{"id":181501,"date":"2023-02-13T21:14:35","date_gmt":"2023-02-14T00:14:35","guid":{"rendered":"https:\/\/noticias.ambientebrasil.com.br\/?p=181501"},"modified":"2023-02-13T21:14:43","modified_gmt":"2023-02-14T00:14:43","slug":"como-garimpo-ilegal-transforma-ouro-em-barras-e-joias-legais","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2023\/02\/13\/181501-como-garimpo-ilegal-transforma-ouro-em-barras-e-joias-legais.html","title":{"rendered":"Como garimpo ilegal transforma ouro em barras e joias legais"},"content":{"rendered":"\n
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Explora\u00e7\u00e3o do metal est\u00e1 por tr\u00e1s da crise humanit\u00e1ria que afeta os yanomami. Normas fr\u00e1geis e fiscaliza\u00e7\u00e3o prec\u00e1ria permitem que o ouro saia da floresta e chegue at\u00e9 os grandes centros urbanos.<\/p>\n\n\n\n

O ouro \u00e9 o principal motivo da\u00a0trag\u00e9dia que atinge o povo yanomami, extra\u00eddo por garimpeiros que deixam um\u00a0rastro de destrui\u00e7\u00e3o\u00a0por onde passam. A atividade ilegal \u00e9 favorecida por legisla\u00e7\u00e3o fr\u00e1gil e fiscaliza\u00e7\u00e3o prec\u00e1ria, que abrem espa\u00e7o para que o metal precioso saia dos confins da floresta e seja comercializado em barras ou em joias nos grandes centros urbanos do Brasil e do exterior.<\/p>\n\n\n\n

A lei em vigor estipula que o garimpeiro que vende ouro a uma empresa preencha, ele mesmo, uma nota fiscal em papel indicando o local de onde o metal foi extra\u00eddo. Al\u00e9m disso, segundo a norma \u00e9 presumida a boa-f\u00e9 do vendedor, isentando o comprador da necessidade de checar a origem do ouro ou da responsabilidade por eventuais declara\u00e7\u00f5es falsas.<\/p>\n\n\n\n

Como o Brasil n\u00e3o tem um sistema eficiente de rastreabilidade do ouro, se a Pol\u00edcia Federal (PF) recebe alguma den\u00fancia ou suspeita de fraude, precisa checar uma a uma as informa\u00e7\u00f5es indicadas nas notas fiscais e as lavras de onde o ouro supostamente foi retirado \u2013 uma investiga\u00e7\u00e3o dif\u00edcil de produzir resultado.<\/p>\n\n\n\n

Por esse motivo, alguns especialistas ouvidos pela DW afirmam que melhorar o rastreio na comercializa\u00e7\u00e3o de ouro no Brasil seria, no longo prazo, at\u00e9 mais importante do que impedir a entrada de garimpeiros nas reservas ind\u00edgenas, como vem sendo feito em car\u00e1ter emergencial na Terra Ind\u00edgena (TI) Yanomami.<\/p>\n\n\n\n

O caminho do ouro ilegal<\/h2>\n\n\n\n

Atualmente, o garimpeiro leva o ouro que extraiu a uma Distribuidora de T\u00edtulos e Valores Mobili\u00e1rios (DTVM), que s\u00e3o empresas autorizadas pelo Banco Central e pela Receita Federal a comprar o metal. Ele indica ent\u00e3o na nota fiscal o local de onde o ouro foi extra\u00eddo, a chamada Permiss\u00e3o de Lavra Garimpeira (PLG).<\/p>\n\n\n\n

As lavras garimpeiras s\u00e3o autorizadas pela Ag\u00eancia Nacional de Minera\u00e7\u00e3o (ANM) a pessoas f\u00edsicas, com 50 hectares, e jur\u00eddicas, com 1.000 hectares. Em ambos os casos, \u00e9 necess\u00e1rio obter licen\u00e7a ambiental do \u00f3rg\u00e3o onde a lavra est\u00e1 situada e um descritivo t\u00e9cnico de como ela ser\u00e1 explorada, assinada por um ge\u00f3logo.<\/p>\n\n\n\n

