{"id":31280,"date":"2007-05-21T00:00:00","date_gmt":"2007-05-21T00:00:00","guid":{"rendered":""},"modified":"2007-05-21T00:00:00","modified_gmt":"2007-05-21T00:00:00","slug":"terra-vai-dar-o-troco-por-aquecimento-diz-cientista","status":"publish","type":"post","link":"http:\/\/localhost\/clipping\/2007\/05\/21\/31280-terra-vai-dar-o-troco-por-aquecimento-diz-cientista.html","title":{"rendered":"Terra vai dar o troco por aquecimento, diz cientista"},"content":{"rendered":"
Explica-se: “A Vingan\u00e7a de Gaia” parte do pressuposto de que a humanidade j\u00e1 pode ter danificado de forma irrevers\u00edvel o sistema intrincado que faz do planeta um lugar acolhedor para as formas de vida. \u00c9 verdade que pouca gente est\u00e1 mais qualificado do que Lovelock para fazer esse diagn\u00f3stico de “m\u00e9dico planet\u00e1rio”. Ele \u00e9 um dos pioneiros nos estudos que tentam enxergar a Terra como um sistema \u00fanico, interligado de forma complexa e auto-reguladora.<\/p>\n
As pesquisas de Lovelock sobre a “fisiologia” do planeta abriram caminho para a descoberta de problemas como o buraco na camada de oz\u00f4nio e o aquecimento global causado pela emiss\u00e3o de combust\u00edveis f\u00f3sseis. Ainda nos anos 1960, ao trabalhar com a Nasa, ele intuiu (corretamente, como logo comprovariam miss\u00f5es espaciais n\u00e3o-tripuladas) que planetas como o Marte e V\u00eanus estavam essencialmente mortos, dado o estado de equil\u00edbrio qu\u00edmico de suas atmosferas.<\/p>\n
O brit\u00e2nico, por\u00e9m, foi al\u00e9m. Lovelock come\u00e7ou a ver o equil\u00edbrio din\u00e2mico do planeta como um esfor\u00e7o (inconsciente, \u00e9 claro, mas direcionado e poderoso) da Terra inteira para conservar indefinidamente as condi\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis aos seres vivos. O planeta, em outras palavras, \u00e9 um superorganismo – que ganhou o nome grego de Gaia, a M\u00e3e Terra da mitologia pag\u00e3.<\/p>\n
O temor de Lovelock \u00e9 que a humanidade tenha causado \u00e0 M\u00e3e Terra uma febre t\u00e3o inc\u00f4moda, ao lan\u00e7ar na atmosfera os gases da queima de combust\u00edveis f\u00f3sseis, que ela se veja for\u00e7ada a saltar para um novo estado de equil\u00edbrio, bem mais quente que o atual.<\/p>\n
Esse estado aquecido, sem precedentes nos \u00faltimos 55 milh\u00f5es de anos, n\u00e3o seria um mero inc\u00f4modo, do tipo que exige ampliar o n\u00famero de aparelhos de ar-condicionado per capita. Pelo contr\u00e1rio, a nova Gaia ser\u00e1 qualitativamente diversa da atual, fortemente empobrecida em termos de quantidade e diversidade de vida, de tal forma que a pr\u00f3pria civiliza\u00e7\u00e3o humana estaria amea\u00e7ada. Sobreviver\u00edamos como esp\u00e9cie, \u00e9 verdade – mas virar\u00edamos um punhado de refugiados, empobrecidos e quase selvagens. Numa descri\u00e7\u00e3o memor\u00e1vel, o cientista v\u00ea uma fam\u00edlia migrando pelo deserto rumo a um o\u00e1sis nas atuais regi\u00f5es polares, arrastando seu camelo pelas r\u00e9deas.<\/p>\n
