{"id":178878,"date":"2022-08-02T18:43:56","date_gmt":"2022-08-02T21:43:56","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=178878"},"modified":"2022-08-02T18:43:59","modified_gmt":"2022-08-02T21:43:59","slug":"a-operacao-secreta-para-negar-as-mudancas-climaticas-e-como-ela-afeta-o-mundo-ate-hoje","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/08\/02\/178878-a-operacao-secreta-para-negar-as-mudancas-climaticas-e-como-ela-afeta-o-mundo-ate-hoje.html","title":{"rendered":"A opera\u00e7\u00e3o secreta para negar as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas \u2013 e como ela afeta o mundo at\u00e9 hoje"},"content":{"rendered":"\n
\"\"<\/a>
Ondas de fuma\u00e7a e vapor da Central El\u00e9trica de Belchatow, a maior usina termoel\u00e9trica a carv\u00e3o da Europa, perto de Belchatow, na Pol\u00f4nia, em 8 de novembro de 2018. \u2014 Foto: Kacper Pempel\/Reuters<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Trinta anos atr\u00e1s, um plano audacioso foi elaborado para espalhar d\u00favidas e convencer a popula\u00e7\u00e3o de que as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas n\u00e3o eram um problema. Uma reuni\u00e3o pouco conhecida \u2014 entre os respons\u00e1veis por algumas das maiores ind\u00fastrias dos\u00a0Estados Unidos\u00a0e um g\u00eanio das rela\u00e7\u00f5es p\u00fablicas \u2014 estabeleceu uma estrat\u00e9gia que durou anos, com sucesso devastador. Suas consequ\u00eancias perduram at\u00e9 hoje.<\/p>\n\n\n\n

Em uma manh\u00e3 de outono de 1992, E. Bruce Harrison \u2014 amplamente reconhecido como o pai das rela\u00e7\u00f5es p\u00fablicas ambientais \u2014 fez uma apresenta\u00e7\u00e3o como s\u00f3 ele conseguiria fazer diante de uma sala repleta de l\u00edderes industriais americanos.<\/p>\n\n\n\n

Estava em jogo um contrato de meio milh\u00e3o de d\u00f3lares por ano \u2014 cerca de R$ 5,5 milh\u00f5es hoje.<\/p>\n\n\n\n

O cliente em potencial era a Coaliz\u00e3o Global do Clima (GCC, na sigla em ingl\u00eas), que representava as ind\u00fastrias do petr\u00f3leo, carv\u00e3o, autom\u00f3veis, servi\u00e7os, a\u00e7o e ferrovias. A GCC procurava um parceiro de comunica\u00e7\u00e3o que mudasse a narrativa sobre as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas.<\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

Dois membros da equipe de Harrison presentes naquele dia \u2014 Don Rheem e Terry Yosie \u2014 contam agora suas hist\u00f3rias pela primeira vez.<\/p>\n\n\n\n

“Todos queriam a conta da Coaliz\u00e3o Global do Clima”, afirma Rheem.<\/p>\n\n\n\n

“E l\u00e1 estava eu, em meio \u00e0s discuss\u00f5es”.<\/p>\n\n\n\n

A GCC havia sido formada apenas tr\u00eas anos antes, como um f\u00f3rum para que seus membros trocassem informa\u00e7\u00f5es e fizessem lobby junto aos legisladores contra as a\u00e7\u00f5es que pretendiam limitar as emiss\u00f5es de combust\u00edveis f\u00f3sseis.<\/p>\n\n\n\n

Na \u00e9poca, os cientistas avan\u00e7avam rapidamente para compreender as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas, e sua import\u00e2ncia como quest\u00e3o pol\u00edtica era crescente. Mas a Coaliz\u00e3o via poucos motivos para se preocupar nos primeiros anos.<\/p>\n\n\n\n

O ent\u00e3o presidente americano George H. W. Bush vinha da ind\u00fastria do petr\u00f3leo e, como um importante lobista declarou \u00e0 BBC em 1990, sua mensagem sobre o clima era a mensagem da GCC.<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o haveria redu\u00e7\u00e3o obrigat\u00f3ria do consumo de combust\u00edveis f\u00f3sseis.<\/p>\n\n\n\n

Mas, em 1992, tudo mudou. Em junho, a Confer\u00eancia das Na\u00e7\u00f5es Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92, como ficou conhecida) criou uma estrutura para a tomada de a\u00e7\u00f5es sobre o clima. E, em novembro, a elei\u00e7\u00e3o presidencial americana levou o ambientalista Al Gore para a Casa Branca, como vice-presidente. Estava claro que o novo governo tentaria regulamentar os combust\u00edveis f\u00f3sseis.<\/p>\n\n\n\n

