Efraim Rodrigues (*)
Imagine-se atolado até o joelho na lama, com mosquitos por todo o lado. Para qualquer lado que você olhe, mais lama e quiçá algumas gramíneas e arvoretas.
Neste momento você é o responsável ou por drenar e aterrar esta coisa toda, ou por preserva-la por conta dos serviços que este pântano trás para peixes, aves e para a saúde dos rios. O que você decide?
Como todos sabemos, a decisão sempre foi transformar o pântano, mangue, floresta alagada e outros, em um ambiente agradável para nós humanos.
Dentro de São Paulo, o Rio Tietê foi retificado, passou a ter uma calha definida e reta. Esta estória se repete em todas cidades, pequenas e grandes. A área alagadiça vira avenida. No caso de São Paulo, virou marginal. A planície alagadiça do Tietê já era uma área marginal para São Paulo. Com a retificação, mudou-se a condição e manteve-se o nome.
Com a retificação do Tietê, São Paulo perdeu a capacidade de absorver as grandes vazões que ocorrem durante as chuvas. As conseqüências, eu não preciso falar delas.
Não tendo para onde ir, a água invade a cidade. A água que falta na torneira sobra no bueiro.
Mas falemos de coisas mais edificantes. Mesmo com toda esta fúria, ainda sobram 700 áreas alagadiças ecologicamente relevantes nos trópicos de nosso continente, cobrindo 120 milhões de hectares. As áreas alagadiças, além de reter a água das chuvas, também filtram os nutrientes que vem com a água, e que quando em excesso, causam problema nos rios. As raízes das plantas absorvem os nutrientes que passam por elas, além de reter, elas mesmas, partículas que vem com a água, e funcionar assim como um filtro.
Os nutrientes que são retidos nestas áreas úmidas fazem delas locais de intensa produção de biomassa. Onde há fumaça há fogo, e onde há nutrientes e água, há fotossíntese. E onde há fotossíntese, há toda uma cadeia de animais vivendo dela, direta, ou indiretamente. O resultado é que áreas úmidas freqüentemente são criadouros de peixes e aves.
Já existem até áreas úmidas artificiais, com a função de depurar águas e restaurar rios. Parece ridículo destruir para depois gastar dinheiro de novo reconstruindo, mas antes tarde do que nunca. E já que vamos construir estas áreas úmidas, não há porque não faze-las belas. Água e vegetação são dois recursos paisagísticos poderosos, que podem, além de cumprir um serviço, também criar ambientes lindíssimos. Existem escritórios de engenharia especializados nisto, cá mesmo, no Brasil.
Ao longo da história, muitas áreas alagadiças foram destruídas por serem focos de malária. Hoje em dia, também existem técnicas de mapeamento que permitem saber onde estão os principais focos de reprodução dos mosquitos, e resolver o problema com um controle bem restrito.
É muito mais fácil falar em defesa dos macaquinhos bonitinhos que pousam para a foto com seus filhinhos nas costas, do que de um mangue lamacento. Atolado no mangue, é impossível ver a utilidade dele. Brigue por eles, mas evite ir lá, se não gostar.
* É Ph.D. em Ecologia pela Harvard University, professor adjunto de Recursos Naturais da UEL e autor do Livro Biologia da Conservação.