Créditos de Carbono são certificados que autorizam o direito de poluir. O princípio é simples. As agências de proteção ambiental reguladoras emitem certificados autorizando emissões de toneladas de dióxido de enxofre, monóxido de carbono e outros gases poluentes. Inicialmente, selecionam-se indústrias que mais poluem no País e a partir daí são estabelecidas metas para a redução de suas emissões. A empresas recebem bônus negociáveis na proporção de suas responsabilidades. Cada bônus, cotado em dólares, equivale a uma tonelada de poluentes. Quem não cumpre as metas de redução progressiva estabelecidas por lei, tem que comprar certificados das empresas mais bem sucedidas. O sistema tem a vantagem de permitir que cada empresa estabeleça seu próprio ritmo de adequação às leis ambientais. Estes certificados podem ser comercializados através das Bolsas de Valores e de Mercadorias, como o exemplo do Clean Air de 1970, e os contratos na bolsa estadunidense. (Emission Trading – Joint Implementation)
Há várias empresas especializadas no desenvolvimento de projetos que reduzem o nível de gás carbônico na atmosfera e na negociação de certificados de emissão do gás espalhadas pelo mundo se preparando para vender cotas dos países subdesenvolvidos e países em desenvolvimento, que em geral emitem menos poluentes, para os que poluem mais. Enfim, preparam-se para negociar contratos de compra e venda de certificados que conferem aos países desenvolvidos o direito de poluir.
Segundo Sergio Besserman Vianna – Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), “O aquecimento global é uma realidade inegável. Se ele não for tratado pelo mercado financeiro, algum outro mecanismo terá de ser criado para fazê-lo”, disse para a Folha de São Paulo.
Por sua vez, Eduardo Viola, Professor Titular do Departamento de Relações Internacionais e Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, analisa: “Está claro hoje que para proteger o ambiente precisamos ir além dos mecanismos rígidos de comando e controle que predominaram no mundo nos últimos 30 anos”.
A criação de mecanismos de mercado que valorizam os recursos naturais é uma extraordinária inovação cujo primeiro exemplo deu-se nos EUA com a emenda de 1990 ao Clean Air de 1970. Por causa dessa Emenda de 1990, que criou as cotas comercializáveis de poluição nas bacias aéreas regionais dos EUA, a poluição do ar diminuiu numa media de 40% nos EUA entre 1991 e 1998. Varias iniciativas, seguindo o mesmo princípio, estão em processo de ser adotadas em vários países e internacionalmente (o Protocolo de Kyoto 1997 estabelece as cotas de emissões de carbono comercializáveis entre os países do Anexo 1 e o Clean Development Mechanism entre países desenvolvidos de um lado e médios e pobres do outro).
Os volumes do Mercado de Carbono têm estimativas das mais variadas, e na maior parte das matérias publicadas pela imprensa os índices não batem. Cada fonte indica um dado diferente, vai desde U$ 500 milhões até US$ 80 bilhões por ano – os analistas de investimentos consideram o volume estimado pelos especialistas insignificante, comparado com alguns setores que giram volumes equivalente num mês.
O que pode haver é uma forte demanda por países industrializados e uma expectativa futura de que esse mercado venha a ser um “grande negócio”, uma fonte de investimentos, do ponto de vista estritamente financista. Neste caso, a posição do Brasil é estratégica, em função de uma série de considerações que faremos adiante.
Qual a posição do Brasil?
Acontece que, no caso do Brasil, como também no da África, é exigida uma série de certificações e avais em função dos riscos de crédito, por todas as questões de credibilidade: o chamado “Risco Brasil”. O Brasil não é considerado no mercado internacional um bom pagador. Já tivemos escândalos financeiros que assustaram investidores sérios, atraindo ao país investimentos de curtíssimo prazo, capital especulativo e volátil, além dos chamados farejadores das Ilhas Cayman, que adoram negócios “nebulosos” para ancorar as operações de lavagem de dinheiro. Tudo isso entra na contabilidade dos empréstimos internacionais, e o risco que corremos é de acontecer de o dinheiro com taxa baixa ou a fundo perdido chegar na mão do pequeno com taxas altíssimas. Não se deve esquecer ainda da vulnerabilidade deste indivíduo diante de contratos complexos, projetos duvidosos e pressões de especuladores, interessados em comprar terras abaixo do preço do mercado para se credenciarem a esses investimentos.