Na teoria, a lavra garimpeira serve para identificar a origem do ouro. Na pr\u00e1tica, sua exist\u00eancia no formato atual serve, em muitos casos, para mascarar o metal obtido ilegalmente. \u00c9 o que se convencionou chamar de “garimpo fantasma”, termo cunhado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em um estudo feito em parceria com o Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal e divulgado em agosto de 2020.<\/p>\n\n\n\n

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Garimpeiro ilegal mostra ouro extra\u00eddo da regi\u00e3o da Floresta Amaz\u00f4nica<\/figcaption><\/figure>\n\n\n\n

Por meio de imagens de sat\u00e9lite, os pesquisadores cruzaram a origem declarada do ouro com a geolocaliza\u00e7\u00e3o das lavras garimpeiras. Eles descobriram que muitas lavras, onde deveria haver extra\u00e7\u00e3o do metal, s\u00f3 existia mata nativa, sem qualquer interven\u00e7\u00e3o humana. Assim, os especialistas entendem que aquela \u00e1rea serviu para “legalizar” ouro extra\u00eddo irregularmente \u2013 de uma reserva ind\u00edgena, por exemplo.<\/p>\n\n\n\n

O esquema revelado pelos pesquisadores em parceria com o MPF mostrou que, de 2019 a 2020, 6,3 toneladas de ouro produzidas no pa\u00eds vieram de lavras sem garimpo, com movimenta\u00e7\u00e3o aproximada de R$ 1,2 bilh\u00e3o. Vender ouro cuja origem \u00e9 fraudada pode ser enquadrado como crime de lavagem de dinheiro e falsidade ideol\u00f3gica.<\/p>\n\n\n\n

A dif\u00edcil puni\u00e7\u00e3o dos envolvidos<\/h2>\n\n\n\n

No momento de vender o ouro para uma DTVM, o garimpeiro escreve na nota fiscal seus dados pessoais, a quantidade e a origem do metal. “\u00c9 uma autodeclara\u00e7\u00e3o. Ele n\u00e3o vai dizer que retirou ouro da Terra Ind\u00edgena Yanomami, mas vai colocar a identifica\u00e7\u00e3o de uma lavra garimpeira qualquer”, afirma Larissa Rodrigues, gerente do Instituto Escolhas, organiza\u00e7\u00e3o da sociedade civil que desenvolve estudos e an\u00e1lises econ\u00f4micas para o desenvolvimento sustent\u00e1vel.<\/p>\n\n\n\n

Segundo um levantamento feito pela organiza\u00e7\u00e3o com base em 40 mil registros de comercializa\u00e7\u00e3o do metal, cerca de 229 toneladas de ouro vendidas no pa\u00eds de 2015 a 2020 tinham ind\u00edcios de irregularidades. “Quem compra esse ouro, a DTVM, se resguarda baseada na lei que est\u00e1 em vigor. Por isso, \u00e9 muito dif\u00edcil responsabilizar as pessoas que est\u00e3o cometendo ilegalidades. \u00c9 importante que n\u00f3s possamos melhorar a legisla\u00e7\u00e3o rapidamente”, diz.<\/p>\n\n\n\n

Em agosto do ano passado, um projeto de lei apresentado pelas ent\u00e3o deputadas federais\u00a0Jo\u00eania Wapichana\u00a0(Rede-RR), atual presidente da Funai, e Vivi Reis (PSOL\/PA)\u00a0prop\u00f4s endurecer as regras sobre venda e compra de ouro e ampliar sua rastreabilidade. Esse texto tem apoio da Receita Federal, do Banco Central e da ANM, e \u00e9 avaliado pelo governo federal para ser possivelmente editado como medida provis\u00f3ria.<\/p>\n\n\n\n

“Essa facilidade com que o ouro ilegal entra no mercado formal estimula as invas\u00f5es em terras ind\u00edgenas e das unidades de conserva\u00e7\u00e3o. Mudar a legisla\u00e7\u00e3o, mas n\u00e3o s\u00f3 isso, vai inibir a presen\u00e7a dos criminosos n\u00e3o s\u00f3 na Terra Ind\u00edgena Yanomami, mas em outras regi\u00f5es, como no Par\u00e1”, afirma Rodrigues.<\/p>\n\n\n\n

