{"id":180910,"date":"2022-12-05T20:32:16","date_gmt":"2022-12-05T23:32:16","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=180910"},"modified":"2022-12-05T20:32:23","modified_gmt":"2022-12-05T23:32:23","slug":"o-que-a-autopsia-de-um-boto-revelou-sobre-poluicao-marinha","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/12\/05\/180910-o-que-a-autopsia-de-um-boto-revelou-sobre-poluicao-marinha.html","title":{"rendered":"O que a aut\u00f3psia de um boto revelou sobre polui\u00e7\u00e3o marinha"},"content":{"rendered":"\n
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A polui\u00e7\u00e3o sonora interrompe o comportamento normal de golfinhos e baleias, afastando-os das regi\u00f5es onde eles se alimentam e se reproduzem e amea\u00e7ando a popula\u00e7\u00e3o desses animais – ALAMY<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Uso \u00f3culos desde os cinco anos de idade, minha audi\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 perfeita em ambientes tumultuados e, como muitas outras pessoas, perdi meu sentido do paladar durante a covid-19, o que me desorientou muito.<\/strong><\/p>\n\n\n\n

Quando os nossos sentidos s\u00e3o for\u00e7ados at\u00e9 o limite, podemos come\u00e7ar a valoriz\u00e1-los muito mais. Mas certamente n\u00e3o somos os \u00fanicos seres que dependem de diversos sentidos. Os animais marinhos dependem deles para se comunicar, navegar, alimentar, ouvir e detectar perigos.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 dif\u00edcil para n\u00f3s imaginar como as criaturas marinhas interagem no seu mundo. O que sabemos \u00e9 que o quadro \u00e9 complexo e os impactos causados pelos seres humanos causam ainda mais dificuldades.<\/p>\n\n\n\n

A polui\u00e7\u00e3o \u00e9 onipresente, mas n\u00e3o \u00e9 homog\u00eanea. Existe a explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo e g\u00e1s no leito marinho, al\u00e9m de exerc\u00edcios militares, aumento do tr\u00e1fego mar\u00edtimo e a amea\u00e7a relativamente nova da minera\u00e7\u00e3o em \u00e1guas profundas.<\/p>\n\n\n\n

Acrescente-se o fluxo de esgoto e os res\u00edduos industriais e agr\u00edcolas e teremos um ambiente marinho mais movimentado, barulhento e polu\u00eddo. Que riscos ocultos tudo isso traz para a vida marinha?<\/p>\n\n\n\n

Como volunt\u00e1ria para cuidar de encalhes de animais marinhos para o Devon Wildlife Trust, no sudoeste da Inglaterra, recebo frequentes pedidos para tirar fotos e medidas de mam\u00edferos marinhos encalhados no litoral da minha regi\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

\u00c0s vezes, existem ferimentos vis\u00edveis, marcas de dentes, talvez de ataques de golfinhos-nariz-de-garrafa, longos cortes retos na pele causados por linhas de pesca ou, \u00e0s vezes, um corte limpo na cauda por captura acidental. Mas, na maioria dos casos, \u00e9 dif\u00edcil identificar a real causa da morte.<\/p>\n\n\n\n

Uma equipe especializada de cientistas encarregou-se da miss\u00e3o de descobrir mais sobre os impactos causados pelos seres humanos sobre as popula\u00e7\u00f5es de botos, baleias e golfinhos no Reino Unido.<\/p>\n\n\n\n

E, para aprender mais sobre a sua pesquisa, visitei Rob Deaville, cientista que estuda encalhes de animais no Programa de Pesquisa sobre Encalhes de Cet\u00e1ceos do Reino Unido. Todos os anos, Deaville disseca cerca de 150 botos, baleias e golfinhos encalhados para descobrir a poss\u00edvel causa das suas mortes.<\/p>\n\n\n\n

“Em alguns casos, pode ser muito evidente, como captura acidental, choques com navios, focas-cinzentas predadoras, ataques de golfinhos-nariz-de-garrafa. Estas causas de morte s\u00e3o bastante \u00f3bvias”, explica ele.<\/p>\n\n\n\n

“Mas, mesmo em alto n\u00edvel, a polui\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 necessariamente a causa da morte de um animal, \u00e9 mais quest\u00e3o de associa\u00e7\u00e3o”, segundo Deaville. “Voc\u00ea olha por um buraco de fechadura para um aspecto, no que eu chamo de desfecho terminal, e ent\u00e3o tenta olhar para tr\u00e1s para ver quais foram as experi\u00eancias daquele animal ao longo da vida.”<\/p>\n\n\n\n

