es Unidas, referentes a 2020, mostram que a preval\u00eancia da subnutri\u00e7\u00e3o no mundo subiu de 8,4% em 2019 para 9,9% em um\u00a0ano. \u201cO PIB \u00e9 s\u00f3 uma medida de uma grande fatia, n\u00e3o representa o quanto os cidad\u00e3os est\u00e3o de fato acessando. \u00c9 necess\u00e1rio tornar o desenvolvimento justo, para que as pessoas possam realmente colher os frutos dele\u201d, conclui Movahed.<\/p>\n\n\n\n

Ikerd completa: \u201cO conceito de desenvolvimento sustent\u00e1vel fala em atender \u00e0s necessidades do presente, mas n\u00f3s n\u00e3o estamos nem atendendo a essas necessidades. Voc\u00ea n\u00e3o pode esperar que uma m\u00e3e que n\u00e3o tem como alimentar seus filhos se preocupe com as\u00a0mudan\u00e7as clim\u00e1ticas.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Crescimento sem limites<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Nos anos 1970, um grupo de economistas e cientistas que ficou conhecido como Clube de Roma publicou um relat\u00f3rio intitulado\u00a0Os Limites do Crescimento<\/em>, em que alertavam para um \u201cteto\u201d de recursos terrestres, e que explor\u00e1-los al\u00e9m da conta poderia ser catastr\u00f3fico. Na \u00e9poca, a publica\u00e7\u00e3o foi criticada por quem defendia a expectativa de que em 30 anos o crescimento populacional iria se estabilizar, a produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola iria aumentar, novas fontes de energia teriam sido encontradas, a\u00a0polui\u00e7\u00e3o\u00a0estaria controlada, ainda haveria recursos suficientes para a ind\u00fastria e os pa\u00edses em desenvolvimento teriam dobrado a renda\u00a0per capita<\/em>.<\/p>\n\n\n\n

Embora algumas dessas expectativas tenham se concretizado \u2014 sobretudo a do crescimento populacional, que h\u00e1 duas d\u00e9cadas come\u00e7ou a estabilizar em cerca de 1% ao ano \u2014, a maioria permanece sem resolu\u00e7\u00e3o. \u201cSabemos que temos um problema clim\u00e1tico, mas h\u00e1 tamb\u00e9m problemas de alimenta\u00e7\u00e3o, de\u00a0abastecimento de \u00e1gua, de viol\u00eancia e inquieta\u00e7\u00e3o social que t\u00eam causado at\u00e9 a perda de\u00a0compromisso com a democracia\u201d, afirma o pesquisador australiano Ted Trainer, professor em\u00e9rito de ci\u00eancias sociais na Universidade de New South Wales. \u201cMuitas pessoas est\u00e3o cansadas de serem empobrecidas e ignoradas.\u201d<\/p>\n\n\n\n

“O problema que enfrentamos \u00e9 cultural, n\u00e3o t\u00e9cnico. Temos toda a tecnologia de que precisamos para viver lindamente”<\/p>Ted Trainer, professor em\u00e9rito de ci\u00eancias sociais na Universidade de New South Wales<\/cite><\/blockquote>\n\n\n\n

Desde a publica\u00e7\u00e3o do relat\u00f3rio do Clube de Roma, e principalmente a partir dos anos 2000, sugest\u00f5es para lidar com o problema come\u00e7aram a surgir. Das radicais, que defendem cresci- mento zero, \u00e0s mais moderadas, como a de que \u201cmenos \u00e9 mais\u201d, todas t\u00eam em comum o fato de que precisamos de mudan\u00e7as profundas e estruturais para sermos sustent\u00e1veis. \u201cO problema que enfrentamos \u00e9 cultural, n\u00e3o t\u00e9cnico. N\u00f3s temos toda a\u00a0tecnologia\u00a0de que precisamos para viver lindamente, j\u00e1 sabemos o que fazer\u201d, conclui Trainer, que atualmente \u00e9 ativista ambiental e defensor do decrescimento econ\u00f4mico.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

Solu\u00e7\u00f5es globais e locais<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Se a necessidade de mudan\u00e7a \u00e9 ineg\u00e1vel e urgente, ainda n\u00e3o h\u00e1 consenso sobre o que fazer e como exatamente promov\u00ea-la. \u201cN\u00e3o consigo visualizar um modelo dentro desses que vemos nos\u00a0livros de hist\u00f3ria, porque nenhum deles coloca os tr\u00eas componentes [economia, meio ambiente e sociedade] no mesmo patamar\u201d, opina Jackson Magalh\u00e3es. \u201cJ\u00e1 vi pessoas com discurso de que pensar no meio ambiente \u00e9 algo elitista e que se deve pensar no social, quando na verdade os dois est\u00e3o interligados. Quando cuidamos do ambiente, a tend\u00eancia \u00e9 melhorar tamb\u00e9m o social, e vice-versa.\u201d<\/p>\n\n\n\n