A Coaliz\u00e3o reconheceu que precisava da ajuda de uma estrat\u00e9gia de comunica\u00e7\u00e3o e anunciou que pretendia contratar um profissional de rela\u00e7\u00f5es p\u00fablicas (\u00e1rea conhecida como RP).<\/p>\n\n\n\n

Poucas pessoas fora do setor de RP talvez tivessem ouvido falar de E. Bruce Harrison ou da companhia que levava seu nome desde 1973. Mas ele tinha um vasto curr\u00edculo de campanhas para alguns dos maiores poluidores dos\u00a0Estados Unidos.<\/p>\n\n\n\n

Havia trabalhado para a ind\u00fastria qu\u00edmica, desacreditando as pesquisas sobre a toxicidade de pesticidas; para a ind\u00fastria do tabaco; e havia dirigido, recentemente, uma campanha contra normas de emiss\u00f5es mais restritas para os grandes fabricantes de autom\u00f3veis. A empresa estabelecida por Harrison era considerada uma das melhores do setor.<\/p>\n\n\n\n

Harrison morreu em 2021, mas a historiadora de m\u00eddia Melissa Aronczyk conseguiu entrevist\u00e1-lo em vida. Ela afirma que ele era um eixo estrat\u00e9gico para seus clientes, garantindo que todos estivessem conectados.<\/p>\n\n\n\n

“Ele era um mestre no que fazia”, diz ela.<\/p>\n\n\n\n

Antes da sua apresenta\u00e7\u00e3o em 1992, Harrison havia reunido uma equipe de profissionais de RP experientes e outros quase totalmente novatos.<\/p>\n\n\n\n

Entre eles estava Don Rheem, que n\u00e3o tinha credenciais na ind\u00fastria. Ele havia estudado ecologia antes de se tornar jornalista ambiental.<\/p>\n\n\n\n

Um encontro casual com Harrison \u2014 que deve ter observado o valor estrat\u00e9gico de agregar as conex\u00f5es ambientais e jornal\u00edsticas de Rheem \u00e0 sua equipe \u2014 levou \u00e0 proposta de trabalho para o projeto da GCC.<\/p>\n\n\n\n

“Eu pensei: ‘Uau, esta \u00e9 uma oportunidade de ter um papel importante naquilo que provavelmente \u00e9 uma das quest\u00f5es mais importantes de pol\u00edtica cient\u00edfica e de pol\u00edticas p\u00fablicas que estamos enfrentando’. Me senti muito importante”, relembra Rheem.<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 Terry Yosie havia sido contratado recentemente \u2014 ele vinha do American Petroleum Institute e acabou virando vice-presidente s\u00eanior da empresa de Harrison.<\/p>\n\n\n\n

Yosie lembra que Harrison come\u00e7ou a apresenta\u00e7\u00e3o destacando aos presentes que ele foi fundamental no combate \u00e0s reformas dos autom\u00f3veis \u2014 o que ele havia conseguido, em parte, reformulando a quest\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

A mesma t\u00e1tica agora ajudaria a combater as regulamenta\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas.<\/p>\n\n\n\n

Eles iriam convencer as pessoas de que os fatos cient\u00edficos n\u00e3o estavam definidos e que, al\u00e9m do meio ambiente, os legisladores precisavam levar em conta como as a\u00e7\u00f5es sobre as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas \u2014 na vis\u00e3o da GCC \u2014 prejudicariam os empregos, o com\u00e9rcio e os pre\u00e7os nos\u00a0Estados Unidos.<\/p>\n\n\n\n

A estrat\u00e9gia seria implementada com uma extensa campanha na imprensa, que inclu\u00eda desde emplacar declara\u00e7\u00f5es e pautar artigos de opini\u00e3o a at\u00e9 mesmo fazer contato direto com jornalistas.<\/p>\n\n\n\n

“Muitos jornalistas receberam a miss\u00e3o de escrever reportagens”, afirma Rheem.<\/p>\n\n\n\n

“E eles tinham dificuldade com a complexidade da quest\u00e3o. Por isso, eu escrevia informa\u00e7\u00f5es b\u00e1sicas para que pudessem ler e acelerar o processo.”<\/p>\n\n\n\n

A incerteza era a base de todo o leque de publica\u00e7\u00f5es da GCC \u2014 uma s\u00e9rie criativa de cartas, panfletos chamativos e boletins mensais.<\/p>\n\n\n\n