“Alta polui\u00e7\u00e3o sonora ou ca\u00e7a limitada, mudan\u00e7as clim\u00e1ticas, polui\u00e7\u00e3o qu\u00edmica – tudo isso causa impactos e \u00e9 dif\u00edcil separ\u00e1-las de qualquer press\u00e3o individual isolada”, ele conta.<\/p>\n\n\n\n

Observar Deaville abrir um boto foi uma aula de biologia fascinante. Mas, mais do que isso, foi poss\u00edvel destacar como aquelas criaturas podem refletir seu ambiente marinho e como elas vivem naquele ambiente.<\/p>\n\n\n\n

Dos vermes parasitas abrigados nos pulm\u00f5es, intestinos e f\u00edgado at\u00e9 os delicados ossos de peixe encontrados em um dos seus tr\u00eas est\u00f4magos, todas as indica\u00e7\u00f5es s\u00e3o valiosas.<\/p>\n\n\n\n

Mas Deaville conta que o mais importante \u00e9 a amostra daquela camada de gordura que fica logo abaixo da pele. Ele a corta desde a base da barbatana dorsal. A gordura tem cerca de 2,5 cm de espessura e serve de registro de subst\u00e2ncias.<\/p>\n\n\n\n

Deaville ir\u00e1 enviar a amostra para especialistas em toxicologia, que analisar\u00e3o os poluentes. Essa an\u00e1lise ajuda a formar um quadro de alguns dos impactos menos vis\u00edveis que podem afetar a vida marinha e possivelmente contribuir para a morte dos animais.<\/p>\n\n\n\n

Comecei a pesquisar como as formas menos vis\u00edveis de polui\u00e7\u00e3o de origem humana, tanto qu\u00edmica quanto ac\u00fastica, podem afetar os sentidos e a sobreviv\u00eancia dos botos, golfinhos e baleias. E descobri que h\u00e1 muitas coisas acontecendo sob as ondas.<\/p>\n\n\n\n

Supersentidos<\/h2>\n\n\n\n

“Para as baleias e os golfinhos, ouvir \u00e9 t\u00e3o importante quanto ver para os seres humanos, pois eles vivem em um mundo de \u00e1gua e som”, afirma Danny Groves, gerente de comunica\u00e7\u00f5es da organiza\u00e7\u00e3o sem fins lucrativos Whale and Dolphin Conservation. Ele acrescenta que os impactos dos dist\u00farbios de origem humana sobre os cet\u00e1ceos s\u00e3o “imensos”.<\/p>\n\n\n\n

“A polui\u00e7\u00e3o sonora amea\u00e7a as popula\u00e7\u00f5es de baleias e golfinhos, interrompendo seu comportamento normal, afastando-os das regi\u00f5es importantes para sua sobreviv\u00eancia [para reproduzir-se, socializar e alimentar-se], chegando a feri-los ou at\u00e9 causar a sua morte”, afirma ele.<\/p>\n\n\n\n

Impactos naturais, como raios e terremotos, tamb\u00e9m causam grandes ru\u00eddos s\u00fabitos, mas tendem a ser mais intermitentes.<\/p>\n\n\n\n

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A aut\u00f3psia dos botos encalhados revela o quanto esses animais podem refletir seu ambiente marinho – ALAMY<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Os cet\u00e1ceos com dentes – um grupo que inclui desde os narvais e as jubartes at\u00e9 os botos e golfinhos – ca\u00e7am usando a ecolocaliza\u00e7\u00e3o ou biossonar. Eles ouvem faixas de altas frequ\u00eancias. J\u00e1 as baleias de barbas ouvem em frequ\u00eancias mais baixas e, por isso, podem ser mais afetadas pelos ru\u00eddos da navega\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

E existem mais quest\u00f5es sobre o som al\u00e9m dos ru\u00eddos. A professora Joy Reidenberg, que estuda a anatomia das baleias na Faculdade Monte Sinai, em Nova York, nos Estados Unidos, explica que o som age como onda de press\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

“Em qualquer lugar do corpo onde h\u00e1 espa\u00e7os que cont\u00eam ar, eles podem comprimir-se e expandir-se enquanto a baleia mergulha e vem \u00e0 superf\u00edcie. Mas, se os tecidos n\u00e3o conseguirem se deformar adequadamente, eles ir\u00e3o se romper”, explica ela.<\/p>\n\n\n\n

