{"id":179232,"date":"2022-08-25T21:35:36","date_gmt":"2022-08-26T00:35:36","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=179232"},"modified":"2022-08-25T21:35:39","modified_gmt":"2022-08-26T00:35:39","slug":"a-floresta-produz-mais-riqueza-do-que-o-gado","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/08\/25\/179232-a-floresta-produz-mais-riqueza-do-que-o-gado.html","title":{"rendered":"“A floresta produz mais riqueza do que o gado”"},"content":{"rendered":"\n
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No Par\u00e1, moradores de uma reserva extrativista mostram como \u00e9 poss\u00edvel lucrar com a floresta sem derrub\u00e1-la. Mulheres s\u00e3o as principais defensoras dessa tradi\u00e7\u00e3o e alvos frequentes de amea\u00e7as.<\/p>\n\n\n\n

Em uma pequena vala no meio do pasto, Claudia dos Santos para o carro. Na beira do caminho, h\u00e1 uma grande cruz de madeira e, ao lado, os restos de uma placa de pedra destru\u00edda. “Eles atiraram nela”, conta Santos. “O nome do meu tio e da minha tia estavam gravados na pedra. At\u00e9 hoje somos amea\u00e7ados porque protegemos a floresta.”<\/p>\n\n\n\n

A jovem de 20 anos \u00e9 sobrinha de Jos\u00e9 Cl\u00e1udio Ribeiro, que junto com sua mulher, Maria do Esp\u00edrito Santo, foi alvejado por dois pistoleiros neste local. O casal liderava uma comunidade extrativista no sudeste do Par\u00e1. Os extrativistas coletam e processam frutos da Amaz\u00f4nia, s\u00e3o os agricultores da floresta. Mas o Par\u00e1 vem sendo desmatado a um ritmo raramente visto em outros lugares do Brasil. Jos\u00e9 Cl\u00e1udio e Maria resistiam \u00e0 destrui\u00e7\u00e3o e denunciavam madeireiros e pecuaristas ilegais. At\u00e9 esse contra-ataque brutal.<\/p>\n\n\n\n

Um dos pistoleiros foi condenado, assim como dois dos mandantes. Por\u00e9m, o assassino conseguiu fugir da pris\u00e3o, e um dos mandantes \u2013 um pecuarista que estava de olho em terras da reserva \u2013 escapou da pol\u00edcia. “Vivemos com medo”, afirma Claudia dos Santos.<\/p>\n\n\n\n

O Par\u00e1 abriga a segunda maior por\u00e7\u00e3o da Amaz\u00f4nia brasileira. Mas madeireiros, pecuaristas, sojeiros e garimpeiros ilegais avan\u00e7am h\u00e1 anos sobre a floresta, invadindo \u00e1reas protegidas, reservas ind\u00edgenas e territ\u00f3rios de extrativistas. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, em 2019, eles ficaram mais agressivos. O n\u00famero de conflitos por terras no Par\u00e1 \u00e9 extremamente alto \u2013 ambientalistas, ind\u00edgenas e comunidades tradicionais vivem perigosamente.<\/p>\n\n\n\n

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Jos\u00e9 Cl\u00e1udio Ribeiro e Maria do Esp\u00edrito lideravam uma comunidade extrativista e foram mortos por pistoleiros<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Guerra cultural<\/h2>\n\n\n\n

O termo extrativismo descreve a coleta de frutos que a natureza oferece. A pr\u00e1tica \u00e9 uma resposta importante para a pergunta sobre como \u00e9 poss\u00edvel viver na regi\u00e3o da Floresta Amaz\u00f4nica sem destruir o meio ambiente. “Meu tio e minha tia provaram que o extrativismo funciona”, afirma Santos. “Por isso, eles precisaram morrer. Eles mostraram que uma floresta intacta produz mais riqueza do que o gado.”<\/p>\n\n\n\n

A jovem cresceu numa fam\u00edlia de quatro integrantes na comunidade Praia Alta-Piranheira, famosa por suas castanhas-do-par\u00e1 e que, em 1997, foi declarada reserva agroextrativista pelo Estado. Jos\u00e9 Cl\u00e1udio Ribeiro e sua esposa desempenharam um importante papel para que isso ocorresse. Contudo, a demarca\u00e7\u00e3o n\u00e3o impediu madeireiros e pecuaristas de continuar invadindo os 22 mil hectares de \u00e1rea protegida. O Estado est\u00e1 em grande parte ausente na Amaz\u00f4nia e, em v\u00e1rias regi\u00f5es, o que vale \u00e9 a lei do mais forte.<\/p>\n\n\n\n

