{"id":179213,"date":"2022-08-23T20:34:47","date_gmt":"2022-08-23T23:34:47","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=179213"},"modified":"2022-08-23T20:34:55","modified_gmt":"2022-08-23T23:34:55","slug":"livro-aborda-a-densa-ocupacao-humana-na-amazonia-central-ha-10-mil-anos","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/08\/23\/179213-livro-aborda-a-densa-ocupacao-humana-na-amazonia-central-ha-10-mil-anos.html","title":{"rendered":"Livro aborda a densa ocupa\u00e7\u00e3o humana na Amaz\u00f4nia Central h\u00e1 10 mil anos"},"content":{"rendered":"\n
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Geoglifos, como estes no Acre, atestam a forte presen\u00e7a humana no passado da Amaz\u00f4nia (Foto: Maur\u00edcio de Paiva\/Pesquisa FAPESP)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

A\u00a0arqueologia brasileira\u00a0realizou, nas \u00faltimas d\u00e9cadas, uma \u201cpequena revolu\u00e7\u00e3o\u201d. A express\u00e3o \u00e9 do arque\u00f3logo Eduardo G\u00f3es Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de S\u00e3o Paulo (MAE-USP). E a revolu\u00e7\u00e3o a que ele refere se deu exatamente em seu campo de estudo: a\u00a0Amaz\u00f4nia. Desmentindo a fal\u00e1cia transformada em slogan pela\u00a0ditadura militar, de que a Amaz\u00f4nia seria uma terra sem gente para uma gente sem terra, sua linha de pesquisa revelou que a regi\u00e3o j\u00e1 foi densamente povoada, por 8 a 10 milh\u00f5es de pessoas, e que esse povoamento remonta h\u00e1, no m\u00ednimo, 8 mil anos, talvez bem mais do que isso.<\/p>\n\n\n\n

Frutos de uma pesquisa de mais de 15 anos, sempre conduzida com aux\u00edlios da FAPESP, as conclus\u00f5es de Neves foram apresentadas agora em um livro acess\u00edvel aos leitores n\u00e3o familiarizados com a linguagem t\u00e9cnica da arqueologia: Sob os tempos do equin\u00f3cio: oito mil anos de hist\u00f3ria na Amaz\u00f4nia Central<\/em> (Editora Ubu). O livro foi publicado com apoio da FAPESP.<\/p>\n\n\n\n

\u201cAo contr\u00e1rio do que diz a cronologia oficial, que remonta o in\u00edcio da hist\u00f3ria do Brasil \u00e0 chegada dos\u00a0colonizadores europeus, em 1500, o territ\u00f3rio que comp\u00f5e atualmente o pa\u00eds tem uma hist\u00f3ria muito antiga, de aproximadamente 12 mil anos. A arqueologia descobriu que, nesse longo per\u00edodo, a Amaz\u00f4nia sempre foi uma\u00a0regi\u00e3o densamente povoada. Fragmentos de artefatos encontrados sob florestas supostamente virgens, geoglifos e a chamada terra preta s\u00e3o sinais importantes dessa encorpada presen\u00e7a humana na regi\u00e3o\u201d, relata Neves \u00e0 Ag\u00eancia FAPESP.<\/p>\n\n\n\n

Os fragmentos de artefatos incluem pe\u00e7as de cer\u00e2mica bastante sofisticadas, que nada ficam a dever a outros produtos das\u00a0culturas pr\u00e9-colombianas. Os geoglifos, que s\u00e3o estruturas geom\u00e9tricas feitas no ch\u00e3o pela disposi\u00e7\u00e3o organizada de sedimentos ou pela retirada de sedimentos superficiais, de modo a expor o terreno subjacente, foram identificados \u00e0s centenas no Amazonas, Rond\u00f4nia, Acre e Bol\u00edvia. E a terra preta, formada pela atividade humana nas \u00e1reas de seus antigos assentamentos, comp\u00f5e hoje os\u00a0terrenos mais f\u00e9rteis da Amaz\u00f4nia, cujo solo original \u00e9 naturalmente pobre.<\/p>\n\n\n\n