Rheem e sua equipe eram prol\u00edficos \u2014 em quest\u00e3o de um ano, a empresa de Harrison afirmou ter conseguido a publica\u00e7\u00e3o de mais de 500 men\u00e7\u00f5es espec\u00edficas na imprensa.<\/p>\n\n\n\n

Em agosto de 1993, Harrison fez um resumo dos seus avan\u00e7os em outra reuni\u00e3o com a GCC.<\/p>\n\n\n\n

“O aumento da consci\u00eancia sobre as incertezas cient\u00edficas fez com que alguns congressistas suspendessem a defesa de novas iniciativas”, dizia um relat\u00f3rio estrat\u00e9gico interno atualizado, fornecido \u00e0 BBC por Terry Yosie.<\/p>\n\n\n\n

“Os ativistas que soavam o alarme sobre o ‘aquecimento global’ reconheceram publicamente que perderam terreno na arena de comunica\u00e7\u00e3o no \u00faltimo ano.”<\/p>\n\n\n\n

Agora, Harrison aconselhava que eles precisavam ampliar as vozes externas que defendiam sua posi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

“Cientistas, economistas, acad\u00eamicos e outros especialistas importantes d\u00e3o mais credibilidade junto \u00e0 imprensa e ao p\u00fablico em geral que os representantes da ind\u00fastria.”<\/p>\n\n\n\n

Embora a maioria dos cientistas do clima concordasse que as mudan\u00e7as clim\u00e1ticas causadas pelos seres humanos fossem uma quest\u00e3o real que exigia medidas de combate, um pequeno grupo argumentava que n\u00e3o havia raz\u00e3o para se preocupar.<\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

O plano era pagar a estes c\u00e9ticos para que dessem palestras ou escrevessem artigos de opini\u00e3o \u2014 cerca de US$ 1,5 mil (R$ 8 mil) por texto \u2014, e organizar visitas para que pudessem aparecer em emissoras locais de r\u00e1dio e televis\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

“O meu papel era identificar vozes que n\u00e3o fossem convencionais e fornecer a elas um palanque”, conta Rheem.<\/p>\n\n\n\n

“Havia muita coisa que n\u00e3o sab\u00edamos na \u00e9poca. E parte da minha fun\u00e7\u00e3o era destacar o que n\u00e3o sab\u00edamos.”<\/p>\n\n\n\n

Ele conta que a imprensa estava ansiosa por esses pontos de vista.<\/p>\n\n\n\n

“Na verdade, os jornalistas estavam procurando ativamente os opositores. Est\u00e1vamos realmente saciando um apetite que j\u00e1 existia.”<\/p>\n\n\n\n

Muitos destes c\u00e9ticos ou negacionistas rejeitaram a ideia de que o dinheiro da GCC e de outros grupos da ind\u00fastria tivesse qualquer influ\u00eancia sobre as suas opini\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Mas os cientistas e ambientalistas que se dedicaram a desmenti-los \u2014 argumentando sobre a realidade das mudan\u00e7as clim\u00e1ticas \u2014 enfrentaram uma campanha eficaz e bem organizada, dif\u00edcil de combater.<\/p>\n\n\n\n

“A Coaliz\u00e3o Global do Clima est\u00e1 semeando d\u00favidas por toda parte, dificultando a vis\u00e3o… e os ambientalistas realmente n\u00e3o sabem o que os est\u00e1 atingindo”, relembra o ativista ambiental John Passacantando.<\/p>\n\n\n\n

“O que os g\u00eanios das firmas de rela\u00e7\u00f5es p\u00fablicas que trabalham para estas grandes companhias de combust\u00edveis f\u00f3sseis sabem \u00e9 que n\u00e3o \u00e9 a verdade que determina quem ganha a discuss\u00e3o. Se voc\u00ea disser algo repetidas vezes, as pessoas come\u00e7ar\u00e3o a acreditar”, afirma.<\/p>\n\n\n\n

‘Ecocat\u00e1strofe’<\/h2>\n\n\n\n

Em um documento produzido por volta de 1995 e fornecido por Melissa Aronczyk para a BBC, Harrison escreveu que “a GCC mudou com sucesso o rumo da cobertura da imprensa sobre a ci\u00eancia das mudan\u00e7as clim\u00e1ticas globais, combatendo eficientemente a mensagem da ecocat\u00e1strofe e defendendo a falta de consenso cient\u00edfico sobre o aquecimento global”.<\/p>\n\n\n\n