Sondagens s\u00edsmicas, usadas para identificar dep\u00f3sitos de petr\u00f3leo e g\u00e1s no leito marinho, s\u00e3o explos\u00f5es sonoras altas e incrivelmente inc\u00f4modas.<\/p>\n\n\n\n

“Tenho certeza de que a baleia sentiria aquilo como uma onda de press\u00e3o que se move atrav\u00e9s do seu corpo e tamb\u00e9m como um som que ela pode ouvir”, afirma Reidenberg.<\/p>\n\n\n\n

“Por isso, existe um aspecto t\u00e1ctil na audi\u00e7\u00e3o que muitas vezes menosprezamos.”<\/p>\n\n\n\n

N\u00e3o se sabe o quanto dessa press\u00e3o \u00e9 sentida pela pele.<\/p>\n\n\n\n

A quimiorrecep\u00e7\u00e3o, que engloba o olfato e o paladar, tamb\u00e9m pode desempenhar papel importante. Reidenberg explica que as baleias de barbas possivelmente podem cheirar, enquanto algumas baleias t\u00eam receptores de sabor na l\u00edngua, mas ainda n\u00e3o est\u00e1 claro exatamente o que elas detectam.<\/p>\n\n\n\n

“Elas tendem a engolir presas inteiras, de forma que talvez sintam o sabor da \u00e1gua para detectar quando se aproximam da ca\u00e7a ou verificar a salinidade, o que pode ajud\u00e1-las a navegar”, afirma ela.<\/p>\n\n\n\n

“\u00c9 at\u00e9 poss\u00edvel que os narvais possam sentir a salinidade pelos poros sens\u00edveis na sua presa – o que pode ser um sentido muito importante.”<\/p>\n\n\n\n

A vis\u00e3o dos cet\u00e1ceos \u00e9 “muito melhor do que esper\u00e1vamos”, segundo Reidenberg, embora algumas esp\u00e9cies dependam mais dela do que outras.<\/p>\n\n\n\n

Os golfinhos dos rios Ganges e Indo s\u00e3o funcionalmente cegos, pois seu habitat turvo n\u00e3o exige que eles enxerguem. J\u00e1 as orcas pulam para fora d’\u00e1gua para espionar enquanto ca\u00e7am focas e sua vis\u00e3o \u00e9 relativamente boa.<\/p>\n\n\n\n

Oceano industrializado<\/h2>\n\n\n\n

Pesquisas indicam que todos esses sentidos est\u00e3o sendo prejudicados pela atividade humana. Para as baleias, botos e golfinhos, a polui\u00e7\u00e3o qu\u00edmica e ac\u00fastica afeta o funcionamento dos seus corpos de diversas formas.<\/p>\n\n\n\n

Alguns efeitos s\u00e3o agudos e imediatos, enquanto outros s\u00e3o mais cr\u00f4nicos e de longo prazo. Al\u00e9m de prejudicar os sentidos e sua capacidade de comunicar-se, a polui\u00e7\u00e3o marinha pode reduzir sua fertilidade e enfraquecer seus sistemas imunol\u00f3gicos.<\/p>\n\n\n\n

Thomas Goetz, especialista em bioac\u00fastica da Universidade St. Andrews, na Esc\u00f3cia, estuda como os animais marinhos s\u00e3o afetados pelos ru\u00eddos humanos e como o som pode ser usado para evitar que os animais sejam prejudicados. Ele explica que o contexto \u00e9 a chave.<\/p>\n\n\n\n

“Para realmente entender os efeitos de um poluente, voc\u00ea precisa entender de fato a fisiologia do animal, dos sistemas sensoriais de cada esp\u00e9cie”, segundo Goetz. Cada poluente no habitat de um cet\u00e1ceo pode ter efeitos diferentes.<\/p>\n\n\n\n

“Infelizmente, n\u00e3o podemos deixar de observar detalhadamente e aceitar sua complexidade… porque talvez eles tenham evolu\u00eddo \u00f3rg\u00e3os sensoriais muito diferentes e suas percep\u00e7\u00f5es de mundo sejam distintas”, afirma Goetz.<\/p>\n\n\n\n

A polui\u00e7\u00e3o sonora pode prejudicar os sons de comunica\u00e7\u00e3o e ecolocaliza\u00e7\u00e3o, mudar o comportamento dos animais e elevar os n\u00edveis de estresse.<\/p>\n\n\n\n