Existem grandes diferenças entre as CDMs e as commodities ambientais. Os CDMs ou MDLs (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) em síntese, são alternativas que implicam em assumir uma responsabilidade para reduzir as emissões de poluentes e promover o desenvolvimento sustentável. Trata-se de um mecanismo de investimentos, pelo qual países desenvolvidos podem estabelecer metas de redução de emissões e de aplicação de recursos financeiros em projetos como reflorestamentos, produção de energia limpa. As empresas, por exemplo, ao invés de utilizar combustíveis fósseis, que são altamente poluentes, passariam a utilizar energia produzida em condições sustentáveis, como é o caso da biomassa. Existe, enfim, uma gama enorme de projetos ambientais e operações de engenharia financeira que podem ser desenvolvidos no Brasil, proprietário das sete matrizes ambientais. (água, energia, biodiversidade, madeira, minério, reciclagem e controle de emissão de poluentes – água, solo e ar)
Nem todo projeto de CDM gera necessariamente uma “commodity tradicional” e muito menos uma “commodity ambiental”. Explico: a troca de créditos de cotas entre países desenvolvidos, que estabelecem limites de “direitos de poluir” (Joint Implemetation e Emission Trading), pode ser transformada em títulos comercializáveis em mercados de balcão (contratos de gaveta – side letters), ou em mercados organizados (Bolsas, Interbancários, Intergovernamentais, etc). Mas afirmar que poluição é mercadoria é um absurdo conceitual e chamá-la de “commodity ambiental” é uma contradição.
Em primeiro lugar, a poluição não pode ser considerada mercadoria, ainda mais quando se deseja eliminá-la. Em segundo, não serão os pequenos produtores os contemplados nesta troca, porque ela é realizada entre grandes corporações nacionais e transnacionais. Além disso, só é possível realizar tais trocas em um mercado fortemente globalizado, já que esses títulos migrarão de um país para o outro com a mesma velocidade que migram os investimentos globalizados, num círculo restrito de países mais ou menos desenvolvidos, o que vai contra todas as reivindicações do Fórum Social Mundial realizado no Rio Grande do Sul.
Se de um lado as commodities ambientais têm como seu principal diferencial o modelo da pirâmide, no qual os contemplados pelos recursos financeiros devem diretamente ser os excluídos, o trading emission (compra e venda de créditos de carbono) atendem ao tradicional modelo das operações financeiras que todos nós já estamos cansados de conhecer. Ele apenas repete um mecanismo já explorado, com a agravante de ser falacioso, trazendo o argumento ambiental e causando confusão de conceituação.
Mas o CDM pode e deve ser aplicado ao conceito “commodities ambientais”, observadas duas condições: se o projeto de controle de emissão de poluentes estiver gerando uma “commodity” como energia (biomassa), madeira, biodiversidade, água, minério, reciclagem, e se o modelo vier a promover a geração de emprego e renda e financiar educação, saúde, pesquisa e preservação de área protegidas. Em outras palavras, ela precisa também atender às reivindicações do movimento ambientalista e de grupos de direitos humanos, engajados nesta luta ingrata para preservar o meio ambiente. Nesse sentido, um projeto de reflorestamento com pinus e eucalipto não pode invadir uma área como Amazônia, ainda que a comunidade científica prove com todos os meios que pinus e eucaliptos captam mais carbono do que uma floresta nativa.
Faca de dois gumes
Veja, então, a diferença. Não importa para as “commodities ambientais” o que capta mais carbono. Importa, porém, o que gera mais emprego e mantém mais áreas de preservação. O modelo de “commodities ambientais” que propomos debater é exatamente produzir uma trava que impeça que um ecossistema seja prejudicado para favorecer a exploração comercial do outro. O marketing dos países ricos, prometendo dinheiro aos projetos ambientais dos países pobres, pode ser uma faca de dois gumes para o meio ambiente.
Existe o risco dos certificados de carbono serem transformadas apenas numa operação financeira para dar lucros aos seus investidores e acabar não gerando nenhuma vantagem para o meio ambiente. Isto é, se os instrumentos econômicos forem uma promessa de capturar carbono no futuro.
Como ocorreu, por exemplo, muitas vezes no caso dos incentivos florestais, quando muita gente pegou dinheiro subsidiado do Governo para plantar, mas não plantou ou recebeu dinheiro para plantar mil hectares, terminou plantando somente 200 hectares. Nestes casos, as travas para se proteger dos especuladores mau-intencionados estão sendo articuladas com o sistema de produção das commodities ambientais.
Sempre existe esse risco quando lidamos com o mercado financeiro. Um dia após o outro, criam-se contratos com cláusulas complexas e expressões em inglês não raras vezes escondendo negócios de interesse estrangeiro.
Se isso já é muitas vezes difícil para os especialistas da área entenderem, o que se dirá do pequeno produtor ou do proprietário de uma área florestal que deseja tornar sua floresta um projeto com viabilidade econômica, devendo respeitar as leis de conservação, códigos florestais e outras exigências. Estamos cientes de que a certificação é um caminho, mas não a solução do problema, pois para certificar o produto é necessário produzir em condições sustentáveis, o que requer investimentos. Tudo isso é caro e leva tempo e dinheiro.
