Atento às novas demandas do mercado, impulsionadas sobretudo pela vigência do Tratado de Quioto, o Banco ABN-Amro/Real viu no desenvolvimento sustentável a possibilidade de agregar valor a sua marca, oferecendo à própria carteira de clientes – e aos potenciais – um atendimento diferenciado.
Nessa entrevista, o superintendente executivo de Sustentabilidade e Negócios Sócioambientais da instituição, Victor Hugo Kamphorst, conta como foi o desenrolar desse processo e de que formas as novas linhas de financiamento podem ajudar empresas a melhorar a performance de seus negócios com a receita marginal do MDL.
ambientebrasil – Em que momento o ABN-Amro/Real vislumbrou um nicho de mercado que justificasse a implantação de uma diretoria específica para o desenvolvimento, aprovação e implantação de linhas de financiamento destinadas a empresas e projetos de cunho marcadamente sócioambiental?
Victor Hugo Kamphorst – Há quatro anos. Começou como uma política de relacionamento, compartilhando valores éticos e de sustentabilidade, comuns entre a instituição e seus clientes. Com isso, acabamos percebendo que era possível fazer negócios de um jeito diferente, mais amigável. O desenvolvimento sustentável veio como a melhor resposta à nossa filosofia de respeito, ética e boas práticas comerciais.
ambientebrasil – Por que outras instituições bancárias não se envolveram nesse processo?
Victor Hugo – Antes de mais nada, essa é uma decisão estratégica e gerencial de cada organização. Contudo, fomos líderes isolados por um curto período de tempo. Atualmente, o mercado já se deu conta de que é possível ser sustentável e lucrativo ao mesmo tempo, respeitando os clientes (empresas e pessoas físicas), o meio ambiente e a vida como um todo.
ambientebrasil – No âmbito dessa diretoria – “Sustentabilidade – Negócios Sócioambientais” -, qual o papel dos negócios em carbono?
Victor Hugo – Os negócios em carbono são apenas um capítulo dentro dos negócios sócioambientais. Por outro lado, não se pode falar em sustentabilidade sem falar em mudanças globais do clima. Logo, o MDL não poderia ficar de fora de nossos negócios, desejando o ABN-Amro/Real inserir-se nesse mercado como um ator de peso. Não se pode, portanto, deixar de lado esse fator quando pensamos uma política ampla e holística de sustentabilidade, nosso propósito não só interno, como também no que se refere aos negócios que pretendemos realizar.
Trata-se de oportunidade aos nossos clientes para que possam melhorar a performance de seus negócios, com a receita marginal do MDL, e para nossos clientes obrigados a reduções de emissões, que contarão com meios para mitigar os volumes de GEEs necessários. Além disso, nossa intenção não se limita a de participar do mercado como trader de carbono ou como mero financiador. Pretendemos assegurar aos nossos clientes compradores projetos bem estruturados desde seu nascimento, sem dúvidas sobre a possibilidade de geração de créditos.
ambientebrasil – Ainda especificamente nos negócios em carbono, a que tipo de clientela exatamente se destinam as linhas de financiamento e de que maneiras elas podem ser aplicadas?
Victor Hugo – Nosso público alvo são empresas já clientes do banco, num primeiro momento, e outras não clientes, estes no que toca aos ofertantes de projetos. Quanto aos demandantes, nessa fase inicial buscaremos apenas clientes de nossa carteira. Futuramente pensamos em constituir um fundo de carbono, cujas modalidades e formas de investimento e participação ainda não foram definidas.
Quanto aos projetos, as linhas de financiamento que disponibilizamos visam cobrir todas as atividades inerentes ao MDL, desde sua concepção até o comércio final dos créditos de carbono e a conseqüente internalização dos valores obtidos nessas negociações. O modelo a ser adotado para o financiamento de projetos deverá ser individualmente considerado, verificando-se as necessidades de cada empresa/projeto, análises de risco e crédito, bem como quesitos sócioambientais (já usados pelo banco nas análises de risco).