Para as baleias-francas-do-atl\u00e2ntico-norte, o ru\u00eddo de baixa frequ\u00eancia dos grandes navios pode resultar em aumento das subst\u00e2ncias relacionadas ao estresse, que causam supress\u00e3o do crescimento, redu\u00e7\u00e3o da fertilidade e mau funcionamento do sistema imunol\u00f3gico. Esse estresse cr\u00f4nico est\u00e1 causando impactos fisiol\u00f3gicos.<\/p>\n\n\n\n

Ru\u00eddos impulsivos s\u00fabitos e agudos no ambiente marinho podem gerar hemorragia e trauma dos ouvidos, enquanto a exposi\u00e7\u00e3o mais cr\u00f4nica a um zumbido constante em baixo n\u00edvel de uma rota de navega\u00e7\u00e3o pr\u00f3xima talvez possa alterar seus padr\u00f5es de comportamento e dificultar a comunica\u00e7\u00e3o ou a alimenta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

Os golfinhos e baleias de \u00e1guas profundas tamb\u00e9m podem sofrer doen\u00e7a de descompress\u00e3o, ou mal dos mergulhadores, quando sobem \u00e0 superf\u00edcie muito rapidamente. E, com o passar do tempo, surgem rasgos ou les\u00f5es no tecido interno devido \u00e0 forma\u00e7\u00e3o de bolhas de nitrog\u00eanio, mas \u00e9 dif\u00edcil concluir se elas se devem a causas naturais ou a ru\u00eddos de origem humana.<\/p>\n\n\n\n

“Diferentes esp\u00e9cies s\u00e3o mais sens\u00edveis ao som do que outras”, afirma Deaville, movendo-se em dire\u00e7\u00e3o ao bico da baleia-bicuda-de-cuvier na mesa \u00e0 sua frente.<\/p>\n\n\n\n

“Esta \u00e9 a esp\u00e9cie de cet\u00e1ceo que mergulha mais fundo. Ela ret\u00e9m a respira\u00e7\u00e3o por cerca de tr\u00eas horas, mergulha at\u00e9 3 mil metros em alguns casos e realmente se mant\u00e9m no limite do fisiologicamente poss\u00edvel”, explica ele.<\/p>\n\n\n\n

“Talvez por isso ela seja mais sens\u00edvel aos dist\u00farbios decorrentes dos ru\u00eddos. A maioria dos encalhes em massa causados por sonares de navega\u00e7\u00e3o em frequ\u00eancias intermedi\u00e1rias envolve baleias-bicudas, especialmente as baleias-bicudas-de-cuvier”, afirma Deaville. “Por isso, suspeito que, se elas mergulharem o mais profundamente poss\u00edvel, podem sofrer maior risco de vir \u00e0 superf\u00edcie r\u00e1pido demais e enfrentar condi\u00e7\u00f5es que podem ser problem\u00e1ticas.”<\/p>\n\n\n\n

A cientista Maria Morrel, da Universidade de Medicina Veterin\u00e1ria de Hanover, na Alemanha, estuda os ouvidos e ossos dos ouvidos de baleias com dentes que encalharam, como baleias-piloto. Ela est\u00e1 desenvolvendo um protocolo para avaliar a perda de audi\u00e7\u00e3o das baleias.<\/p>\n\n\n\n

Depois de estabilizado em formalina para preservar a amostra, Morrel analisa o ouvido com um microsc\u00f3pio eletr\u00f4nico de varredura e observou que a perda das min\u00fasculas c\u00e9lulas peludas e cicatrizes na membrana dentro do ouvido interno podem indicar perda da fun\u00e7\u00e3o auditiva. Mas ainda n\u00e3o se sabe exatamente como ocorreu a perda de audi\u00e7\u00e3o, nem o que a causou.<\/p>\n\n\n\n

Segundo Reidenberg, os pulsos de sonares militares agem como bombas sonoras e certas frequ\u00eancias podem causar a doen\u00e7a da descompress\u00e3o. Mas ela acrescenta que a marinha norte-americana faz o melhor poss\u00edvel para proteger a vida marinha.<\/p>\n\n\n\n

“O sonar passa por boa regulamenta\u00e7\u00e3o, mas, em tempos de guerra, essas regulamenta\u00e7\u00f5es s\u00e3o suspensas”, afirma ela. “A marinha concentra esfor\u00e7os extraordin\u00e1rios para marcar, rastrear e monitorar as baleias, a fim de proteg\u00ea-las dos exerc\u00edcios com sonares.”<\/p>\n\n\n\n