O que acontece hoje é uma concorrência desleal com as altas taxas de juros. Qualquer negócio de longo prazo no Brasil torna-se incompatível com os lucros que os títulos financeiros garantem, sem que seja necessário se preocupar com chuvas, investimentos na produção, a plantação, a colheita, o pagamento de funcionários. Isso explica porque, ao invés de ser aplicado diretamente na produção, o dinheiro subsidiado migra para a especulação financeira.
Mas isso só acontece com a participação de agentes que não são da atividade produtiva, até porque o produtor sozinho, que sequer sabe como captar o recurso para sua lavoura, sabe tampouco atuar no mercado. Ele tem muitas vezes seu CPF ou CNPJ da cooperativa usado em operações de lavagem de dinheiro. E quando quebram, prejudicam a credibilidade de todos: vide a Cooperativa Agrícola de Cotia e, mais recentemente, o caso da Exportadora das Cooperativas Brasileiras – Eximcoop. Nem precisamos ir muito longe – agora temos os escândalos financeiros que revoltaram os mercados de capitais em 2002 e jogaram as Bolsas de Valores no chão.
A crise no mercado de ações tem sido comparada com os colapsos provocados pelo crash de 1929 e pelas crises do petróleo em 1973 e 1974. Os Créditos de Carbono, se mal desenhados e lançados no mercado no afã da euforia, apenas para suprir uma expectativa de captar investimentos internacionais, podem mascarar a ação de muitos “oportunistas de negociatas”.
Ao implantar os Fóruns Regionais BECE (Brazilian Environment Commodities Exchange), no Projeto CTA, estamos tentando descobrir os meios de resolver o problema. Eliminar o risco é impossível, uma utopia. Mas podemos amenizá-lo identificando quem realmente merece ser receptor deste dinheiro, traçando com a comunidade uma estratégia de elaboração e de fiscalização de projetos ambientais com comprometimento, para que os produtores e comunidades extrativistas obtenham investimentos sem que os recursos passem pelas mãos de “inimigos ocultos”, expertos na arte de desvirtuar projetos ambientais.
Por isso criamos a proposta “BECE”, genuinamente brasileira, porque este é um problema brasileiro. Precisamos mapear as nossas reais necessidades e fazer a lição de casa para então conseguirmos também adotar uma postura mais séria e fazer propostas mais concretas nas relações com a ALCA, Mercosul, no Protocolo de Kyoto, etc. Olhando de frente com coragem e determinação os nossos problemas, chegaremos mais rápido às soluções, sem ficar enxugando lágrimas em lençóis porque tivemos nossas “commodities tradicionais” excluídas dos acordos internacionais.
Outro aspecto crucial de nosso debate é como chegar aos pequenos e fazer com que estes tenham as mesmas oportunidades de financiamento de seus projetos, seja na área de educação, saúde, meio ambiente ou agropecuária. Estamos, em suma, falando da reconstrução econômica do país, e os projetos para produção de commodities ambientais são soluções potenciais num momento em que estamos fartos de somente enxergar problemas.
O Projeto CTA (www.sindecon-esp.org.br) fará das palavras de Eduardo Viola a missão de BECE: “O Século 20 nos ensinou, com alegria e tragédia extremas, como o mercado é o mais eficiente mecanismo alocativo inventado pela humanidade. Também nos ensinou que um mercado sem pleno Estado de Direito e sem indivíduos educados e auto-reflexivos produz uma sociedade extremamente materialista que bloqueia as potencialidades de evolução humana. Precisamos avançar na direção de um mercado transparente e conscientemente regulado pela sociedade, onde não exista espaço para informações privilegiadas, nem cláusulas ad hoc para favorecer alguns dos competidores, nem possibilidades de lavagem de dinheiro procedente de atividades ilícitas. (…) Acredito que o BECE- merece um apoio incisivo do conjunto da comunidade ambientalista para que se realizem urgentemente estudos sistemáticos econômicos, ecológicos e jurídicos com o objetivo de sua implementação. Poderia ser uma grande contribuição iniciada no Brasil para o desenvolvimento sustentável em escala planetária.”
Com a proposta BECE e a elaboração de Projetos Econômico-Financeiros para os Mercados de “Commodities Ambientais”, estaremos colocando a preservação ambiental na contabilidade como ativo/investimento e não como passivo/prejuízo, tentado mudar a visão dos empresários e investidores hoje em relação à questão sócio-ambiental. Especialmente, onde as commodities ambientais poderiam ajudar a luta pelo combate ao efeito estufa que está comprovadamente aquecendo o planeta e provocando prejuízos enormes com o agravamento das secas, chuvas, tempestades.
(Fonte: Revista Eco 21, ano XII, No 74, janeiro/2003)
* Economista pioneira na divulgação das commodities ambientais no Brasil através do Projeto CTA e da Rede CTA-UJGOIAS – Consultant, Trader and Adviser – do Sindicato dos Economistas no Estado de São Paulo.