Boa ci\u00eancia, m\u00e1 futurologia?<\/strong><\/p>\n Soa absurdo, de fato, mas seria injusto reduzir o livro a esse argumento. Lovelock tra\u00e7a uma explica\u00e7\u00e3o magistral de sua teoria de Gaia e exp\u00f5e os resultados mais recentes da ci\u00eancia clim\u00e1tica com grande clareza. E, do ponto de vista cient\u00edfico, parece dif\u00edcil discordar da proje\u00e7\u00e3o da Terra quente como um lugar mais pobre de vida.<\/p>\n A explica\u00e7\u00e3o \u00e9 simples, e vem do mar. Cobrindo a imensa maioria da superf\u00edcie do nosso planeta, o oceano, nas regi\u00f5es tropicais, \u00e9 um enorme deserto, menos nos lugares perto dos continentes onde subst\u00e2ncias nutritivas vindas da terra firme o fertilizam. Mas, paradoxo dos paradoxos, em \u00e1guas com temperatura igual ou inferior a cerca de 10 graus Celsius, a vida explode.<\/p>\n O motivo \u00e9 que, nos mares quentes, forma-se uma camada superficial est\u00e1vel de \u00e1gua morna, que n\u00e3o se mistura com as \u00e1guas frias e fundas abaixo dela. Acontece que essas \u00e1guas das profundezas s\u00e3o ricas em nutrientes: sem eles, as algas de uma s\u00f3 c\u00e9lula que capturam a luz do Sol e produzem comida para todos os outros seres marinhos n\u00e3o sobrevivem. Por\u00e9m, em mares frios, toda a coluna d’\u00e1gua permanece bem misturada o tempo todo, de maneira que nunca falta comida. Assim, se comparada \u00e1rea por \u00e1rea com a atual, a Terra superaquecida \u00e9 muito mais um deserto do que uma floresta tropical.<\/p>\n Lovelock tamb\u00e9m acerta em cheio ao dar um tranco na complac\u00eancia que parece ter tomado conta da civiliza\u00e7\u00e3o ocidental. Ele deixa claro qu\u00e3o v\u00e3 \u00e9 a id\u00e9ia de que ser\u00e1 poss\u00edvel vencer o desafio do aquecimento global sem alterar um mil\u00edmetro dos atuais padr\u00f5es de vida e consumo, dirigindo a mesma quantidade absurda de carros ou usando a mesma quantidade obscena de terras para cultivo e cria\u00e7\u00e3o intensivos, enquanto as florestas tropicais, essenciais para o sistema clim\u00e1tico, v\u00e3o sendo derrubadas.<\/p>\n Mas Lovelock tamb\u00e9m tem suas bordoadas preparadas para o movimento ambientalista, cujo medo paran\u00f3ico da energia nuclear e dos “produtos qu\u00edmicos” pode, na verdade, ter agravado a crise do clima. A tecnologia nuclear, como mostra o cientista de forma persuasiva, \u00e9 essencialmente segura e causa dano quase nulo ao sistema clim\u00e1tico. Usar a energia do vento, das mar\u00e9s e do Sol pode at\u00e9 ser o futuro, mas n\u00e3o podemos nos dar ao luxo de esperar que essas tecnologias amadure\u00e7am para agir, alerta ele.<\/p>\n A nota de urg\u00eancia na voz de Lovelock \u00e9 justificada. Mas o livro perde sua estatura moral normalmente alta quando o autor deixa de lado o rigor cient\u00edfico e mostra como muito prov\u00e1vel a imin\u00eancia de um desastre clim\u00e1tico repentino e irrevers\u00edvel. Por enquanto, podemos dizer sem medo de errar que a mudan\u00e7a ser\u00e1 perturbadora, empobrecedora e altamente desagrad\u00e1vel – mas n\u00e3o catastr\u00f3fica. Ao carregar nas tintas e usar o medo como arma de conscientiza\u00e7\u00e3o, Lovelock corre o risco de atrair um efeito colateral dos mais indesej\u00e1veis: tirar do p\u00fablico a sensibilidade diante de um problema muito real quando os desastres n\u00e3o vierem. \u00c9 uma corda bamba na qual todos n\u00f3s teremos de aprender a caminhar.
\n(Fonte: Reinaldo Jos\u00e9 Lopes \/ Portal G1)<\/em><\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"