O talento de Zhang Wuben como vendedor \u00e9 inquestion\u00e1vel. Atrav\u00e9s de programas de televis\u00e3o, DVDs e um livro best-seller, ele convenceu milh\u00f5es de pessoas de que berinjela crua e feij\u00e3o verde em grande quantidade podem curar l\u00fapus, diabetes, depress\u00e3o ou c\u00e2ncer.<\/p>\n

Na China, os pacientes com doen\u00e7as graves pagam US$ 450 por uma consulta de 10 minutos e recebem uma receita. Mas com Zhang isto n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, pois ele \u00e9 um dos profissionais mais populares da tradicional medicina chinesa e sua agenda est\u00e1 lotada at\u00e9 2012.<\/p>\n

No entanto, quando o pre\u00e7o do feij\u00e3o verde disparou nesta primavera, os jornalistas chineses come\u00e7aram a ir mais fundo. Eles descobriram que, ao contr\u00e1rio do que dizia, Zhang, 47, n\u00e3o pertence a uma fam\u00edlia de m\u00e9dicos (o pai era tecel\u00e3o). Ele tampouco se formou pela Universidade de Medicina de Pequim (sua \u00fanica educa\u00e7\u00e3o formal foi o curso por correspond\u00eancia feito depois que ele perdeu o emprego em uma ind\u00fastria t\u00eaxtil).<\/p>\n

A revela\u00e7\u00e3o das credenciais falsas de Zhang provocou discuss\u00f5es sobre as pr\u00e1ticas desonestas que permeiam a sociedade chinesa, criticadas por estudiosos e por seus pr\u00f3prios cidad\u00e3os.<\/p>\n

Tais pr\u00e1ticas incluem trapa\u00e7as de alunos nos vestibulares, intelectuais que promovem pesquisas falsas ou plagiadas e ind\u00fastrias de latic\u00ednios que vendem leite envenenado para crian\u00e7as.<\/p>\n

As \u00faltimas revela\u00e7\u00f5es s\u00e3o ainda mais chocantes. Ap\u00f3s um acidente de avi\u00e3o, que matou 42 pessoas no nordeste da China em agosto, foi descoberto que 100 pilotos da companhia \u00e1erea haviam falsificado seus hist\u00f3ricos de v\u00f4o. Em seguida, houve o esc\u00e2ndalo de Tang Jun, o milion\u00e1rio ex-chefe da Microsoft na China e uma esp\u00e9cie de her\u00f3i nacional, que falsamente afirmou possuir doutorado do Instituto de Tecnologia da Calif\u00f3rnia.<\/p>\n

Os pa\u00edses est\u00e3o imunes a fraudes de alta repercuss\u00e3o. O doping nos esportes e a corrup\u00e7\u00e3o em Wall Street s\u00e3o os esc\u00e2ndalos do momento nos Estados Unidos. Mas na China, a falsifica\u00e7\u00e3o em uma \u00e1rea em particular – a educa\u00e7\u00e3o e investiga\u00e7\u00e3o cient\u00edfica \u2013 j\u00e1 se alastrou a ponto de prejudicar a escalada econ\u00f4mica do pa\u00eds.<\/p>\n

A China investe recursos significativos na constru\u00e7\u00e3o de um sistema de ensino de n\u00edvel internacional e pesquisas pioneiras em ci\u00eancias e mercados competitivos. Al\u00e9m disso, o pa\u00eds tem alcan\u00e7ado not\u00e1vel sucesso em redes de computadores, energia limpa e tecnologia militar.<\/p>\n

Mas a falta de integridade entre os pesquisadores est\u00e1 atrapalhando seu potencial e prejudicando a colabora\u00e7\u00e3o entre pesquisadores chineses e seus colegas de outros pa\u00edses.<\/p>\n

“Se n\u00e3o mudarmos nossas maneiras, seremos exclu\u00eddos da comunidade acad\u00eamica global”, declara Zhang Ming, professor de rela\u00e7\u00f5es internacionais na Universidade Renmin, em Pequim. “Precisamos nos concentrar em buscar a verdade, em vez de seguir a agenda de algum burocrata ou satisfazer o desejo de lucro pessoal”.<\/p>\n

A press\u00e3o feita sobre os pesquisadores pelos administradores das universidades p\u00fablicas para que publiquem artigos em revistas cient\u00edficas – uma medida de inova\u00e7\u00e3o – produziu uma avalanche de pesquisas plagiadas ou fabricadas. Em dezembro, um jornal brit\u00e2nico especializado em forma\u00e7\u00f5es de cristais anunciou a retirada de mais de 70 trabalhos de autores chineses, cuja originalidade e rigor estavam sendo questionados.<\/p>\n

