Jeca Tatu e seu cigarro de palha

Efraim Rodrigues (*)

Há anos atrás, o Jeca Tatu chupava uma laranja e jogava a casca no pomar.

Meses depois, aquela casca teria liberado seus nutrientes para o solo, que terminariam de novo no pé de laranja e mais laranjas seriam produzidas. Ciclagem perfeita, sem desperdício de nutrientes ou gasto de energia. Parabéns para o Jeca Tatu e seu pé de laranja lima.

Igualmente, quando o nosso herói brasileiro ficava apertado, qualquer moita servia e quando ficava feliz, ele podia sair gritando pasto afora. Era um Jeca Tatu por fazenda. Não havia ninguém por perto para se incomodar.

Gerações mais tarde, o nosso herói se muda do sítio para a cidade. Agora a embalagem da comida não é mais biodegradável como a casca da laranja, nem o chão é de terra, como no pomar.

Cidades tem muita gente, e elas são do jeito que são, para fornecer recursos para esta gente. As ruas têm que ser asfaltadas porque muita gente passa nelas, e a comida tem que ser embalada porque tem que se conservar até chegar à mesa, e as pessoas não podem sair gritando quando queiram, porque elas podem incomodar alguém.

Seguir regras de convivência faz a cidade ficar melhor para todos. A nossa população saiu da zona rural há relativamente pouco tempo, e nós (a nação toda) ainda não percebeu estes fatos básicos.

De todos os porcalhões urbanos, os fumantes são os piores.

Os fumantes inventaram uma grande coisa, que é a fonte de poluição pessoal. Não existem computadores pessoais? Treinadores pessoais? O fumante inventou uma fonte de poluição só para si. Até aí tudo bem. Este é um país livre. Você pode até se suicidar de uma vez, se você quiser.

O problema é querer se atirar de um prédio levando o bombeiro junto. A você, que talvez um dia venha ao meu escritório na universidade, eu já aviso: Sim, eu me incomodo de você fumar perto de mim. Sim, eu me incomodo também de você fumar no corredor, e sim, eu trabalho em um órgão público onde é proibido fumar. E isto inclui também o estacionamento!

Com algumas exceções, os fumantes têm também um prazer especial de jogar as guimbas em qualquer lugar. No chão, na xícara de café, em um lixo junto com papéis inflamáveis.

Eu até compreendo este desleixo com espaços públicos, vindos de pessoas que não se importam em ingerir fumaça pura. Se a própria vida não interessa muito para uma pessoa, que dirá a vida dos outros?

Falando em vida dos outros, o mercado de tabaco tem uma dimensão ainda mais maligna.

Ingerir fumaça não faz parte dos interesses de ninguém, a não ser que exista algum outro aspecto envolvido nisto. Ainda hoje, uma estratégia de mídia muito bem montada, vende a idéia que fumar é bom.

Qualquer coisa repetida à exaustão vira verdade, e esta é uma delas.

Outro argumento que eu ouço freqüentemente em prol da indústria do tabaco, é que ela gera empregos e movimenta a economia. Quantos bares não vivem da venda de cigarros? Quanto imposto não se arrecada?

Oficializemos o crack, então! Vamos substituir a produção de tabaco por papoula e vamos gerar muito mais empregos e riqueza!

Um outro aspecto do Jeca Tatu, além de não dar a mínima para quem vive ao seu redor, é também não se preocupar com o fruto do seu trabalho. O sinhozinho mandou, a gente faz, depois recebe o salário no fim do mês e ponto final. Se eu faço bem ou mal para quem está ao meu redor, não importa. Só interessa quanto eu acumulo. O mundo parece estar se globalizando, mas na verdade está se individualizando.

* É Ph.D. em Ecologia pela Harvard University, professor adjunto de Recursos Naturais da UEL e autor do Livro Biologia da Conservação.