J\u00e1 as opera\u00e7\u00f5es militares na Europa v\u00eam sendo relacionadas \u00e0 morte em massa de cet\u00e1ceos.<\/p>\n\n\n\n

Quando 85 toninhas-comuns encalharam ao longo de 100 km do litoral dinamarqu\u00eas no intervalo de um m\u00eas em abril de 2005, determinou-se inicialmente que a captura acidental seria a causa da maior parte dos encalhes, devido \u00e0s marcas de redes na pele e \u00e0 perda de barbatanas da cauda dos animais. Os pescadores locais confirmaram que a captura acidental das toninhas foi muito maior que a habitual nas redes instaladas por eles para pescar peixes-lapa.<\/p>\n\n\n\n

Mas investiga\u00e7\u00f5es posteriores revelaram que havia navios militares na regi\u00e3o naquela semana, a caminho de um enorme exerc\u00edcio naval.<\/p>\n\n\n\n

O pesquisador de mam\u00edferos marinhos Andrew Wright, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, concluiu que, embora n\u00e3o seja poss\u00edvel confirmar o uso de sonar, ele certamente n\u00e3o pode ser descartado como fator que contribuiu para o aumento das taxas de captura acidental.<\/p>\n\n\n\n

Para ele, o sonar talvez resultasse em aumento da quantidade de cet\u00e1ceos afastados pelo ru\u00eddo em dire\u00e7\u00e3o \u00e0s redes, ou o dist\u00farbio pode ter reduzido sua capacidade de detectar o equipamento de pesca fixo.<\/p>\n\n\n\n

Como diz Deaville, “tudo isso se acumula em combina\u00e7\u00e3o”. O que evidencia ainda mais o problema – \u00e9 imposs\u00edvel desassociar todos os efeitos.<\/p>\n\n\n\n

A minera\u00e7\u00e3o em alto-mar<\/h2>\n\n\n\n

Pesquisas recentes indicam que a minera\u00e7\u00e3o em \u00e1guas profundas tamb\u00e9m pode causar severas perturba\u00e7\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n

Os pesquisadores estimam que o ru\u00eddo de apenas uma mina no leito marinho pode viajar por cerca de 500 km atrav\u00e9s da d’\u00e1gua, em condi\u00e7\u00f5es de tempo favor\u00e1veis. E, em lugares onde diversas minas podem estar em opera\u00e7\u00e3o, o efeito cumulativo da polui\u00e7\u00e3o sonora pode ser muito maior.<\/p>\n\n\n\n

Como as companhias de minera\u00e7\u00e3o submarina ainda n\u00e3o divulgaram seus dados sobre a polui\u00e7\u00e3o sonora, o estudo empregou n\u00edveis de ru\u00eddo de setores j\u00e1 avaliados, como os navios da ind\u00fastria de petr\u00f3leo e g\u00e1s e dragas costeiras, para formar estimativas “conservadoras”. Mas especialistas afirmam que o equipamento real de minera\u00e7\u00e3o no leito submarino \u00e9 muito maior e mais poderoso do que esses modelos.<\/p>\n\n\n\n

Segundo afirma uma das autoras do estudo, a professora de ac\u00fastica subaqu\u00e1tica Christine Erbe, da Universidade Curtin, na Austr\u00e1lia, “estimar o ru\u00eddo de equipamentos e instala\u00e7\u00f5es futuras \u00e9 um desafio, mas n\u00e3o precisamos esperar que as primeiras minas estejam em opera\u00e7\u00e3o para descobrir o ru\u00eddo que elas fazem. Identificando o n\u00edvel de ru\u00eddo na fase de projeto de engenharia, podemos nos preparar melhor para saber qual pode ser o seu impacto sobre a vida marinha.”<\/p>\n\n\n\n

No \u00c1rtico, os narvais – animais de \u00e1guas profundas com um dente longo e protuberante, parecendo o chifre de um unic\u00f3rnio – vivem relativamente longe da atividade humana. Mas, \u00e0 medida que o gelo derrete, mais rotas de navega\u00e7\u00e3o est\u00e3o se abrindo atrav\u00e9s da regi\u00e3o e a explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo e g\u00e1s tamb\u00e9m est\u00e1 crescendo.<\/p>\n\n\n\n

Cientistas da Universidade da Calif\u00f3rnia, nos Estados Unidos, descobriram recentemente que, quando os narvais da Groenl\u00e2ndia foram expostos a pistolas de ar s\u00edsmico (instrumentos de pesquisa de petr\u00f3leo e g\u00e1s que produzem explos\u00f5es sonoras de alta intensidade), eles imediatamente come\u00e7am a mergulhar para baixo com rapidez, a partir da superf\u00edcie.<\/p>\n\n\n\n