Em um editorial publicado no in\u00edcio deste ano, a revista m\u00e9dica brit\u00e2nica \u201cThe Lancet\u201d advertiu que pesquisas falsas ou plagiadas representavam uma amea\u00e7a \u00e0 promessa do presidente Hu Jintao de transformar a China em uma “superpot\u00eancia em pesquisas” at\u00e9 2020. “Est\u00e1 claro que o governo chin\u00eas deve pegar este epis\u00f3dio como exemplo para revigorar os padr\u00f5es de ensino de \u00e9tica em pesquisa e para a realiza\u00e7\u00e3o das pesquisas em si”, relatou o editorial.<\/p>\n

Software detecta pl\u00e1gios<\/strong> – Em setembro, uma colet\u00e2nea de peri\u00f3dicos cient\u00edficos publicados pela Universidade de Zhejiang, em Hangzhou, reacendeu a fogueira ao divulgar os resultados de uma experi\u00eancia de 20 meses com um software que detecta pl\u00e1gios.<\/p>\n

O software, chamado de \u201cCrossCheck\u201d, rejeitou quase um ter\u00e7o de todos os trabalhos, sob suspeita de que os conte\u00fados tenham sido pirateados a partir de pesquisas anteriormente publicadas. Em alguns casos, mais de 80 por cento do conte\u00fado foi considerado c\u00f3pia.<\/p>\n

A editora das publica\u00e7\u00f5es, Zhang Yuehong, enfatizou que nem todos os artigos plagiados eram origin\u00e1rios da China, mas se recusou a revelar mais detalhes.”Alguns eram da Coreia do Sul, \u00cdndia e Ir\u00e3”, disse ela.<\/p>\n

Os artigos especializados em medicina, f\u00edsica, engenharia e ci\u00eancia da computa\u00e7\u00e3o, foram os primeiros na China a utilizar o software. \u201cNo momento, eles s\u00e3o os \u00fanicos que o utilizam\u201d, acrescentou ela.<\/p>\n

As descobertas n\u00e3o surpreendem se considerarmos os resultados de um estudo recente do governo, em que um ter\u00e7o dos 6.000 cientistas de seis das maiores institui\u00e7\u00f5es do pa\u00eds admitiram que haviam se envolvido com pl\u00e1gio ou com a inven\u00e7\u00e3o de dados para pesquisas. Em outro estudo com 32 mil cientistas, feito no ver\u00e3o passado pela Associa\u00e7\u00e3o Chinesa para Ci\u00eancia e Tecnologia, mais de 55% disseram que conheciam algu\u00e9m que j\u00e1 tenha cometido fraude acad\u00eamica.<\/p>\n

Fang Shimin, um escritor sensacionalista que se tornou um famoso defensor da integridade acad\u00eamica, diz que o problema come\u00e7ou com o sistema universit\u00e1rio estatal, no qual burocratas nomeados politicamente t\u00eam pouca experi\u00eancia nas \u00e1reas que supervisionam. Devido \u00e0 grande concorr\u00eancia para bolsas de estudos, aux\u00edlio moradia e aperfei\u00e7oamento de carreira, os funcion\u00e1rios baseiam suas decis\u00f5es no n\u00famero de artigos publicados.<\/p>\n

“Mesmo os artigos falsos contam, pois ningu\u00e9m realmente os l\u00ea”, afirma Fang, que \u00e9 mais conhecido pelo pseud\u00f4nimo Fang Zhouzi. Seu site \u201cNew Threads\u201d j\u00e1 desvelou mais de 900 casos de falsifica\u00e7\u00e3o, alguns envolvendo reitores de universidades e pesquisadores de renome.<\/p>\n

Quando o pl\u00e1gio \u00e9 exposto, colegas e l\u00edderes estudantis geralmente defendem o acusado. Fang explica que isso acontece em parte com o objetivo de preservar as rela\u00e7\u00f5es e proteger a reputa\u00e7\u00e3o da institui\u00e7\u00e3o. Mas o outro motivo, segundo ele, \u00e9 mais preocupante: s\u00e3o poucos os acad\u00eamicos id\u00f4neos, que podem apontar o dedo para acusar os outros.<\/p>\n

O resultado \u00e9 que muitas vezes os plagiadores n\u00e3o s\u00e3o punidos, o que acaba incentivando esta pr\u00e1tica, afirma Zeng Guoping, diretor do Instituto de Ci\u00eancia, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Tsinghua, em Pequim, que ajudou na pesquisa feita com 6.000 acad\u00eamicos.<\/p>\n

