{"id":181169,"date":"2022-12-22T20:08:50","date_gmt":"2022-12-22T23:08:50","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=181169"},"modified":"2022-12-22T20:08:52","modified_gmt":"2022-12-22T23:08:52","slug":"como-o-uso-genetico-da-biodiversidade-afeta-o-brasil","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2022\/12\/22\/181169-como-o-uso-genetico-da-biodiversidade-afeta-o-brasil.html","title":{"rendered":"Como o uso gen\u00e9tico da biodiversidade afeta o Brasil"},"content":{"rendered":"\n
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Muitos produtos mundialmente famosos usam recursos vindos de outros pa\u00edses. Reparti\u00e7\u00e3o de ganhos por esse uso \u00e9 apontada como desafio global.<\/p>\n\n\n\n

A Floresta Amaz\u00f4nica foi in\u00fameras vezes fonte de sucesso de produtos caros fabricados no exterior, como o perfume Chanel n\u00famero 5. A famosa fragr\u00e2ncia francesa, que custa cerca de R$ 900, tem em sua f\u00f3rmula \u00f3leo essencial do pau-rosa, extra\u00eddo da \u00e1rvore t\u00edpica da Amaz\u00f4nia.<\/p>\n\n\n\n

A explora\u00e7\u00e3o ilegal e descontrolada colocou o pau-rosa na lista de esp\u00e9cies amea\u00e7adas de extin\u00e7\u00e3o em 1992. A marca francesa, por sua vez, nunca dividiu os ganhos com os brasileiros. Mas isso pode mudar no futuro como a assinatura do\u00a0acordo in\u00e9dito, chamado de Kunming-Montreal, resultado da 15\u00b0 Confer\u00eancia da ONU de Biodiversidade, encerrada nesta segunda-feira (19\/12).<\/p>\n\n\n\n

Dentre os\u00a023 objetivos listados\u00a0no documento, o de n\u00famero 13, que dividiu pa\u00edses ao longo das negocia\u00e7\u00f5es, segue alvo de desconfian\u00e7a. Ele prev\u00ea que quem usa elementos da biodiversidade em f\u00f3rmulas de produtos reparta os ganhos com o local de onde a informa\u00e7\u00e3o foi extra\u00edda.<\/p>\n\n\n\n

Al\u00e9m do famoso perfume, h\u00e1 muitos outros casos de empresas que usam recursos gen\u00e9ticos de plantas, animais e microrganismos de outras regi\u00f5es \u2013 e nem sempre de forma legal.<\/p>\n\n\n\n

Segundo o acordo, a reparti\u00e7\u00e3o justa e equitativa dos benef\u00edcios deve ser feita a partir do uso n\u00e3o s\u00f3 das esp\u00e9cies em si, mas de dados de sequenciamento gen\u00e9tico dispon\u00edveis em bancos digitais (DSI, na sigla em ingl\u00eas). Essa partilha deve levar em conta os conhecimentos tradicionais associados aos recursos gen\u00e9ticos em quest\u00e3o, que muitas vezes v\u00eam de povos ind\u00edgenas, quilombolas, ribeirinhos, raizeiros, entre outros.<\/p>\n\n\n\n

“O problema \u00e9 como garantir que a reparti\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios a partir desses bancos gen\u00e9ticos fa\u00e7a jus de fato a esse conhecimento tradicional associado que levou ao mapeamento dessas esp\u00e9cies e \u00e0s especificidades do uso dessas esp\u00e9cies para determinados fins, sejam eles farmac\u00eauticos, cosm\u00e9ticos ou outros”, pontua Frineia Rezende, diretora executiva da ONG The Nature Conservancy (TNC) Brasil.<\/p>\n\n\n\n

Para negociadores ind\u00edgenas, o texto final \u00e9 amb\u00edguo. Antes nomeados como benefici\u00e1rios prim\u00e1rios dessa partilha por, historicamente, serem os maiores guardi\u00f5es da biodiversidade no planeta, povos ind\u00edgenas agora s\u00e3o parte de uma lista maior.<\/p>\n\n\n\n