O secret\u00e1rio-executivo do Observat\u00f3rio do Clima destaca que n\u00e3o temos mais tempo para desenvolver outros sistemas econ\u00f4micos que possam solucionar o problema. \u201cN\u00e3o existe d\u00favida de que o capitalismo, o sistema de concentra\u00e7\u00e3o de renda e capitais, \u00e9 um grande incentivador desse modelo que polui o planeta. Foi o capitalismo que nos trouxe at\u00e9 aqui, mas \u00e9 com ele ou sem ele que vamos ter que sair dessa crise. Ou o capitalismo vai encontrar uma solu\u00e7\u00e3o, ou o clima vai encontrar a solu\u00e7\u00e3o para acabar com ele\u201d, resume Astrini.<\/p>\n\n\n\n

\"\"<\/a>
Discutir o modelo de produ\u00e7\u00e3o e consumo atual no planeta \u00e9 urgente (Foto: Ilustra\u00e7\u00e3o: Luli Tolentino)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Para o especialista, a responsabilidade maior \u00e9 do Estado. \u201cOs maiores culpados s\u00e3o os governos e \u00e9 neles que est\u00e1 o passo fundamental para mudan\u00e7as\u201d, diz. Isso porque cabe a eles a tomada de decis\u00e3o e a implementa\u00e7\u00e3o de regras que de fato tenham impacto na cadeia produtiva. Um exemplo \u00e9 o atual debate na Uni\u00e3o Europeia sobre a importa\u00e7\u00e3o de\u00a0commodities<\/em>: o bloco de\u00a0pa\u00edses pretende barrar produtos que tenham causado\u00a0desmatamento. \u201cIsso n\u00e3o \u00e9 uma iniciativa do mercado, \u00e9 governamental, o mercado vai ter que se adaptar se quiser continuar vendendo. Acho que os mercados deveriam tomar suas responsabilidades, mas se n\u00e3o tomam, existem mecanismos que os obrigam a isso\u201d, conclui o executivo do OC.\u00a0<\/p>\n\n\n\n

A outra frente estaria no n\u00edvel local. \u201cPrecisamos de projetos que operem nas bordas do capitalismo e que consigam erodir as dimens\u00f5es do sistema que sejam ruins\u201d, explica o soci\u00f3logo Movahed, que relembra as ideias propostas pelo soci\u00f3logo Erik Olin Wright, que foi seu orientador antes de falecer, em 2019, no projeto Envisioning Real Utopias (\u201cCriando Utopias Reais\u201d, em tradu\u00e7\u00e3o livre). Wright destacava iniciativas que j\u00e1 existem e foram testadas em diferentes lugares, entre elas a do or\u00e7amento participativo de Porto Alegre, e que t\u00eam grande potencial de transforma\u00e7\u00e3o social e ambiental.<\/p>\n\n\n\n

O professor em\u00e9rito da Universidade de Missouri concorda, e aponta tamb\u00e9m a import\u00e2ncia de olhar para as experi\u00eancias alternativas que j\u00e1 existem \u2014 a cultura de\u00a0povos ind\u00edgenas, por exemplo, traz ensinamentos valiosos sobre como se relacionar com a natureza. \u201cN\u00f3s n\u00e3o podemos mudar os governos globais, mas podemos mudar as comunidades. E a partir disso podemos ir de comunidade em comunidade, at\u00e9 termos mudan\u00e7as fundamentais nas nossas prioridades\u201d, defende John Ikerd. \u201cN\u00e3o me importo com o que voc\u00ea vai chamar, mas vamos precisar de uma combina\u00e7\u00e3o que equilibre a busca de interesses individuais com os limites sociais, e seja consistente com as leis b\u00e1sicas da natureza.\u201d<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Galileu<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O termo sustentabilidade apareceu pela primeira vez na literatura cient\u00edfica em 1713, em um livro sobre\u00a0ci\u00eancia\u00a0florestal assinado por um contador alem\u00e3o. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":3,"featured_media":177915,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[4],"tags":[96,1236,603],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/177914"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/3"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=177914"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/177914\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":177918,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/177914\/revisions\/177918"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media\/177915"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=177914"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=177914"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=177914"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}