Estavam formadas as bases para a maior campanha da hist\u00f3ria da ind\u00fastria at\u00e9 hoje: a oposi\u00e7\u00e3o aos esfor\u00e7os internacionais para negociar redu\u00e7\u00f5es de emiss\u00f5es em Kyoto, no Jap\u00e3o, em dezembro de 1997.<\/p>\n\n\n\n

Na \u00e9poca, era consenso entre os cientistas que o aquecimento causado pelos seres humanos j\u00e1 era percept\u00edvel. Mas a popula\u00e7\u00e3o americana ainda mostrava sinais de d\u00favidas. Em uma pesquisa do instituto Gallup, 44% dos participantes acreditavam que os cientistas estavam divididos.<\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

A antipatia do p\u00fablico tornou mais dif\u00edcil para os pol\u00edticos lutar por medidas, e os\u00a0Estados Unidos\u00a0nunca implementaram o acordo firmado em Kyoto. Foi uma vit\u00f3ria importante para a coaliz\u00e3o da ind\u00fastria.<\/p>\n\n\n\n

“Acho que E. Bruce Harrison estava orgulhoso do trabalho que fez. Ele sabia o qu\u00e3o fundamental tinha sido para mudar como as empresas intervieram no di\u00e1logo sobre o aquecimento global”, diz Aronczyk.<\/p>\n\n\n\n

Depois de Kyoto<\/h2>\n\n\n\n

No mesmo ano das negocia\u00e7\u00f5es de Kyoto, Harrison vendeu sua empresa. Rheem decidiu que RP n\u00e3o era a carreira que gostaria de seguir, e Yosie havia sido transferido h\u00e1 tempos para outros projetos ambientais da empresa.<\/p>\n\n\n\n

Ao mesmo tempo, a GCC come\u00e7ou a se desintegrar, enquanto crescia o desconforto de alguns membros com sua linha dura.<\/p>\n\n\n\n

Mas a t\u00e1tica, a cartilha e a mensagem de d\u00favida estavam incorporadas \u2014 e sobreviveriam al\u00e9m dos seus criadores. Tr\u00eas d\u00e9cadas depois, as consequ\u00eancias est\u00e3o \u00e0 nossa volta.<\/p>\n\n\n\n

“Acho que \u00e9 o equivalente moral de um crime de guerra”, afirma o ex-vice-presidente americano Al Gore, sobre os esfor\u00e7os das grandes companhias petrol\u00edferas para impedir as a\u00e7\u00f5es sobre o clima.<\/p>\n\n\n\n

“Acho que, de muitas formas, \u00e9 o crime mais s\u00e9rio cometido ap\u00f3s a Segunda Guerra Mundial, em qualquer parte do mundo. As consequ\u00eancias do que eles fizeram s\u00e3o praticamente inimagin\u00e1veis.”<\/p><\/blockquote>\n\n\n\n

“Se eu teria feito algo de diferente? \u00c9 uma quest\u00e3o dif\u00edcil de responder”, reflete Don Rheem. Ele afirma que estava “bem abaixo da lideran\u00e7a” na opera\u00e7\u00e3o da GCC.<\/p>\n\n\n\n

“Existe uma certa tristeza porque muita coisa n\u00e3o aconteceu.”<\/p>\n\n\n\n

Rheem sustenta que a ci\u00eancia clim\u00e1tica tinha muitas incertezas nos anos 1990 para garantir “a\u00e7\u00f5es dr\u00e1sticas”, e que os pa\u00edses em desenvolvimento \u2014 sobretudo a China e a R\u00fassia \u2014 foram em \u00faltima inst\u00e2ncia os respons\u00e1veis por d\u00e9cadas de falta de a\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas, e n\u00e3o a ind\u00fastria americana.<\/p>\n\n\n\n

“Acho que \u00e9 muito f\u00e1cil criar uma teoria da conspira\u00e7\u00e3o sobre as inten\u00e7\u00f5es perniciosas da ind\u00fastria para interromper completamente qualquer avan\u00e7o”, afirma Rheem.<\/p>\n\n\n\n

“Pessoalmente, eu n\u00e3o vi dessa forma.”<\/p>\n\n\n\n

“Eu era muito jovem, muito curioso… Sabendo o que sei hoje, teria feito algumas coisas diferentes naquela \u00e9poca?”, questiona.<\/p>\n\n\n\n

“Talvez sim, provavelmente.”<\/p>\n\n\n\n

Fonte: G1<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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