“N\u00e3o nos opomos a partilhar os benef\u00edcios da DSI com a sociedade em geral. Mas seria uma trag\u00e9dia e injusti\u00e7a, se a sociedade n\u00e3o priorizasse a repara\u00e7\u00e3o dos estragos causados em nossas terras e \u00e1guas e n\u00e3o investisse nos valores de relacionamento respeitoso e de conviv\u00eancia com a natureza, que s\u00e3o o cerne para que as metas do acordo sejam alcan\u00e7adas”, argumenta Jennifer Corpuz, uma das l\u00edderes nas negocia\u00e7\u00f5es sobre o tema em nome do F\u00f3rum Ind\u00edgena Internacional sobre Biodiversidade.<\/p>\n\n\n\n

Da natureza ao banco digital<\/h2>\n\n\n\n

A decodifica\u00e7\u00e3o gen\u00e9tica de animais, plantas e outros organismos e o compartilhamento desse material em bancos digitais revolucionou a biotecnologia. Foi isso que alavancou, por exemplo, o desenvolvimento r\u00e1pido de vacinas contra a covid num contexto em que a pandemia matava milh\u00f5es diariamente.<\/p>\n\n\n\n

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Brasil \u00e9 rico em biodiversidade<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Por outro lado, o uso indevido de informa\u00e7\u00f5es provenientes da flora, fauna e outras formas de vida por multinacionais pode ser especialmente prejudicial para pa\u00edses ricos em biodiversidade, como o Brasil.<\/p>\n\n\n\n

“Pa\u00edses como Brasil, que j\u00e1 possui legisla\u00e7\u00e3o e s\u00e3o detentores de megabiodiversidade, ter\u00e3o que se preparar para garantir a rastreabilidade das informa\u00e7\u00f5es obtidas a partir de banco de dados ou de sequenciamento gen\u00e9tico”, alerta Rezende.<\/p>\n\n\n\n

Para Fernanda Kaing\u00e1ng, advogada e diretora executiva do Instituto Ind\u00edgena Brasileiro para Propriedade Intelectual, n\u00e3o faltam maus exemplos de apropria\u00e7\u00e3o indevidas de recursos da biodiversidade brasileira por empresas, pr\u00e1tica conhecida como biopirataria.<\/p>\n\n\n\n

“\u00c9 s\u00f3 ver o n\u00famero de patentes sobre guaran\u00e1, andiroba, entre outros frutos do Brasil, por companhias estrangeiras. Somos mat\u00e9ria-prima de exporta\u00e7\u00e3o, de royalties, de patentes”, argumenta Fernanda, que refor\u00e7a que esse tipo de roubo por terceiros \u00e9 hist\u00f3rico no pa\u00eds.<\/p>\n\n\n\n

Como um dos casos mais absurdos, ela cita a venda disseminada do ado\u00e7ante stevia no mercado. “O stevia era de uso dos guarani, o povo mais atacado do pa\u00eds. Todas as armas est\u00e3o apontadas para eles, expulsos de suas terras, que sofrem a viol\u00eancia todos os dias. O roubo n\u00e3o \u00e9 s\u00f3 das informa\u00e7\u00f5es gen\u00e9ticas, mas da melhora de condi\u00e7\u00f5es de vida deles, \u00e9 roubo dos conhecimentos tradicionais”, critica a advogada.<\/p>\n\n\n\n

Stevia rebaudiana, descrita em diversos estudos cient\u00edficos por seu poder natural de ado\u00e7ar, \u00e9 a planta chamada de ka’a he’\u1ebd em guarani. Ela \u00e9 usada tradicionalmente por esse povo que habita o leste do Paraguai, e pelos kaiowa, do sul de Mato Grosso do Sul. Segundo relatos de anci\u00f5es e anci\u00e3s, o ka’a he’\u1ebd era usado como um rem\u00e9dio, edulcorante de alimentos e empregado em rituais.<\/p>\n\n\n\n

“Eles nunca receberam nada, nunca houve reparti\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios. \u00c9 um dos maiores preju\u00edzos hist\u00f3ricos sofrido pelo povo guarani”, afirma Fernanda.<\/p>\n\n\n\n

Outros exemplos<\/h2>\n\n\n\n

Um caso levado aos tribunais foi encerrado em 2019 ap\u00f3s uma longa batalha. Naquele ano, a Justi\u00e7a deu ganho para o povo ashaninka contra a Tawaya, empresa acusada de usar indevidamente o conhecimento tradicional dos ind\u00edgenas na fabrica\u00e7\u00e3o do sabonete de murumuru e n\u00e3o repartir os benef\u00edcios com as comunidades. O fruto da palmeira \u00e9 usado como hidratante e rem\u00e9dio entre esse povo do Acre.<\/p>\n\n\n\n