Investiga\u00e7\u00f5es em andamento<\/h2>\n\n\n\n

Gustavo Geiser, perito da Pol\u00edcia Federal (PF) em Santar\u00e9m, no Par\u00e1, afirma que esse projeto de lei tem um texto “maduro” e com boas proposi\u00e7\u00f5es, e que se o governo transform\u00e1-lo em uma medida provis\u00f3ria ser\u00e1 “algo a se comemorar”.<\/p>\n\n\n\n

A regi\u00e3o de atua\u00e7\u00e3o de Geiser \u00e9 crucial para entender o caminho do ouro ilegal no Brasil, sobretudo o extra\u00eddo em Roraima, onde fica parte da\u00a0Terra Ind\u00edgena Yanomami\u00a0afetada pelo garimpo. Em cidades paraenses, incluindo Santar\u00e9m e Itaituba, onde tamb\u00e9m h\u00e1 intensa atividade garimpeira, o metal irregular \u00e9 “legalizado” ao ser vendido em DTVMs amparadas pela boa-f\u00e9 que resguarda dos compradores.<\/p>\n\n\n\n

Como mostrou uma reportagem da ag\u00eancia independente Rep\u00f3rter Brasil, em junho de 2021, baseada em inqu\u00e9ritos da PF, o ouro extra\u00eddo da Terra Ind\u00edgena Yanomami estava sendo comercializado nas lojas F’D Gold e Ourominas, ambas em Itaituba.<\/p>\n\n\n\n

As duas empresas est\u00e3o sendo investigadas pela Justi\u00e7a brasileira, mas negam qualquer irregularidade. “Essa \u00e9 uma circula\u00e7\u00e3o que n\u00f3s investigamos. H\u00e1 muito ouro ilegal e legal circulando aqui. H\u00e1 uma rela\u00e7\u00e3o log\u00edstica nesse sentido. O mesmo grupo que circula em Roraima, circula no Par\u00e1 tamb\u00e9m”, diz Geiser.<\/p>\n\n\n\n

Tecnologia como aliada<\/h2>\n\n\n\n

Para ele, parte do problema da circula\u00e7\u00e3o do ouro ilegal poderia ser resolvida com a tecnologia. “O ponto central \u00e9 a possibilidade de ter um banco de dados. O ouro que \u00e9 comprado no Brasil n\u00e3o \u00e9 registrado. N\u00f3s precisamos ter a tecnologia a nosso favor”, diz.<\/p>\n\n\n\n

Rodrigues, do Instituto Escolhas, corrobora. “\u00c9 preciso haver um rastreio capaz que demonstre esse fluxo desde a extra\u00e7\u00e3o. Uma possibilidade \u00e9 a nota fiscal eletr\u00f4nica, mas h\u00e1 outras alternativas”, diz. Ela cita como exemplo a utiliza\u00e7\u00e3o de registros similares aos de blockchain, capaz de integrar os dados e informa\u00e7\u00f5es dos processos miner\u00e1rios e dos fluxos de produ\u00e7\u00e3o, e a implementa\u00e7\u00e3o de cadastro digital de todas as pessoas f\u00edsicas e jur\u00eddicas aptas a movimentar e comercializar ouro.<\/p>\n\n\n\n

Na PF, Geiser chama a aten\u00e7\u00e3o para o programa Ouro Alvo, que busca criar um acervo com part\u00edculas de ouro do Brasil e identificar irregularidades. De 2019 a junho de 2022, a PF apreendeu 733 quilos do metal em opera\u00e7\u00f5es no pa\u00eds. “O ouro muda de acordo com a regi\u00e3o do pa\u00eds. A inten\u00e7\u00e3o \u00e9 para seguir mapeando as caracter\u00edsticas do ouro e coibir ilegalidades”, diz.<\/p>\n\n\n\n

