Efraim Rodrigues (*)
É uma Macedônia!
É um Sergipe!
É inaceitável!
A mídia esta semana agiu como a multidão atônita com a passagem do super homem, tentando entender o que é, e o que significa perder 23.750 km2 de florestas nativas ao longo de um ano.
Todos sabemos o que é um real, e o que ele compra. No entanto, poucos de nós sabemos o que se compra com R$ 750.000,00, por exemplo. 1 km2 é a área de um quadrado com 1 km de lado. Pode ser mais estreita, tendo 100m de largura e 10 km de comprimento, e pode até mesmo ter 1 m de lado, e 1000 km de comprimento. Imagine que você fosse andar 23.750.000 km. Tomaria quatro vidas, ou 320 anos. Quatro vezes oitenta anos, andando 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Eu sempre digo que o desmatamento tem a ver com o PIB. Quando sobe o produto interno bruto, que é a soma de toda riqueza produzida no país, o desmatamento sobe. A economia parou, o desmatamento cai.
Os dados deste ano confirmam mais uma vez esta idéia, mesmo com o seu aumento. A economia parou, acabou, morreu. Mesmo assim, o desmatamento cresceu 2% em elação ao dado anterior. Aí está o primeiro fato; O desmatamento está aumentando a cada ano, mas neste último ano desacelerou de 16% (entre 2002 e 2003) para 2% (entre 2003 e 2004).
O fato novo, que fez com que o desmatamento não caísse, mas só desacelerasse, foi a soja, que é a única atividade econômica saudável neste momento. Não chega a influenciar muito o PIB, mas mesmo assim desmata-se muito para a soja, e ela também capitaliza os pecuaristas, que desmatam também para o gado.
Toda a mídia discutiu os dados de desmatamento, querendo, na verdade, saber o efeito Marina (ou Lula) no desmatamento. Ainda não existe efeito Lula, nem FHC, nem mesmo Sarney no desmatamento. Tudo se explica pela atividade econômica. A fiscalização existe, mas está se organizando bem devagar, ao longo dos anos. Os cães ladram e a caravana passa. Esta é a máxima dos números de desmatamento.
Eu escrevi os parágrafos anteriores em um avião em São Paulo, aguardando a decolagem. Eis que entra porta adentro, creiam !, a própria ministra do meio ambiente.
Como era de se esperar, para os que me conhecem, eu não perdi a oportunidade de importunar a ministra e obter algumas palavras dela para vocês.
A ministra passa uma simplicidade e uma humildade enormes pela TV. São ainda maiores pessoalmente. Tive a impressão de estar conversando com um monge ou coisa parecida.
De novo (a pobre ministra deve ter repetido a mesma cantilena MUITAS vezes esta semana), ela me falou sobre a ação cotidiana, estruturante, que visa melhorar as instituições para fiscalizar e evitar o desmatamento, evitando a pirotecnia, e as frases de efeito para a mídia. Isto nos traz de volta aos problemas estruturais brasileiros. Falta de educação, tradição rural destrutiva, predadora até, concentração africana de renda, mantida com impostos dinamarqueses. Naturalmente, a ministra não falou destes problemas, que a colocaria em rota de colisão com seus colegas da área econômica.
Nem que um dia elejamos o salvador em pessoa para Presidente da República, ele/ela não resolveria este problema em um ano. Preparem-se, porque no ano que vem teremos mais 320 anos de caminhada para fazer. E não será na sombra…
* É Ph.D. em Ecologia pela Harvard University, professor adjunto de Recursos Naturais da UEL e autor do Livro Biologia da Conservação.