\u201cNa Amaz\u00f4nia n\u00e3o existe abund\u00e2ncia de pedras como em outras regi\u00f5es da\u00a0Am\u00e9rica do Sul. Ent\u00e3o, \u00e9 muito dif\u00edcil encontrar estruturas arqueol\u00f3gicas de pedra. Mas esses outros ind\u00edcios que mencionei nos permitem ter ideia de como foi o povoamento no passado, antes que a popula\u00e7\u00e3o original fosse destru\u00edda aos milh\u00f5es pelas doen\u00e7as trazidas por europeus, pelas tentativas de\u00a0escraviza\u00e7\u00e3o\u00a0ou pela matan\u00e7a pura e simples\u201d, argumenta Neves.<\/p>\n\n\n\n

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Sob os tempos do equin\u00f3cio: oito mil anos de hist\u00f3ria na Amaz\u00f4nia Central (Foto: Divulga\u00e7\u00e3o)<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

A\u00e7\u00e3o humana<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Outro ind\u00edcio important\u00edssimo da presen\u00e7a humana \u00e9 dado pela pr\u00f3pria composi\u00e7\u00e3o vegetal das\u00a0matas amaz\u00f4nicas. Existem cerca de 16 mil esp\u00e9cies de \u00e1rvores conhecidas nesse bioma. Desse conjunto, apenas 227 esp\u00e9cies, ou seja 1,4%, correspondem a quase a metade de todas as \u00e1rvores existentes na regi\u00e3o. Essa hiperdomin\u00e2ncia observada hoje foi, em grande parte, fruto do manejo humano no passado. \u201cA ideia, ainda muito difundida, de uma\u00a0forma\u00e7\u00e3o florestal virgem, intocada, n\u00e3o corresponde \u00e0 realidade. As florestas amaz\u00f4nicas s\u00e3o produtos da a\u00e7\u00e3o humana. O manejo criou a composi\u00e7\u00e3o de \u00e1rvores que existe hoje\u201d, afirma Neves.<\/p>\n\n\n\n

As \u00e1rvores que se tornaram hiperdominantes devido ao manejo incluem esp\u00e9cies muito importantes do ponto vista econ\u00f4mico e social, como o a\u00e7a\u00ed, o cacau, a castanha, a seringa e o cupua\u00e7u.<\/p>\n\n\n\n

A compreens\u00e3o do papel desempenhado pelo manejo florestal n\u00e3o revolucionou apenas o entendimento da Amaz\u00f4nia: colocou em quest\u00e3o tamb\u00e9m o emprego r\u00edgido de categorias historiogr\u00e1ficas, como paleol\u00edtico, mesol\u00edtico e neol\u00edtico. \u201cAntes se dizia que as\u00a0popula\u00e7\u00f5es ind\u00edgenas da Amaz\u00f4nia\u00a0n\u00e3o haviam completado sua transi\u00e7\u00e3o para o neol\u00edtico, devido \u00e0 depend\u00eancia que ainda mantinham em rela\u00e7\u00e3o a esp\u00e9cies n\u00e3o domesticadas, como o a\u00e7a\u00ed e a castanha. Mas hoje compreendemos que essas plantas n\u00e3o foram domesticadas porque n\u00e3o havia necessidade. A mandioca e o\u00a0cacau\u00a0foram domesticados. Mas o a\u00e7a\u00ed e a castanha estavam logo ali, na mata, e n\u00e3o era preciso domesticar, bastava manejar para obter abund\u00e2ncia\u201d, sublinha Neves.<\/p>\n\n\n\n

Por isso, o pesquisador afirma que arqueologia n\u00e3o \u00e9 apenas sobre o passado, mas tamb\u00e9m sobre o futuro. O entendimento do que j\u00e1 foi lan\u00e7a luzes sobre o que ainda pode ser. \u201cH\u00e1 diferentes formas de viver e prosperar na\u00a0Amaz\u00f4nia. O modelo atualmente dominante, que derruba \u00e1rvores,\u00a0queima a mata, esburaca a terra, contamina os rios e transforma a paisagem exuberante em uma terra desolada, n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico poss\u00edvel. \u00c9 poss\u00edvel viver na e da floresta sem destru\u00ed-la. E as popula\u00e7\u00f5es que vivem desse jeito,\u00a0ind\u00edgenas, ribeirinhos,\u00a0quilombolas, s\u00e3o os grandes guardi\u00e3es n\u00e3o apenas da floresta viva, mas tamb\u00e9m dos tesouros arqueol\u00f3gicos que ela esconde\u201d, enfatiza.<\/p>\n\n\n\n