Apesar de estarem amparados pela lei, Rodrigues afirma que compradores nacionais e internacionais precisam exigir de seus fornecedores mais indicativos de que o ouro vendido n\u00e3o tem origem ilegal. Ela ressalta que pelo menos 50% do metal negociado pelo Brasil tem sangue ind\u00edgena ou est\u00e1 relacionado ao desmatamento.<\/p>\n\n\n\n

Nos \u00faltimos meses, a PF tem tentado rastrear o\u00a0caminho do ouro rumo \u00e0 Europa. Em outubro de 2021, a Rep\u00f3rter Brasil mostrou que a BP Trading, principal exportadora de ouro do pa\u00eds, tinha neg\u00f3cios com empresas nacionais investigadas por aquisi\u00e7\u00e3o do metal oriundo de terras ind\u00edgenas. A BP\u00a0Trading afirmou na \u00e9poca\u00a0em nota que\u00a0“mant\u00e9m rigorosos controles quanto \u00e0 origem do mineral adquirido de seus fornecedores” e que \u00e9 “condi\u00e7\u00e3o inafast\u00e1vel para a realiza\u00e7\u00e3o de suas opera\u00e7\u00f5es que o min\u00e9rio esteja acompanhado da devida documenta\u00e7\u00e3o pertinente exigida pela legisla\u00e7\u00e3o em vigor”.<\/p>\n\n\n\n

“Praticamente todo o ouro do Brasil \u00e9 exportado para grandes economias, como Canad\u00e1, Su\u00ed\u00e7a, Reino Unido [e outras na] Europa. N\u00f3s sabemos que n\u00e3o h\u00e1 um certificado de pureza ou algo similar, mas essas empresas internacionais precisam pressionar por algo nesse sentido. E, se houver desconfian\u00e7a quanto \u00e0 proced\u00eancia, n\u00e3o comprar”, afirma Rodrigues.<\/p>\n\n\n\n

O outro lado<\/h2>\n\n\n\n

Ap\u00f3s a publica\u00e7\u00e3o da reportagem, a Ourominas entrou em contato com a DW Brasil por e-mail. “A OM DTVM n\u00e3o compactua com o garimpo ilegal e com a viola\u00e7\u00e3o ao meio ambiente, sejam na Amaz\u00f4nia ou em qualquer local do Brasil”, diz o texto enviado \u00e0 reda\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

“A OM nunca teve nenhuma representa\u00e7\u00e3o\/PCO no Estado de Roraima. Estamos solid\u00e1rios com a situa\u00e7\u00e3o dos ind\u00edgenas yanomamis”, diz a Ourominas, que ainda elenca a certifica\u00e7\u00e3o de opera\u00e7\u00e3o da empresa em institui\u00e7\u00f5es como o Conselho Monet\u00e1rio Nacional (CMN), Banco Central e CVM.<\/p>\n\n\n\n

Segundo a empresa, “os devidos esclarecimentos foram e est\u00e3o sendo dados para o Poder Judici\u00e1rio. Tanto que, em recente decis\u00e3o de setembro de 2022, a Justi\u00e7a Federal do Par\u00e1 indeferiu pedido liminar em a\u00e7\u00e3o que acusava a empresa em suposta compra ilegal de ouro”, diz o documento.<\/p>\n\n\n\n

A Ourominas tamb\u00e9m criticou a pesquisa do Instituto Escolhas, citado na reportagem da DW, dizendo que o estudo “\u00e9 totalmente gen\u00e9rico, inconclusivo e parcial”. “A empresa \u00e9 favor\u00e1vel \u00e0\u00a0cria\u00e7\u00e3o de sistemas que ofere\u00e7am maior seguran\u00e7a \u00e0 aquisi\u00e7\u00e3o do ouro como, por exemplo, a nota fiscal eletr\u00f4nica e a biblioteca de ouro”, e afirma que debate o tema com o BC, a Ag\u00eancia Nacional de Minera\u00e7\u00e3o e a AGU desde 2019.<\/p>\n\n\n\n

Fonte: Deutsche Welle<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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