H\u00e1 tamb\u00e9m uma guerra cultural no Par\u00e1. Em muitas partes do Brasil, a natureza ainda \u00e9 considerada algo atrasado e importuno, que deve ser domado e de prefer\u00eancia\u00a0eliminado para abrir espa\u00e7o para o desenvolvimento econ\u00f4mico. Bolsonaro encarna esse ponto de vista por excel\u00eancia, ele fala de “\u00e1rvores de merda” e defende garimpeiros e madeireiros ilegais. Para ele, aqueles que defendem a floresta s\u00e3o baderneiros. Os\u00a0recordes de desmatamento\u00a0na Amaz\u00f4nia sob o governo Bolsonaro n\u00e3o s\u00e3o uma coincid\u00eancia.<\/p>\n\n\n\n

Sustento vindo da floresta<\/h2>\n\n\n\n

Depois dos assassinatos de Jos\u00e9 Cl\u00e1udio e Maria, Santos e sua m\u00e3e, que tamb\u00e9m recebeu amea\u00e7as de morte, se mudaram para Marab\u00e1, que fica a duas horas e meia de carro da reserva. L\u00e1 Santos estuda e trabalha no instituto Z\u00e9 Cl\u00e1udio e Maria \u2013 uma ONG fundada por sua m\u00e3e para ajudar a manter de p\u00e9 a luta por Justi\u00e7a e a mem\u00f3ria dos m\u00e1rtires socioambientais.<\/p>\n\n\n\n

Nesta tarde, ela vai \u00e0 reserva para visitar a tia, Claudecir dos Santos, que deu continuidade \u00e0 tradi\u00e7\u00e3o do extrativismo. Depois de um longo trajeto numa estrada de terra e ao longo de pastagens, ela chega \u00e0 \u00e1rea protegida, f\u00e1cil de reconhecer devido \u00e0 mata fechada. Para receb\u00ea-la, Claudecir matou uma galinha que prepara num fog\u00e3o \u00e0 lenha numa cozinha aberta. “Estou satisfeita com a minha vida”, diz a vi\u00fava de 57 anos.<\/p>\n\n\n\n

Na manh\u00e3 seguinte, a mulher pequena e musculosa entra na floresta com um fac\u00e3o e uma cesta nas costas \u2013 cerca de 30 hectares de mata pertencem ao seu quintal. Ela conta que h\u00e1 quatro ou cinco frutos que a ajudam a ganhar a vida. <\/p>\n\n\n\n

Em primeiro lugar, est\u00e1 a castanha-do-par\u00e1. Elas crescem em castanheiras e, em ouri\u00e7os que parecem balas de canh\u00e3o, as castanhas amadurecem envoltas cada uma em uma casca dura. A castanha-do-par\u00e1 n\u00e3o pode ser cultivada em planta\u00e7\u00f5es, ela d\u00e1 apenas na floresta. Essa \u00e9 uma das raz\u00f5es para o alto pre\u00e7o de venda desse produto no mercado. Nutritivas, as castanhas possuem um elevado teor de prote\u00edna e gordura, al\u00e9m de muitos minerais.<\/p>\n\n\n\n

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A castanha-do-par\u00e1 n\u00e3o pode ser cultivada em planta\u00e7\u00f5es, ela\u00a0d\u00e1\u00a0apenas na floresta<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Cada uma das dezenas de castanheiras na floresta produz por safra castanhas no valor de cerca de R$ 500, segundo Claudecir. Ela acrescenta que, ao longo dos anos, isso rende muito mais do que se derrubassem a \u00e1rvore e vendessem sua valiosa madeira. Apesar de o corte da esp\u00e9cie ser proibido pela legisla\u00e7\u00e3o brasileira, madeireiros continuam derrubando castanheiras. Eles simplesmente declararam a madeira como de outro tipo.<\/p>\n\n\n\n

Igualmente importante para a renda de Claudecir \u00e9 a andiroba, de cujas sementes \u00e9 extra\u00eddo um valioso \u00f3leo, que tem efeitos antiss\u00e9pticos e \u00e9 usado na fabrica\u00e7\u00e3o de sabonetes. Em sua oficina, Claudecir mostra como funciona o processo de extra\u00e7\u00e3o do \u00f3leo. Ela se uniu com outras mulheres da reserva numa cooperativa para comercializarem juntas o \u00f3leo.<\/p>\n\n\n\n