Normalmente, eles deslizam para baixo, para conservar energia. Mas esta t\u00e1tica de fuga r\u00e1pida afeta a quantidade de sangue e oxig\u00eanio em circula\u00e7\u00e3o no seu corpo. Ela tamb\u00e9m os afasta de outras a\u00e7\u00f5es, como alimentar-se, segundo dados coletados utilizando etiquetas de monitoramento.<\/p>\n\n\n\n

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Os mam\u00edferos marinhos n\u00e3o conseguem enfrentar uma amea\u00e7a de cada vez. Eles sofrem as press\u00f5es combinadas de diversas formas de polui\u00e7\u00e3o ao mesmo tempo – GETTY IMAGES<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Todos esses poluentes invis\u00edveis precisam ser levados em considera\u00e7\u00e3o. Hanna Nuutila, pesquisadora de ecologia marinha da Universidade de Swansea, no Pa\u00eds de Gales, afirma que \u00e9 fundamental apreciar o efeito cumulativo de diferentes fatores de estresse e processos de interfer\u00eancia.<\/p>\n\n\n\n

“A interfer\u00eancia \u00e9 f\u00edsica, como as estruturas na \u00e1gua (incluindo todas as constru\u00e7\u00f5es costeiras e em alto-mar, desde plataformas de petr\u00f3leo e g\u00e1s at\u00e9 pilares de parques e\u00f3licos, portos, marinas e estruturas de energia renov\u00e1vel), mas tamb\u00e9m m\u00f3vel, como no caso de navios, balsas, petroleiros e cruzeiros de luxo”, afirma ela. Nuutila acrescenta que todas as fontes renov\u00e1veis marinhas est\u00e3o passando por escrut\u00ednio muito mais detalhado, em termos de impactos \u00e0 vida selvagem, do que as ind\u00fastrias do petr\u00f3leo, g\u00e1s e energia nuclear.<\/p>\n\n\n\n

Nuutila destaca a necessidade de criar zonas de seguran\u00e7a demarcadas, livres da influ\u00eancia humana. A organiza\u00e7\u00e3o Marine Mammal Protected Areas Task Force conduz uma iniciativa global para criar exatamente isso, designando \u00c1reas Importantes para os Mam\u00edferos Marinhos.<\/p>\n\n\n\n

Nadar em uma ‘sopa t\u00f3xica’<\/h2>\n\n\n\n

Subst\u00e2ncias t\u00f3xicas sint\u00e9ticas talvez sejam uma das formas mais trai\u00e7oeiras de polui\u00e7\u00e3o oce\u00e2nica.<\/p>\n\n\n\n

Os principais respons\u00e1veis s\u00e3o os poluentes org\u00e2nicos persistentes (POPs), que n\u00e3o se decomp\u00f5em facilmente e s\u00e3o lipof\u00edlicos, ou seja, eles adoram gordura. Eles acabam na gordura de botos, golfinhos e baleias.<\/p>\n\n\n\n

Um contaminante particularmente t\u00f3xico que nos foi herdado – ele continua causando problemas d\u00e9cadas depois da sua proibi\u00e7\u00e3o – \u00e9 uma classe de 209 subst\u00e2ncias industriais conhecidas como bifenilas policloradas (PCBs, na sigla em ingl\u00eas).<\/p>\n\n\n\n

Inventadas nos anos 1920, as PCBs foram usadas na refrigera\u00e7\u00e3o de m\u00e1quinas, produtos el\u00e9tricos, retardantes de chama, tintas e vedantes de constru\u00e7\u00f5es. Elas foram proibidas em todo o mundo h\u00e1 mais de 40 anos, mas ainda permanecem em aterros, de onde acabam saindo para invadir o ambiente marinho.<\/p>\n\n\n\n

Rob Deaville explica por que as PCBs s\u00e3o t\u00e3o preocupantes: “elas funcionam de duas formas. Elas prejudicam o sistema imunol\u00f3gico, de forma que [os animais] podem ter diversas doen\u00e7as secund\u00e1rias porque o [seu] sistema imunol\u00f3gico \u00e9 basicamente abatido. E, mais trai\u00e7oeiramente, elas tamb\u00e9m prejudicam a reprodu\u00e7\u00e3o, de forma que as popula\u00e7\u00f5es com alta exposi\u00e7\u00e3o \u00e0s PCBs sofrer\u00e3o queda da quantidade de nascimentos de animais jovens.”<\/p>\n\n\n\n