Ele cita o caso de Chen Jin, um cientista da computa\u00e7\u00e3o que j\u00e1 foi c\u00e9lebre por ter inventado um microprocessador sofisticado, mas que na verdade utilizou um chip fabricado pela Motorola, riscou o nome da empresa e alegou ser inven\u00e7\u00e3o sua. A revela\u00e7\u00e3o da fraude, em 2006, causou constrangimento na comunidade cient\u00edfica que o apoiava.<\/p>\n

Chen perdeu seu cargo na universidade, mas nunca foi processado.”Quando as pessoas v\u00eaem que os acusados continuam dirigindo seus carros vistosos, o mau exemplo est\u00e1 dado”, declara Zeng.<\/p>\n

5 mil revistas acad\u00eamicas<\/strong> – O governo chin\u00eas prometeu resolver o problema. Editoriais de jornais estatais t\u00eam condenado frequentemente o pl\u00e1gio. No m\u00eas passado, Liu Dongdong, membro do Politburo que supervisiona as publica\u00e7\u00f5es, prometeu fechar algumas das cerca de 5.000 revistas acad\u00eamicas, cujo motivo \u00fanico para existir, segundo dizem os estudiosos, \u00e9 proporcionar uma sa\u00edda para professores e doutorandos que queiram inflar suas credenciais de publica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Os jornalistas Fang Shimin e Fang Xuanchang j\u00e1 ouviram promessas e amea\u00e7as antes. Em 2004 e 2006, o Minist\u00e9rio da Educa\u00e7\u00e3o anunciou campanhas contra fraudes, mas os dois grupos respons\u00e1veis pela solu\u00e7\u00e3o do problema ainda n\u00e3o aplicaram nenhuma puni\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Nos \u00faltimos anos, os dois jornalistas investigaram Xiao Chuanguo, urologista inventor de um procedimento cir\u00fargico que visa restaurar a fun\u00e7\u00e3o da bexiga em crian\u00e7as com espinha b\u00edfida, uma deforma\u00e7\u00e3o cong\u00eanita da coluna vertebral, que pode levar \u00e0 incontin\u00eancia e, insufici\u00eancia renal e at\u00e9 \u00e0 morte.<\/p>\n

Em uma s\u00e9rie de reportagens e postagens em blog, os jornalistas revelaram discrep\u00e2ncias no site de Xiao, incluindo alega\u00e7\u00f5es de que ele havia publicado 26 artigos em revistas de l\u00edngua inglesa (eles encontraram apenas quatro) e que havia recebido um pr\u00eamio pelo conjunto de sua obra da Associa\u00e7\u00e3o Americana de Urologia (o pr\u00eamio foi dado para um ensaio que ele escreveu).<\/p>\n

entrevistados, nenhum relatou ter sido curado de incontin\u00eancia, e 40 por cento disseram que sua sa\u00fade havia piorado ap\u00f3s o procedimento, que inclu\u00eda a mudan\u00e7a de itiner\u00e1rio de um nervo da perna para a bexiga.<\/p>\n

Independente do que tenha ocorrido, Xiao ficou furioso. Ele entrou com uma s\u00e9rie de processos por difama\u00e7\u00e3o contra Fang Shimin e anunciou que iria se vingar.<\/p>\n

Recentemente, os dois jornalistas foram brutalmente atacados nas ruas de Pequim – Fang Xuanchang por bandidos com uma barra de ferro e Fang Shimin por dois homens armados de spray de pimenta e um martelo.<\/p>\n

Quando a pol\u00edcia prendeu Xiao, em 21 de setembro, ele confessou a contrata\u00e7\u00e3o de homens para realizar o ataque. A raz\u00e3o, disse ele, foi a vingan\u00e7a contra as revela\u00e7\u00f5es que impediram sua nomea\u00e7\u00e3o para a prestigiada Academia Chinesa de Ci\u00eancias.<\/p>\n

Apesar da confiss\u00e3o, a Universidade de Ci\u00eancia e Tecnologia de Huazhong, onde Xiao atua, n\u00e3o pareceu disposta a tomar qualquer a\u00e7\u00e3o contra ele. Em um comunicado, os administradores disseram que ficaram chocados com a not\u00edcia de sua pris\u00e3o, mas que iriam aguardar o desfecho dos processos judiciais antes de romper os la\u00e7os com ele. (Fonte: G1)<\/em><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"