A\u00e7a\u00ed, cacau e cupua\u00e7u tamb\u00e9m s\u00e3o coletados e vendidos. J\u00e1 mam\u00e3o, manga e lim\u00e3o s\u00e3o para consumo pr\u00f3prio. Al\u00e9m disso, Claudecir planta mandioca, feij\u00e3o, cana-de-a\u00e7\u00facar e ervilha. O quintal dela parece um para\u00edso autossuficiente. Mas \u00e9 claro que n\u00e3o cresce tudo que \u00e9 necess\u00e1rio para viver na floresta. <\/p>\n\n\n\n

Claudecir, que recebe ajuda de um irm\u00e3o mais novo para cuidar da planta\u00e7\u00e3o, compra a\u00e7\u00facar, sal, arroz, caf\u00e9 e \u00f3leo na cidade. “Mas eu n\u00e3o gosto da cidade”, diz. “A floresta me d\u00e1 tudo que eu preciso. Ver como ela \u00e9 viva me d\u00e1 coragem. Apesar de tudo.”<\/p>\n\n\n\n

Amea\u00e7as de morte<\/h2>\n\n\n\n

Faz dois anos que a m\u00e3e de Claudecir, que vive em Marab\u00e1, recebeu uma carta na qual estava escrito com letras recortadas: “Vamos acabar com o resto da fam\u00edlia”. E essa n\u00e3o foi a \u00fanica amea\u00e7a.<\/p>\n\n\n\n

Ao anoitecer, vestindo jeans e chinelos de dedo, Claudia dos Santos atravessa um riacho do qual vem a \u00e1gua usada por sua tia. As cigarras j\u00e1 come\u00e7aram com sua cantoria ensurdecedora, e longe um grupo de bugios grita. Santos senta embaixo de uma castanheira imponente, que emerge para o c\u00e9u de uma clareira. A idade da poderosa \u00e1rvore \u00e9 estimada entre 350 e 400 anos, ela conta. Sua fam\u00edlia a batizou com o nome de Majestade. “Eu venho aqui para encontrar minha paz. Essa clareira \u00e9 minha catedral.”<\/p>\n\n\n\n

Santos conta que h\u00e1 dois anos, na volta de uma visita \u00e0 reserva com uma amiga, elas foram seguidas por uma pick-up com luz alta que chegava cada vez mais perto. “Entramos em p\u00e2nico e aceleramos at\u00e9 que nosso carro quase capotou numa curva.” A jovem acredita que um pecuarista que tem uma fazenda na divisa com a reserva esteja por tr\u00e1s do epis\u00f3dio.<\/p>\n\n\n\n

O extrativismo, como o praticado por Claudecir e sua fam\u00edlia, \u00e9 uma provoca\u00e7\u00e3o. A economia predominante na regi\u00e3o \u00e9 a pecu\u00e1ria, que tamb\u00e9m se espalhou pela reserva extrativista. De 400 fam\u00edlias que moram no local, apenas 20 ainda praticam a silvicultura. As outras possuem gado, o que contradiz o objetivo da reserva, mas \u00e9 a realidade.<\/p>\n\n\n\n

“Querem lucro r\u00e1pido. Pensam que s\u00f3 os que t\u00eam gado contam”, afirma Suena Nascimento, de 28 anos, que \u00e9 professora numa escola rural e presidente do coletivo de extrativistas do qual 15 mulheres fazem parte.<\/p>\n\n\n\n

“N\u00f3s, mulheres, pensamos a longo prazo”, afirma a professora. “Algumas fam\u00edlias que come\u00e7aram a criar gado j\u00e1 se arrependeram”, diz, apontando que elas n\u00e3o calcularam os custos de fertilizantes para as pastagens, ra\u00e7\u00e3o, vacinas e outros. “As primeiras a mudar de ideia s\u00e3o as mulheres. Os homens precisam de mais tempo. Mas o mais tardar quando a \u00e1gua se torna escassa e o solo esgotado, eles percebem que algo n\u00e3o vai bem. \u00c9 preciso se aliar \u00e0 natureza para sobreviver na Amaz\u00f4nia”, ressalta.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Deutsche Welle<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"