“Uma popula\u00e7\u00e3o de baleias pode n\u00e3o ter filhotes por muito tempo, mesmo sendo reprodutivamente ativa”, afirma Deaville. “Isso ser\u00e1 um sinal vermelho para n\u00f3s e indicar\u00e1 poss\u00edvel exposi\u00e7\u00e3o \u00e0s PCBs.”<\/p>\n\n\n\n

Em 2016, uma orca chamada Lulu foi encontrada morta no litoral da ilha de Tiree, a mais ocidental das H\u00e9bridas Interiores, na Esc\u00f3cia, depois de se emaranhar em uma rede de pesca.<\/p>\n\n\n\n

O exame post-mortem do corpo do animal encontrou n\u00edveis extremamente altos de PCBs (100 vezes acima do limite de toxicidade para PCBs na gordura de mam\u00edferos marinhos). Os cientistas conclu\u00edram que ela era um dos animais mais contaminados do planeta, em termos de concentra\u00e7\u00e3o de PCBs.<\/p>\n\n\n\n

E, ao examinar os seus ov\u00e1rios, os cientistas do programa escoc\u00eas de estudos de encalhes marinhos n\u00e3o encontraram evid\u00eancias de que, algum dia, ela tivesse sido reprodutivamente ativa.<\/p>\n\n\n\n

Ao longo da vida de qualquer animal, a exposi\u00e7\u00e3o a poluentes muda de um lugar para outro e com o passar do tempo. A exposi\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m atinge diferentes esp\u00e9cies em graus vari\u00e1veis.<\/p>\n\n\n\n

As orcas costumam viver mais tempo do que os botos, por exemplo. Por isso, elas t\u00eam mais tempo para acumular poluentes qu\u00edmicos no seu corpo. As orcas tamb\u00e9m se alimentam em um degrau mais alto da cadeia alimentar, de forma que elas comem peixes maiores e outros mam\u00edferos marinhos que tamb\u00e9m cont\u00eam contaminantes.<\/p>\n\n\n\n

Deaville explica que os POPs s\u00e3o armazenados na gordura. Quando o estado nutricional de um animal se deteriora, seja sazonalmente ou por consequ\u00eancia de doen\u00e7as, esses contaminantes t\u00f3xicos s\u00e3o liberados para o sangue \u00e0 medida que a camada de gordura diminui.<\/p>\n\n\n\n

Subst\u00e2ncias t\u00f3xicas tamb\u00e9m s\u00e3o transmitidas para os filhotes atrav\u00e9s do leite. Por isso, a m\u00e3e pode inadvertidamente descarregar sua polui\u00e7\u00e3o t\u00f3xica para o primeiro filhote, \u00e0s vezes causando sua morte.<\/p>\n\n\n\n

A toxic\u00f3loga Rosie Williams, que trabalha com Deaville, descobriu em um estudo de 2021 que altos n\u00edveis de PCBs em amostras de gordura de 267 toninhas-comuns encalhadas foram associados \u00e0 redu\u00e7\u00e3o do tamanho dos test\u00edculos em animais machos. Esses poluentes t\u00eam impacto direto sobre a fertilidade e podem afetar o sucesso futuro na reprodu\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie.<\/p>\n\n\n\n

As PCBs tamb\u00e9m s\u00e3o conhecidas por suprimirem o sistema imunol\u00f3gico, de forma que animais com n\u00edveis mais altos de contaminantes tamb\u00e9m apresentam maior propens\u00e3o a morrer de doen\u00e7as infecciosas.<\/p>\n\n\n\n

\u00c9 claro que os mam\u00edferos marinhos n\u00e3o s\u00e3o expostos a uma \u00fanica subst\u00e2ncia de cada vez. Desde o seu in\u00edcio, em 1990, o Programa de Pesquisa de Encalhes de Cet\u00e1ceos do Reino Unido realizou mais de 4 mil necropsias de botos, golfinhos e baleias e examinou uma ampla variedade de poluentes, desde o pesticida proibido DDT, amplamente conhecido, at\u00e9 res\u00edduos de tintas anti-incrustantes e retardantes de chama acrescentados a tecidos.<\/p>\n\n\n\n

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Subst\u00e2ncias de uso industrial, como os PCBs, permanecem nos aterros sanit\u00e1rios anos depois da sua proibi\u00e7\u00e3o e de l\u00e1 escapam para o ambiente marinho, prejudicando o sistema reprodutor dos mam\u00edferos – GETTY IMAGES<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