Os financiamentos poderão contemplar, ainda, a implantação do projeto, consideradas obras civis, aquisição de equipamentos, enfim, tudo o quanto seja necessário para obtenção dos CERs pretendidos. Estamos dispostos e preparados, inclusive, para prestar garantias a esses projetos, aceitar os CERs como lastro e fazer o desconto antecipado desses CERs, no Brasil ou no exterior.
ambientebrasil – Por que a política de desenvolvimento sustentável do ABN-AMRO/Real consolidou-se a ponto de ter sido exportada para todo o mundo e de ter se tornado case na Universidade de Harvard?
Victor Hugo – Nossa política de sustentabilidade é única no mercado financeiro. Foi exportada e estudada no início desse ano em Harvard porque conseguimos demonstrar que é possível fazer negócios e ser lucrativo de um jeito diferente, com ética, muita ética, respeito e atenção ao ser humano e aos valores que lhe são inerentes e caros, além de respeito à natureza. Com isso nos tornamos únicos no mercado financeiro.
Acabamos por demonstrar que Albert Einstein tem razão quando diz que “Insanidade é fazer as mesmas coisas sempre, sem pensar, esperando os mesmos resultados.” Demonstramos que é possível fazer as mesmas coisas, de modos diferentes, mais amistosos e amigáveis, e mais baratos e mais rentáveis. E, claro, acabamos fazendo coisas que ninguém faz, como nossa linha exclusiva de produtos sócioambientais.
ambientebrasil – De que maneira os compromissos do Protocolo de Quioto ganharam força, com um mercado aquecido e reforçado especialmente pelo European Trade Scheeme.
Victor Hugo – Há tempos o banco vem se preparando para a entrada em força do Protocolo de Quioto. Não se trata apenas de abraçar uma oportunidade de negócios, mas também de trazer ao nosso portfólio de serviços opção que se afina com nossa filosofia geral de negócios. A entrada em vigor do Protocolo de Quioto deu ao mercado garantia de que os negócios desenvolvidos sob esse pálio estão garantidos e serão recompensados. Logo, o risco do investimento diminui e sua performance tende a melhores resultados.
O European Trade Scheeme (ETS) é uma sistemática para redução de emissões criada pela União Européia e para a realidade daquele continente tipificada. Aceitam projetos desenvolvidos sob o pálio de Quioto, muito embora tenha um regramento específico. Com isso, a União Européia acaba tendo uma dupla oportunidade para o comércio de emissões: um via Quioto e outro via ETS, que são complementares, no sentido de que as metas do ETS são mais ambiciosas do que as metas do Protodolo de Quioto. Essa sistemática só veio a reforçar a firmeza do mercado, além de posições isoladas como aquela adotada pelo Reino Unido, que luta pela inclusão dos EUA e pela adoção de metas de redução mais amplas.
ambientebrasil – O fato do banco ter criado uma gerência para mercado de carbono sinaliza para a expansão desse mercado?
Victor Hugo – Sem dúvidas que sim. As oportunidades de negócio no Brasil são limitadas, mas, mesmo assim, atraentes, uma vez que estimadas em cerca de USD 30 milhões/ano. Pode parecer muito, mas o mercado chinês, por exemplo, é muito maior. Contudo, os negócios têm crescido e o ABN/Real deseja firmar-se como um grande e importante ator desse mercado no Brasil e no mundo. Tanto assim que em nossa matriz, na Holanda, temos uma vice-presidência que cuida exclusivamente de mudanças globais do clima. E o mercado vem se expandindo e crescendo: já temos diversos projetos para os quais estamos mandatados a negociar os CERs e outros, ainda em negociação, onde teremos uma atuação mais ampla.
Como é o processo de negociação dos créditos de carbono e qual o papel do ABN-AMRO/Real nele?
Victor Hugo – Atualmente as negociações são feitas a futuro, ou como se costuma dizer, por antecipação. Nosso papel nesse momento é o de localizar boas demandas, bons negócios, com bons preços e fazer a transação acontecer, realizando pagamentos e internalizando capital. Inclusive, a primeira operação feita no Brasil de internalização de capital oriundo de uma negociação com créditos de carbono foi feita pelo ABN/Real. Junto ao Banco Central conseguimos classificar a operação como exportação de serviços, o que garante ao cliente os benefícios tributários inerentes aos processos de exportação.
ambientebrasil – Por que a estratégia do banco inclui não fazer estoque de créditos. Isso não seria vantajoso para as transações?