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Stevia \u00e9 um dos exemplos de “roubo de conhecimento”, segundo advogada ind\u00edgena<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

A multa, estipulada no valor de R$ 5 milh\u00f5es, talvez nunca seja paga pela empresa sediada na cidade acreana de Cruzeiro do Sul. “Ainda assim, a vit\u00f3ria dos ashaninka \u00e9 hist\u00f3rica e representa um marco importante”, opina Francine Leal, diretora executiva da GSS Bioinova\u00e7\u00e3o e Carbono, consultoria especializada em assuntos relacionados \u00e0 biodiversidade,<\/p>\n\n\n\n

Casos como esse, avalia Rezende, tornam a discuss\u00e3o sobre o uso dos elementos da biodiversidade urgente. “Qual \u00e9 o limite entre o acesso aos recursos gen\u00e9ticos e o que \u00e9 transformado geneticamente a partir desse patrim\u00f4nio? Hoje em dia, todo mundo faz mapeamento gen\u00e9tico. Qual \u00e9 a garantia que voc\u00ea tem que qualquer coisa que seja produzida a partir do patrim\u00f4nio gen\u00e9tico gere reparti\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios?”, aponta Rezende quest\u00f5es que devem ser respondidas no futuro.<\/p>\n\n\n\n

Fernanda Kaing\u00e1ng defende que n\u00e3o s\u00f3 a explora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica deve ser discutida. “A lei n\u00e3o se aplica \u00e0 pesquisa cient\u00edfica. No Brasil, cientistas publicam sem proteger a informa\u00e7\u00e3o de patente. Foi assim que uma empresa japonesa roubou a marca cupulate desenvolvida por pesquisadores da Embrapa”, explica a advogada.<\/p>\n\n\n\n

O termo se refere a um produto semelhante ao chocolate, feito a partir das am\u00eandoas do cupua\u00e7u, t\u00edpica da Amaz\u00f4nia. Uma companhia japonesa chegou a registrar patente da inven\u00e7\u00e3o brasileira, mas a Embrapa recuperou a marca em 2015.<\/p>\n\n\n\n

Lei nacional e cr\u00edticas<\/h2>\n\n\n\n

Para Leal, o mecanismo multilateral definido no acordo, que ser\u00e1 detalhado nos pr\u00f3ximos anos, precisa alinhar os conceitos definidos nas legisla\u00e7\u00f5es nacionais sem inviabilizar as pesquisas e desenvolvimento da ci\u00eancia brasileira.<\/p>\n\n\n\n

“O Brasil tem uma das leis mais avan\u00e7adas do mundo. Ela prev\u00ea a reparti\u00e7\u00e3o justa e equitativa dos benef\u00edcios vindo do uso do nosso patrim\u00f4nio gen\u00e9tico, como previsto na Conven\u00e7\u00e3o sobre Diversidade Biol\u00f3gica da ONU”, comenta Leal, em refer\u00eancia \u00e0 lei nacional 13.123, de 2015.<\/p>\n\n\n\n

Ela \u00e9 uma das autoras do projeto Brogot\u00e1, que compila normas de acesso e reparti\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios em diversos pa\u00edses. Um dos avan\u00e7os no caso brasileiro, aponta Leal, \u00e9 a exist\u00eancia do Conselho de Gest\u00e3o do Patrim\u00f4nio Gen\u00e9tico, que centraliza todas as demandas e conta com representantes da sociedade civil, academia e dos povos tradicionais.<\/p>\n\n\n\n

Fernanda Kaing\u00e1ng, advogada ind\u00edgena, tem uma vis\u00e3o diferente. “Nossa lei nacional tem retrocessos. Desapareceu do texto o direito dos povos ind\u00edgenas de decidir o uso do conhecimento tradicional deles. Tentam dar um dom\u00ednio p\u00fablico ao conhecimento tradicional que \u00e9 indevido. Se n\u00e3o houve consentimento, se n\u00e3o houve divis\u00e3o equitativa, \u00e9 apropria\u00e7\u00e3o indevida do conhecimento”, critica, ressaltando que a lei nacional prev\u00ea que at\u00e9 1% dos ganhos obtidos a partir do uso desses saberes seja repartido com os detentores originais da informa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

“Ind\u00fastrias foram as \u00fanicas consultadas quando essa lei foi feita. Os ind\u00edgenas nunca foram devidamente consultados”, adiciona.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Deutsche Welle<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"