{"id":31261,"date":"2004-03-08T00:00:00","date_gmt":"2004-03-08T00:00:00","guid":{"rendered":""},"modified":"2004-03-08T00:00:00","modified_gmt":"2004-03-08T00:00:00","slug":"a-chuva-e-o-pib","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/artigos\/2004\/03\/08\/31261-a-chuva-e-o-pib.html","title":{"rendered":"A Chuva e o PIB"},"content":{"rendered":"

Efraim Rodrigues (*)
\n<\/strong> <\/p>\n

O desmatamento no arco de fogo na Amaz\u00f4nia continua muito bem, obrigado, e parece obedecer mais aos ciclos de para\/anda da economia brasileira, do que aos sempre renovados programas de fiscaliza\u00e7\u00e3o de desmatamento e queimadas. Quer saber quanto se desmatou no ano passado? Olhe para o PIB, n\u00e3o para a imagem de sat\u00e9lite. O rec\u00e9m sa\u00eddo valor do PIB, negativo, mostra que a coisa deve ter sido menos ruim em 2003. Com a economia parada, n\u00e3o se desmata. Ou seja; estivemos pobres mas parcialmente reconfortados pela redu\u00e7\u00e3o das taxas de desmatamento.<\/p>\n

Al\u00e9m do PIB, outra coisa que andou virada em 2003, pelo menos no sul-sudeste, foram as chuvas. Digo virada, porque assim como com a economia (que enriqueceu os ricos e empobreceu os pobres) choveu onde n\u00e3o tinha que chover. N\u00e3o choveu nos reservat\u00f3rios paulistanos, que est\u00e3o secos, mas choveu nas cidades. N\u00e3o choveu na agricultura no interior, mas choveu no litoral, para acabar com o feriado de todos.<\/p>\n

Os que quiserem colocar a culpa nos des\u00edgnios divinos, que o fa\u00e7am e economizem o tempo de terminar de ler esta coluna.<\/p>\n

No caso de S\u00e3o Paulo, a chuva que alaga a rua, mas n\u00e3o enche o reservat\u00f3rio, \u00e9 uma praga criada pelos pr\u00f3prios paulistanos. Desde 1984, a Dra Magda Lombardo, da Geografia da USP, vem falando sobre a forma\u00e7\u00e3o de ilhas de calor em grandes cidades como S\u00e3o Paulo. O efeito estufa local causado pela polui\u00e7\u00e3o, somado \u00e0s grandes extens\u00f5es de asfalto e concreto, fazem com que a coisa ferva, especialmente nos bairros menos arborizados.<\/p>\n

L\u00e1 naqueles idos dos anos 80, eu trabalhava para um mutir\u00e3o de constru\u00e7\u00e3o de casas no Jardim \u00c2ngela, pertinho de onde um menino chamado Cafu deveria estar jogando futebol. As fotos do lugar parecem ainda piores que as que chegam de Marte. Um calor infernal. Freq\u00fcentemente, eu ia almo\u00e7ar na casa dos meus pais, j\u00e1 em um lugar mais arborizado, alguns quil\u00f4metros longe, e a mudan\u00e7a de temperatura era radical.<\/p>\n

Pois bem. A brisa mar\u00edtima que entra em S\u00e3o Paulo encontra o ar aquecido do centro da cidade. Este ar mar\u00edtimo carregado de \u00e1gua \u00e9 empurrado para cima, e l\u00e1, estando mais frio, a umidade se condensa como no copo de cerveja, causando as imagens t\u00e3o queridas aos jornais televisivos paulistanos ao cair da tarde. Ao sul, onde est\u00e3o os reservat\u00f3rios, \u00e9 menos urbanizado, e n\u00e3o chove.<\/p>\n

A coisa est\u00e1 virada tamb\u00e9m na regi\u00e3o norte. Historicamente, as queimadas pequenas, coivaras, eram feitas logo antes das chuvas, para que as cinzas junto com a \u00e1gua, criassem as condi\u00e7\u00f5es para um bom crescimento de plantas como mandioca e milho no ver\u00e3o. Isto foi no tempo da coivara. Os grandes desmatamentos com tratores de esteira e corrent\u00e3o queimam biomassa suficiente para manter aeroportos fechados por dias a fio, e d\u00e3o uma cara cinzenta para a regi\u00e3o durante a \u00e9poca de queimadas, e pior do que isto, como se publicou na revista Science nesta semana, bagun\u00e7am o regime de chuvas.<\/p>\n

As gotas de chuva se formam quando o vapor de \u00e1gua se agrega ao redor de N\u00facleos de Condensa\u00e7\u00e3o de Nuvens. \u00c9 como um sogro, ao qual mais e mais genros v\u00e3o se agregando at\u00e9 que o peso \u00e9 t\u00e3o grande, que o coitado cai em queda livre. Em regi\u00f5es de cultivo de ma\u00e7\u00e3, por exemplo, se espalham N\u00facleos de Condensa\u00e7\u00e3o para que as gotas sejam menores e reduzam o preju\u00edzo das chuvas de granizo. \u00c9 como se espalhassem sogros por a\u00ed, para dividir o peso dos genros. Na regi\u00e3o norte, as queimadas aumentam tanto a quantidade de n\u00facleos de condensa\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o chove. Os n\u00facleos n\u00e3o agregam o vapor de \u00e1gua necess\u00e1rio para cair. <\/p>\n

Com queimada e sem chuva a coisa fica preta (desculpem o humor irremediavelmente negro). N\u00e3o h\u00e1 vegeta\u00e7\u00e3o para manter o fluxo constante de \u00e1gua para a atmosfera, e n\u00e3o h\u00e1 \u00e1gua de cima para umedecer o solo. <\/p>\n

Deixo voc\u00eas e vou tentar beber meu copo hor\u00e1rio de \u00e1gua, enquanto isto \u00e9 ainda poss\u00edvel.<\/p>\n

* \u00c9 Ph.D. em Ecologia pela Harvard University, professor adjunto de Recursos Naturais da UEL e autor do Livro Biologia da Conserva\u00e7\u00e3o. <\/strong><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

No caso de S\u00e3o Paulo, a chuva que alaga a rua, mas n\u00e3o enche o reservat\u00f3rio, \u00e9 uma praga criada pelos pr\u00f3prios paulistanos. <\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[5],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/31261"}],"collection":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=31261"}],"version-history":[{"count":0,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/31261\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=31261"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=31261"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/localhost\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=31261"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}