Victor Hugo – Sim, claro que é vantajoso e vamos fazer estoques, mas não no momento. Pretendemos lançar nosso fundo de carbono, cujas discussões para estruturação já estão bastante avançadas. Contudo, a fim de que tenhamos nosso pessoal interno afinado com esse mercado, nesse momento vamos apenas realizar as negociações diretas entre vendedor e comprador. É claro que além disso estamos estruturando garantias para projetos de consultores que têm vindo até nós, cientes de que como uma organização internacional temos condições de realizar operações mais sofisticadas e proveitosas para cada uma das partes envolvidas. Exemplos são os performance bonds, que podem garantir a operação da empresa brasileira geradora de CERs, permitindo assim que as vendas antecipadas de créditos sejam dotadas de maior firmeza.
ambientebrasil – Já foi feita alguma operação de monta, por empresa brasileira?
Victor Hugo – Sim, como disse acima, estruturamos e desempenhamos a primeira e temos outras cinco operações em andamento. Entretanto, esses negócios são revestidos de sigilo e confidencialidade, de modo que não podemos revelar nem nomes e nem valores, a menos que os envolvidos assim o permitam. Mas podem confiar no fato de que estamos trabalhando bem nesse setor.
ambientebrasil – Qual a vantagem da diretoria do ABN-AMRO/Real ter conseguido, junto às autoridades do Banco Central, que essas operações recebam a classificação de exportação de serviços?
Victor Hugo – Nesse caso, conforme mencionado acima, o exportador beneficía-se de todas as isenções tributárias inerentes ao negócio. Com isso a carga tributária incidente sobre a recepção de dinheiro cai bastante. Apenas para que se tenha uma idéia, caso essa entrada de capital não contasse com esses benefícios, de cara o imposto de renda ficaria com cerca de 30% do valor.
ambientebrasil – Qual o percentual cobrado pelo ABN-Amro/Real pela intermediação das transações no mercado de carbono?
Victor Hugo – Em torno de 4%, isso apenas para as operações de trade. Evidente que não estamos fechados a outras condições de negócios, dependendo, é claro, dos fatores envolvidos.
ambientebrasil – Como é avaliado o preço do carbono nas transações entre empresas?
Victor Hugo – O preço é sempre o praticado pelo mercado. Esses valores são públicos, de modo que não temos problemas quanto às informações relativas a esse valor. Essa cotação é feita por nossa mesa em Sydney, Austrália, com base nas transações correntes de mercado. Claro que algumas empresas conseguem negociar seus créditos por valores superiores aos USD 5.5 por T/Ce, mas, nesses casos, sempre há uma justificativa para tanto. Nada acontece por acaso e o que pretendemos é justamente fazer com que as melhores práticas de MDL se difundam pelo mercado. Entendemos, dentro de nossa filosofia de compartilhar experiências, que a melhor maneira de fazê-lo é não só pela troca de conhecimentos, mas pelo exemplo de casos de sucesso.
ambientebrasil – O valor recebido pela empresa que vende os créditos de carbono costuma ser dirigido para novas ações de sustentabilidade ambiental?
Victor Hugo – Em geral as empresas que desenvolvem projetos MDL de sucesso já contam com políticas de desenvolvimento sustentável, dentro das quais a questão ambiental é apenas um capítulo, importante, mas um capítulo. Nesses casos, a receita marginal oriunda das negociações com carbono acaba sendo direcionada para esses programas de modo natural.
Por outro lado, há que se entender o fato de que a saúde financeira de uma empresa também faz parte de sua sustentabilidade. Uma empresa lucrativa pode remunerar melhor seus empregados, garantindo a essas famílias tranqüilidade e permitindo que as economias relacionadas aos seus locais de moradia (cidades, bairros, etc.) possam florescer e manter-se. Ou seja, os benefícios do desenvolvimento sustentável são efetivos apenas quando aproveitados pela sociedade como um todo.