Neves acredita que esta \u00e9 uma das grandes li\u00e7\u00f5es que podemos aprender com o estudo do povoamento original. Discordando da contagem oficial, que fala em 6 milh\u00f5es de ind\u00edgenas em todo o territ\u00f3rio brasileiro por ocasi\u00e3o da chegada dos colonizadores portugueses, ele afirma que apenas a regi\u00e3o amaz\u00f4nica teria abrigado de 8 a 10 milh\u00f5es de pessoas. \u201cA estimativa de 6 milh\u00f5es est\u00e1 claramente subestimada. E essa subestima\u00e7\u00e3o faz parte de uma tentativa de\u00a0apagamento da presen\u00e7a ind\u00edgena. Os estudos recentes indicam uma popula\u00e7\u00e3o muito maior. \u00c9 claro que podem ter ocorrido avan\u00e7os e recuos populacionais. Nossos registros mais antigos chegam a 8 mil anos. E encontramos hiatos nesse longo per\u00edodo. Mas temos evid\u00eancias de uma ocupa\u00e7\u00e3o cont\u00ednua nos \u00faltimos 2.500 anos\u201d, diz.<\/p>\n\n\n\n

Segundo o pesquisador, \u00e9 complicado pensar na exist\u00eancia de grandes cidades amaz\u00f4nicas, nos moldes das cidades antigas do\u00a0Oriente M\u00e9dio\u00a0ou da\u00a0Am\u00e9rica Central. Ele classifica os povoamentos mais populosos com a denomina\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica de \u201curbes tropicais de baixa densidade\u201d. Mas informa que estas abrigariam alguns milhares de indiv\u00edduos e seriam conectadas por uma rede de estradas cujos vest\u00edgios t\u00eam sido descobertos. \u201cQuando Santar\u00e9m foi fundada, em 1661, havia nela 6 mil ind\u00edgenas. Essa popula\u00e7\u00e3o era quatro vezes maior que a do Rio de Janeiro na \u00e9poca\u201d, conta.<\/p>\n\n\n\n

O enorme recuo populacional causado pela coloniza\u00e7\u00e3o s\u00f3 foi revertido nas \u00faltimas d\u00e9cadas, pela chegada de contingentes populacionais provenientes do Nordeste e do Sul e por um processo de urbaniza\u00e7\u00e3o acelerado, ca\u00f3tico e altamente impactante para o meio ambiente.<\/p>\n\n\n\n

Mas, sob a epiderme dessas rupturas e traumas sociais, Neves percebe um fio de continuidade. \u201cA arqueologia est\u00e1 muito perto da vida das pessoas\u201d, diz. \u201cQuem anda pelo interior da Amaz\u00f4nia e visita as comunidades ind\u00edgenas, os locais de moradia de caboclos, percebe que \u00e9 muito comum que as pessoas vivam sobre os\u00a0s\u00edtios arqueol\u00f3gicos. Isso n\u00e3o \u00e9 \u00e0 toa. Geralmente s\u00e3o esses os terrenos de solos mais f\u00e9rteis, onde est\u00e3o as castanheiras, os a\u00e7aizeiros e outras plantas disseminadas pela atividade humana no passado.\u201d<\/p>\n\n\n\n

A pesquisa de Neves foi apoiada pela FAPESP por meio de cinco projetos (19\/07794-9, 05\/60603-4, 17\/11817-9, 99\/02150-0 e 02\/02953-0). E a FAPESP forneceu tamb\u00e9m outros apoios \u2013 entre eles, dezenas de bolsas de inicia\u00e7\u00e3o cient\u00edfica, mestrado, doutorado, p\u00f3s-doutorado e est\u00e1gio de pesquisa no exterior concedidas aos orientandos de Neves.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Galileu<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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