“Um animal pode viver em uma \u00e1rea de pesca intensiva, com alto n\u00edvel de captura acidental, com menos oferta de ca\u00e7a, altamente contaminada, com muito ru\u00eddo e tudo isso acontecendo em conjunto ao mesmo tempo – \u00e9 assim que o animal passa sua vida”, afirma Deaville. “O impacto \u00e9 cumulativo. \u00c9 algo complexo a ser enfrentado.”<\/p>\n\n\n\n

No caso dos botos encalhados e dissecados em laborat\u00f3rio, a polui\u00e7\u00e3o qu\u00edmica pode ter influenciado. Em alguns meses, os relat\u00f3rios toxicol\u00f3gicos mostrar\u00e3o mais sobre seu \u00f4nus qu\u00edmico espec\u00edfico. A quest\u00e3o, para Deaville e Williams, \u00e9 observar mudan\u00e7as de tend\u00eancias que possam informar os pol\u00edticos e alterar a forma de gest\u00e3o dos poluentes.<\/p>\n\n\n\n

Os pl\u00e1sticos tamb\u00e9m est\u00e3o no alto da lista – um estudo de 2019 da Universidade de Exeter, na Inglaterra, estudou 50 mam\u00edferos marinhos encalhados no litoral do Reino Unido e encontrou micropl\u00e1sticos em todos eles. At\u00e9 o momento, os estudos sobre o impacto real dessas part\u00edculas de pl\u00e1stico sobre a sobreviv\u00eancia dos cet\u00e1ceos permanecem inconclusivos.<\/p>\n\n\n\n

Especialistas afirmam que, em vez de lidar com uma amea\u00e7a de cada vez, os animais sofrem a press\u00e3o combinada de diversas formas de polui\u00e7\u00e3o no ambiente marinho.<\/p>\n\n\n\n

Os mam\u00edferos marinhos est\u00e3o vivendo em uma “sopa de polui\u00e7\u00e3o”, segundo Deaville. Ele acrescenta que os efeitos s\u00e3o diferentes, dependendo da localiza\u00e7\u00e3o, profundidade, da esta\u00e7\u00e3o ou do est\u00e1gio de vida dos animais.<\/p>\n\n\n\n

Grande parte dos danos e inc\u00f4modos causados pela atividade humana \u00e9 acidental e pode ser evitada, segundo o cineasta e escritor Tom Mustill, autor de um novo livro chamado How to Speak Whale<\/em> (“Como falar ‘balei\u00eas'”, em tradu\u00e7\u00e3o livre).<\/p>\n\n\n\n

Ele afirma que, com projetos diferentes e examinando como algo poder\u00e1 prejudicar outros animais – especialmente baleias e golfinhos, que fazem uso de m\u00e9todos sofisticados de comunica\u00e7\u00e3o -, podemos reduzir drasticamente essas consequ\u00eancias negativas.<\/p>\n\n\n\n

Estabelecer limites de velocidade dos navios, por exemplo, pode reduzir drasticamente as colis\u00f5es. Na costa leste dos Estados Unidos, propostas de introdu\u00e7\u00e3o de “zonas de velocidade din\u00e2mica” poderiam ajudar a proteger as amea\u00e7adas baleias-francas-do-atl\u00e2ntico-norte em regi\u00f5es onde esses mam\u00edferos marinhos forem detectados.<\/p>\n\n\n\n

Reduzir a velocidade dos navios faz com que os animais tenham mais tempo para adaptar sua navega\u00e7\u00e3o e reduzir o risco de serem atingidos pelos navios.<\/p>\n\n\n\n

“Essa ci\u00eancia que descobre como s\u00e3o as vidas sensoriais desses animais, como eles percebem o mundo e como eles se comunicam nos permite compreender como podemos afet\u00e1-los e alterar o nosso impacto. Isso pode ser transformador”, afirma Mustill.<\/p>\n\n\n\n

Por mais angustiante que seja o exame post-mortem de um boto, cada encalhe evidentemente fornece aos cientistas informa\u00e7\u00f5es valiosas sobre o modo de vida e a morte desses cet\u00e1ceos e como nossas a\u00e7\u00f5es os prejudicam. A etapa seguinte \u00e9 adaptar nossas estrat\u00e9gias e pol\u00edticas, de forma a reduzir a polui\u00e7\u00e3o e proteger melhor a vida marinha e a sa\u00fade dos oceanos.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: BBC<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"